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A ANPGB e a malandrice dos biocombustíveis

22 Dec. 2021 Opinião

Brincadeira tem hora! Pelo menos, quando se trata de gente séria. E a ANPGB parece ter sido constituída por gente que parece séria. Só que…

A ANPGB e a malandrice dos biocombustíveis

Temos no nosso ADN a mania das grandezas e, por incrível que pareça, os biocombustíveis são exactamente isso. O nosso executivo decidiu criar uma concessionária para a produção desta mistela química e anda às voltas à procura de organizar e definir uma estratégia para a sua produção. No sítio errado, com as gentes erradas. Operários da indústria de petróleos não estão treinados para essa tarefa. E, para além do mais, o futuro dos biocombustíveis não é brilhante.

Ora, donde vem a ideia da produção deste “item” de energia? Durante os dias das vacas gordas, o nosso “corrupto-mor” optou por “sugar” alguns trocos ao nosso OGE e em conluio com a máfia brasileira introduzir a BIOCOM. Foram chatear os malanginos e, por lá, montaram uma planta para a produção de álcool e biocombustíveis. E a pandilha gastou ‘n’ vezes mais do que devia dos fundos do estado. O general decidiu ‘confiscar’ a planta e muito pouco tem sido feito para o aproveitamento eficiente da infra-estrutura: o nosso kumbu a deteriorar-se em ferro e maquinetas.

Após a cimeira ambiental os “capitães de areia”das mais diferentes nações parece terem concordado entre eles que é necessário olharem com olhos da gente que não são para energias renováveis. Obviamente que nós também embarcámos no diálogo, não fosse o comboio expresso passar por nós e deixar-nos no nosso apeadeiro à espera do “camacova” a lenha e vapor. Queremos estar “lá”, sobretudo se isso der comissões. Surge assim o interesse renovado em biocombustíveis.

A ANPGB anda às voltas à procura de criar uma estratégia para a produção de biocombustíveis. Porém, antes de mais, deveria olhar para dentro e passar a bola a quem de direito. É que a produção de biocombustíveis é essencialmente o desenvolvimento de todo um complexo industrial que muito pouco (ou nada) tem que ver com petróleo e gás. Para além de nada ter que ver com pesquisa e produção de petróleo, a produção de biocombustíveis passa pelo aproveitamento de excedentes agrícolas e, capacidade excedente de meios industriais. A produção de biocombustíveis envolve e embrulha a actividade de vários outros sectores distintos do petróleo e gás, e exige a sua interligação.

A sua génese deriva de excedente de milho, cana-de-açúcar, maimona, e/ou outras oleaginosas dispensadas da industria alimentar. Só que o nosso país continua incompetente e/ou incapaz de produzir milho para a alimentação humana e para a produção de rações para a nossa população animal. Angola continua a importar mais do que 50% do milho que necessita. Angola continua a importar uma quantidade substancial do açúcar que consome, e perto de 60% das oleaginosas. Assim sendo, estamos definitivamente muito longe de podermos vir a ter excedentes da matéria-prima para a produção de biocombustíveis.

É óbvio que temos território suficiente para aumentarmos a nossa capacidade de produção dos produtos agrícolas que seriam a base da indústria. Porém, para o fazermos, temos antes de mais que estudar o nosso solo para finalmente chegarmos à conclusão se temos disponibilidade de terra arável para a produção de excedentes. É evidente que teremos de melhorar a rentabilidade da nossa terra e isso passa pela utilização de fertilizantes que ainda não produzimos e, infelizmente, importamos a preços proibitivos. E aqui podemos levantar mais uma questão relacionada com o custo final do produto, uma vez que continuamos a importar tudo de que precisamos.

Prosseguindo nesta linha de análise, a Biocom não parece ser uma alternativa imediata, quiçá, nem sequer a longo prazo. Para além da sua capacidade limitada, a tecnologia de que dispõe não é a mais moderna nem a mais eficiente. Mas, mesmo a funcionar em pleno, será necessária uma dúzia de fábricas semelhantes para que se produza uma quantidade suficiente para que faça diferença substancial no ciclo energético que se deseja.

Depois temos de considerar os aspectos negativos da eliminação de espécies nativas para a introdução de invasores que satisfaçam a produção da matéria-prima para os biocombustíveis. A terra que terá de ser disponibilizada nunca mais será a mesma e irá certamente impor alterações existenciais no habitat da fauna e flora actuais. Será mais uma navalhada no nosso fragilizado meio ambiente.

Antes de pensarmos em biocombustíveis, as nossas universidades públicas precisam de começar a fazer pesquisa e publicar documentação séria sobre a matéria. Medir o pulso. Analisar as possibilidades. Pesar vantagens e prever as consequências. Para o país energeticamente inteligente que todos queremos precisa de ver o trabalho da sua inteligência, não o pronunciamento e interesse de políticos, politiqueiros e demais “micheiros” à procura de oportunidades para facturarem e engordarem a custa do erário.

É que, após equacionarem-se todas as variáveis, até pode ser que a solução para a nossa energia deixe de lado os biocombustíveis e se agarre a solução nuclear. Pessoalmente acredito que adjunta aos ministérios da indústria e da energia faria mais sentido a existência duma agência energética que englobasse imediatamente estudos profundos para o desenvolvimento e produção de energia nuclear. Para essa tarefa, a ANPGB poderia contribuir com a transferência de estudantes de engenharias de petróleo para engenharia nuclear, e muito pouco mais. Não é por acaso que os cérebros do Norte já estão em fase adiantada nos seus estudos sobre a produção e tratamento de lixos, afinal de contas, o que tem sido o impedimento para o desenvolvimento e expansão da indústria de energia nuclear. Até aqui, vilificada sobretudo pelos vassalos do petróleo e gás como eu, hoje os países mais sérios avançam para esta solução que será o complemento mais económico das energias solares e eólica. Já há quem faça uma previsão risonha sobre a “era da energia nuclear” a qual deverá durar os próximos quatrocentos anos. E aí, sim, poderemos associar-nos a empresas internacionais do ramo e caminhar com elas para não perdermos o comboio expresso. Não é por acaso que o interesse pelos países do interior de Africa tem vindo a aumentar. Não é por acaso que a Rolls-Royce recebeu um financiamento de cerca de quatro bilhões de libras para o desenvolvimento de mini-reactores nucleares. Não é por acaso que a China e a Rússia… Precisamos de apanhar o comboio certo, na hora certa. Só assim, iremos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E quem ganhará é o povo. O futuro promete.

 

António  Vieira

António Vieira

Ex-director da Cobalt Angola