Estratégia para controlar a praga de gafanhotos em Angola

Adriano Braga Bingobingo, engenheiro agrónomo

26 May. 2021 César Silveira Opinião
Adriano Braga Bingobingo, engenheiro agrónomo
D.R.

Os relatos de ataques de pragas de gafanhotos não são novos, e os seus estragos remontam à era dos patriarcas (Bíblia Sagrada, livro de Êxodo 10:4). Há informações de que no final do século XIX e princípio do século XX houve uma conjugação de praga de gafanhotos, fome e doenças, e acredita-se que a História se esteja a repetir. Muitos países, dentre os quais a China, Brasil, Egipto e Quênia, têm relatado a presença dessa praga nos seus territórios. Esta é uma das consequências das alterações climáticas, e segundo a ONU, trata-se de uma nuvem de gafanhotos capaz de se alimentar de cerca de 192 milhões de Kg de vegetação em um dia, e 2,7 milhões de toneladas de cereais em um ano, acabando assim com o alimento de mais de 18 mil pessoas.

Devido ao seu impacto na agricultura familiar (responsável por mais de 85% da produção nacional) caso a praga não for controlada em Angola, vai impactar directamente a vida de mais de 80% da população. Isso trará mais insegurança alimentar no país (em casos extremos mortes), obrigando o Governo a incorrer em mais dívidas para importar alimentos.

A praga é periódica e os níveis populacionais baixam, para níveis economicamente aceitáveis, quando escasseiam as fontes de alimentação e as condições climatéricas se tornam menos favoráveis, e assim se mantêm durante meses ou anos até que as condições do meio voltem a ser favoráveis. A praga é capaz de percorrer cerca de 150 km em um dia, isso faz com que migre rapidamente para outras regiões onde há melhores condições de habitabilidade, portanto, se forem negligenciadas, rapidamente invadirão outras províncias como Huambo, Bié, Cuanza Sul, e então será o apocalipse da produção nacional.

O que tem sido feito

Custa dizer, mas a solução emergencial será a pulverização com pesticidas, como tem sido feito até agora. No entanto, muitas das substâncias activas dos pesticidas são altamente perigosas para a saúde humana e meio ambiente. Esses produtos quando mal manuseados podem desencadear uma série de problemas ambientais e sociais, contaminado o ecossistema e causando esterilidade de pessoas e animais, e em casos extremos a morte. Infelizmente na ânsia de controlar esta praga, aplicações de pesticidas têm sido feitas empiricamente no país. Têm se observado pessoas a pulverizarem com equipamentos dorsais (costais) e sem Equipamentos de Proteção Individual adequados e, acredita-se também que não tem havido um controlo rigoroso das pessoas que vivem ao redor das áreas tratadas.

Esses tipos de pulverizações matam apenas alguns poucos indivíduos e geralmente em fase de ninfas (estados juvenis) e menos sociais e, são mais eficientes quando os gafanhotos estão pausados (geralmente a noite). Assim, esse tipo de estratégia não servirá para solucionar a situação.

Em algumas regiões do país são feitas aplicações de pesticidas à base de cipermetrina (piretroide) e clorpirifos (organofosforado), sendo o uso deste último não aprovado em muitos países na União Europeia e Reino Unido. Este é um pesticida de baixa solubilidade aquosa, moderadamente persistente em sistemas de solo. É altamente tóxico para os mamíferos, pássaros, peixes, invertebrados aquáticos e abelhas melíferas e é classificado como tóxico para a reprodução, inibidor da acetil colinesterase e neurotóxico. Também é irritante para a pele e os olhos. Portanto, produtos como este não deveriam ser aprovados em Angola, menos ainda nesta situação em que está a ser manuseado empiricamente em alguns locais, colocando em risco a saúde de quem os aplica, das populações ao redor e a segurança ambiental.

Qual é a melhor estratégia?

A solução é conhecida por muitos, e tem que ser levada a cabo a nível regional (centro-sul do país) ou mesmo nacional. Trata-se da criação de planos de contingência para mitigar os focos actuais e as ocorrências futuras. Apesar de ser oneroso, é urgente a criação de emergência de uma equipa multissetorial, liderada por engenheiros agrónomos e biólogos, entre outros (académicos e investigadores), que encontre uma solução que seja social e ambientalmente sustentável.

Para maior eficiência no controlo da praga, a aplicação do pesticida deverá ser por pulverização aérea (usando aeronaves por exemplo) e terrestre (por nebulização), dando primazia aos produtos menos agressivos ao meio ambiente. Tendo em conta a educação da população, sobretudo das zonas rurais, que poderá se expor aos pesticidas caso não seja devidamente controlada, a escolha da substância activa deve ser criteriosa.

Há estudos que mostram a eficácia de um biopesticida à base de fungos entomopatogénicos para gafanhotos sendo que, dada a sua especificidade e nula toxicidade para pessoas e animais domésticos, poderá ser uma boa escolha.

Não obstante a isso, a União Europeia tem um plano de reduzir até 2030, a utilização dos pesticidas na agricultura até 50% e, sendo parceiro estratégico de Angola e financiadora de muitos projectos no país apenas aconselhará o uso de pesticidas em última instância. Assim, essa equipa multissetorial será desafiada a buscar outras soluções, incluindo a integração de meios de luta alternativos à luta química como a utilização de luta biotécnica (todos os meios passíveis de certa manipulação como a utilização de feromonas) e luta biológica desde a acima referida aplicação de um biopesticida, ou de predadores, tal como a China fez em 2020. Neste sentido, a utilização de algumas aves, como por exemplo os patos, poderá ser útil para eliminar os instares mais jovens da praga.

As feromonas são substâncias produzidas pelos insetos que desencadeiam determinados comportamentos nos indivíduos da mesma espécie. Dada a sua especificidade (só atuam em indivíduos da mesma espécie) a sua libertação no meio é muito segura. Há várias décadas que nos pomares de macieira da Europa são libertadas feromonas miméticas da feromona que a fêmea do bichado da maça liberta para assim confundir os machos da mesma espécie e impedir o acasalamento e, dessa forma, reduzir as populações desta praga. Estudos recentes permitiram identificar a feromona que é produzida pelos gafanhotos migratórios sendo responsável pela formação de grandes agregados. A produção sintética e libertação no ambiente de uma substância mimética desta feromona poderá controlar os enxameamentos e evitar os elevados prejuízos que causam.

Acredito que Angola é um país abençoado e que os Governantes são pessoas de bem, e tomarão a decisão correcta e imediata para mitigar os efeitos dessa praga no país. Que Deus abençoe a nossa nação (ANGOLA), dando-nos forças e sabedoria para agirmos nesse momento.

César Silveira

César Silveira

Editor Executivo do Valor Económico