CARO LIONEL MESSI, ISTO É UM ABAIXO-ASSINADO...
Caro Lionel Messi, não temos nenhuma garantia de que, por algum meio, venha a ter contacto com este abaixo-assinado. Fazemo-lo, de qualquer forma e antes de mais, por inconformismo. É que, apesar de toda a insanidade que devassa e anestesia Angola e o mundo, acreditamos que nos resta alguma humanidade. Escrevê-lo também por ossos do ofício. É isso o que, em parte, nos permite reiterar a convicção de que continuamos a acreditar inabalavelmente nos valores e na importância do jornalismo. Escrevemo-lo ainda porque, reformulando a icónica sentença de Tolstoi, julgamos que o tempo e as nossas capacidades ainda nos permitem passar aquilo que tencionamos transmitir, mesmo que de forma parcial. Finalmente, porque, mesmo conscientes de que há uma possibilidade de 99,9% de não vir a saber deste texto, restará uma hipótese de 0,1% de ter contacto com este texto e de lhe fazer justiça.

Caro Lionel Messi, em Novembro do ano passado, ficámos a saber que as selecções de futebol de Angola e da Argentina fariam um jogo em Luanda em Novembro deste ano. A informação não foi extraída de um texto apócrifo nas redes sociais. Não houve suspeitas sérias de fake news. Porque foi pela voz do próprio Presidente da República de Angola que os angolanos ouviram a novidade. É certo que João Lourenço – que não sabemos se conhece - fez o anúncio num evento partidário, mas isto não é necessariamente relevante, face ao que está em causa neste apelo. Até porque, desde que o MPLA tomou o poder e sequestrou o Estado, os seus dirigentes declinaram, em consciência, qualquer aprendizagem das diferenças entre uma coisa e outra. Das fronteiras entre ao que ao Estado é devido e ao que ao partido diz respeito.
Caro Lionel Messi, ainda assim, apesar de o anúncio ter vindo em primeira mão do Presidente, houve angolanos que não quiseram acreditar em tamanha barbaridade. Há angolanos que se recusam a acreditar até ao momento. Mas não se preocupe, caro Messi. A incredulidade desses angolanos não reside na excepcional possibilidade de verem jogar em Angola a maior estrela da história do futebol mundial. A conversa é outra. É a estupidez dos números. É a insanidade dos milhões. É a vergonha do luxo sobre o lixo.
Caro Lionel Messi, felizmente, apesar de todas as provações e humilhações a que são sujeitos pelo regime que os (des)governa, muitos angolanos não perderam o senso da indignação. Quando souberam que Angola pagaria à Argentina pelo menos 6 milhões de dólares para o tal jogo, não saíram à rua para exigir a queda do Governo por medo de balas e canhões, mas protestaram com ruído. Nos restaurantes, nos bares, nas festas, nos encontros familiares, nos media independentes e mais destacadamente nas redes sociais.
Caro Lionel Messi, os angolanos indignaram-se porque têm consciência de que a celebração dos 50 anos da Independência não justifica tamanha gastança num país que está a contar, neste exacto momento, centenas de mortes por causa da cólera. Por falta de água limpa e de saneamento básico. O que revolta os angolanos decentes, caro Lionel Messi, é verem famílias em contentores de lixo à procura de migalhas apodrecidas para encherem o estômago. É saberem de centenas de pessoas que morrem nos hospitais e fora deles por falta de assistência e de medicamentos básicos. É o facto de terem noção que há milhões de crianças sem escola, nas palavras do próprio Governo, por falta de dinheiro. Os tais dinheiros que existem, entretanto, para serem torrados em jogos amigáveis de futebol ou em excentricidades equivalentes, para dizer o mínimo.
Caro Lionel Messi, para lhe fazer perceber por que deve influenciar os seus colegas, a sua selecção e o seu país a recusarem o convite angolano certamente não precisa de mais do que isso. A vinda da sua selecção a Angola seria um acto de traição às causas dos mais desfavorecidos que defende. Uma atitude de conluio com a matança dos angolanos pela miséria e pela fome, fabricadas por uma governação descomprometida, negligente e incompetente. Lembre-se dos ensinamentos e da luta inspiradora de Manuel Belgrano, caro Lionel Messi. É só a justiça, a liberdade e a salvação de almas que está em causa. Diga não ao convite angolano. Cá nos arranjaremos. Teremos de assistir a um outro jogo, a um que não custe os paracetamóis nos hospitais e as carteiras nas escolas. Diga à sua selecção que fique em casa.
Até aqui, Angola perdeu oito anos