Aceitam-se apostas se o Governo vai divulgar os beneficiários dos contratos públicos
O Chefe do Governo que, em boa hora, promete divulgar os nomes dos beneficiários efectivos dos contratos públicos é o mesmo que, ainda há poucos dias, numa entrevista colectiva, considerou devassa da vida privada a publicação das declarações de rendimentos e património dos gestores públicos.
Um dos maiores ganhos dos programas com o FMI é sem dúvida ao nível da transparência.
Se hoje conhecemos as contas auditadas da Sonangol e do Banco Nacional de Angola (BNA) é graças ao primeiro acordo com a instituição financeira internacional celebrado em Dezembro de 2009. Refiro-me ao Stand By Arrangement, programa de ajuda à balança de pagamentos de Angola na sequência do trambolhão do preço do petróleo provocado pela crise financeira internacional de 2008.
Como se recordarão, o Governo começou por dizer que a crise financeira não afectaria Angola porque o nosso sistema financeiro não estava exposto aos empréstimos hipotecários de alto risco que originaram a chamada crise de subprime nos Estados Unidos da América. Ledo engano.
De facto, os nossos bancos não estavam expostos ao subprime mas a crise financeira dos EUA rapidamente se propagou a outros países e, mais cedo do que tarde, contagiou a economia real dos países afectados, entre os quais os maiores consumidores de petróleo. Com a quebra da actividade económica a procura de ouro negro reduziu-se. Menos procura para a mesma oferta igual a preço mais baixo. Petróleo mais barato, significa problemas económicos para Angola, fortemente dependente dos petrodólares.
Os mesmos que disseram que Angola não seria afectada pela crise financeira internacional tiveram de ir bater à porta do FMI para pedir ajuda para tapar os buracos nas contas públicas e externas, os chamados défices gémeos.
A instituição aceitou ‘largar’ 1,4 mil milhões ao longo de três anos, mas, como não há almoços grátis, impôs condições.
Uma delas era a publicação das contas auditadas da Sonangol e do BNA. O programa com o FMI terminou em 2012 e (re)começaram os problemas com a publicação das contas que ou eram publicadas com atraso ou eram publicadas incompletas.
Em 2014, o petróleo voltou a baixar trazendo consigo de volta os défices gémeos e colocando na agenda um novo pedido de ajuda de Luanda a Washington. O pedido tardou mas chegou, na segunda metade de 2019, pela pena do novo presidente, João Lourenço (JLo). A resposta não tardou, chegou em Dezembro de 2019 sob a forma de um programa de financiamento alargado no valor de 3,7 mil milhões USD aumentados para cerca de 4,5 mil milhões em 2020 com a covid-19.
Mais uma vez, no menu das exigências do FMI vinham questões ligadas à transparência, nomeadamente a publicação até final de Setembro de 2018 no portal do Instituto de Gestão Activos e Participações do Estado (Igape) as contas anuais auditadas de 2018, no mínimo das 15 maiores empresas públicas. Em 4 de Outubro de 2019 o IGAPE apresentou as contas de 59 empresas, incluindo as 15 maiores, perante 89 gestores públicos.
Actualmente, a apresentação das contas das empresas públicas é uma rotina, tendo subido para 71 o número de empresas que entregaram demonstrações financeiras de 2020.
Ou seja, o Governo foi mais longe do que o exigido pelo FMI o que é de elogiar.
Onde o Governo também quer ir mais longe e que pode marcar uma nova era em matéria de transparência é na contratação pública.
No acordo de financiamento alargado, o FMI exigiu igualmente do Governo que adjudicasse por concurso público pelo menos 45% dos investimentos públicos de valor superior a 182 mil milhões kz não financiados por linhas de crédito externas. Ainda nesta matéria, com o objectivo de promover os concursos públicos, as unidades orçamentais foram incentivadas a publicarem os planos de compras para conhecimento dos potenciais fornecedores. Adicionalmente passaram a ser publicados os nomes dos representantes dos vencedores dos concursos públicos. E pode vir aí mais!
Na carta enviada Kristina Georgieva, directora-geral do FMI, no âmbito da sexta avaliação do programa, o Governo angolano garante estar a trabalhar para eliminar as barreiras legais que impedem a publicação dos nomes dos beneficiários efectivos dos contratos públicos.
A acontecer, a publicação dos nomes dos últimos beneficiários das empresas que ganham os contratos públicos, será a cereja no topo do bolo em matéria de transparência na contratação pública.
Escrevi a acontecer, porque quando a esmola é grande o povo desconfia. O Chefe do Governo que promete divulgar os nomes dos beneficiários efectivos dos contratos públicos é o mesmo que, ainda há poucos dias, numa entrevista colectiva, considerou devassa da vida privada a publicação das declarações de rendimentos e patrimónios dos gestores públicos. E foi também o mesmo JLo que levou, sob a forma de uma carta que vazou para o público, um puxão de orelhas da sua ministra das Finanças por, alegadamente, estar a entregar “a torto e a direito” e de forma ilegal contratos públicos por ajuste directo.
Esperemos para ver. Sendo que temos de ser mesmo nós a ver dentro de casa porque o FMI esse perdeu todo o poder negocial em Dezembro depois de o programa de financiamento alargado ter terminado com o desembolso da última tranche dos 4,5 mil milhões USD.
JLo do lado errado da história