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Como eu pago a minha empregada com o subsídio à gasolina e ainda me sobra dinheiro

08 Dec. 2021 Opinião

Feitas as contas, no segundo trimestre de 2021, o preço real, isto é, sem subsídio, da gasolina devia ter sido em média 406,69 kz por litro e o do gasóleo 396,00 kz, contra os 160 kz e 135 kz, respectivamente, pagos na bomba pelos automobilistas.

Como eu pago a minha empregada com o subsídio à gasolina e ainda me sobra dinheiro

No primeiro semestre de 2021, o Governo ‘torrou’ 428 mil milhões kz a subsidiar os combustíveis, de acordo com dados do Instituto de Gestão e dos Activos e Participações do Estado (Igape). O gasóleo foi quem levou mais dinheiro, 222,8 mil milhões kz, seguido da gasolina, com 117,04 mil milhões kz, do gás de petróleo liquefeito, vulgo gás de cozinha, com 82,91 mil milhões kz e do petróleo iluminante, com 5,6 mil milhões kz.

A manter-se este ritmo, chegaremos ao final do ano com 856 mil milhões Kz de subsídios – provavelmente será mais porque o preço do petróleo aumentou no segundo semestre. Ainda que sejam apenas 856 mil milhões kz, é mais do que o orçamento da Saúde deste ano que se queda pelos 856 mil milhões kz. E quase tanto como os 1,2 biliões kz alocados para a educação.

Ou seja, os subsídios aos combustíveis são muito onerosos para as Finanças Públicas.

Além de onerosos os subsídios aos combustíveis são injustos. Beneficiam mais os mais ricos.

Tomemos como indicador de riqueza os carros. Quanto mais potente (e por isso, mas caro) for o carro, maior o subsídio. Como os ricos compram carros mais potentes, recebem mais subsídios.

As contas (não) são simples de fazer. Vá se lá saber porquê (mas só poder ser para baralhar), o Igape só dá números globais e em toneladas métricas em vez de litros. Mas com recurso a conversores é possível chegar lá.

Uma tonelada métrica (TM) de gasolina equivale a 1 289 litros. Já uma TM de gasóleo corresponde a 1 219,5 litros.

No segundo trimestre (última informação disponível) o país consumiu 178,9 mil TM de gasolina e 355,8 mil TM de gasóleo, que correspondem a 248,5 mil litros de e 433,79 mil litros, respectivamente. Como foram gastos em subsídios à gasolina 61,3 mil milhões kz entre Abril e Junho de 2021, neste período, cada litro de gasolina foi subsidiado em média em 246,69 kz. Já os subsídios ao gasóleo custaram 113,2 mil milhões kz o que dá um subsídio de 261,00 kz por litro.

Feitas as contas, no segundo trimestre de 2021, o preço real, sem subsídio, do litro de gasolina devia ter sido, em média, 406,69 kz e o de gasóleo 396,00 kz, contra os 160 kz e 135 kz, respectivamente, pagos na bomba pelos automobilistas.

Ao contrário do Igape que esconde os subsídios por litro, eu defendo que as bombas de combustível deviam exibir lado a lado o preço real e o preço de venda subsidiado, justamente para sensibilizar os automobilistas para a barbaridade dos subsídios.

Voltando às contas sobre o facto de os subsídios beneficiarem mais os mais ricos tomemos como exemplo o meu carro que gasta 13 litros de gasolina aos 100 Km. Como eu faço em média 500 Km por semana, no segundo trimestre de 2021, eu recebi (ou deixei de pagar que vai dar no mesmo) 16 034,85 kz por semana de subsídios, o que dá 64 139,4 kz por mês.

Se eu fosse mais rico e tivesse um carro mais potente o subsídio ainda era maior.

A minha empregada doméstica não ganha o que eu recebo em subsídios à gasolina. O que quer dizer que os subsídios à gasolina pagam a minha empregada doméstica e ainda sobram uns trocos.

Embora eu não seja rico e a eliminação dos subsídios vá causar mossa nas minhas finanças pessoais, seguramente que os subsídios à gasolina que eu recebo do Estado seriam muito mais justos se aplicados na saúde ou na educação públicas que beneficiam mais a minha empregada doméstica.

E a injustiça é tanto maior quanto mais potente e gastador for o carro. Os subsídios recebidos pelos donos das bombas com que me cruzo na via pagam mais do que uma empregada doméstica com o subsídio.

Para além de onerosos e injustos os subsídios são ineficientes. O facto de a gasolina ser barata faz com que usemos mais o carro. Eliminem os subsídios, o que é o mesmo que dizer aumentem os preços, que vamos todos passar a usar os nossos carros com maior moderação.

Por último, mas não menos importante, os subsídios aos combustíveis são inimigos do ambiente. Os combustíveis são produzidos a partir de combustíveis fósseis responsáveis pelas alterações climáticas.

Com tantos passivos não se percebe porque não se eliminam os subsídios aos combustíveis e se aplicam as poupanças em outras despesas como a Educação e Saúde.

Ou até em transferências monetárias directas para os mais pobres. Se é certo que os subsídios beneficiam mais os mais ricos, quando são retirados prejudicam mais os mais pobres. Por exemplo, se o gasóleo aumentar, os custos dos do serviço de táxi sobem e os taxistas aumentam os preços ou encurtam as linhas, causando inflação.

Uma das medidas possíveis para mitigar os efeitos da retirada dos subsídios dos combustíveis sobre os mais vulneráveis que são os que mais usam o serviço de táxi é aumentar o seu rendimento através de transferências monetárias. Isto mesmo está previsto no programa com o FMI e já está a ser feito com um financiamento do Banco Mundial. Refiro-me ao programa Kwenda.

Outra forma de mitigar os efeitos da retirada dos subsídios dos combustíveis é o chamado gasóleo verde ou profissional, que consiste em continuar a subsidiar, embora a um nível inferior, os sectores que mais utilizam combustíveis como a agricultura, as pescas e os transportes. A medida já está em decreto, mas ainda não saiu do papel.

Identificados os problemas e as soluções, embora criticáveis – as transferências monetárias directas por serem consideradas assistencialistas e o gasóleo verde ou profissional porque abre espaço para fraudes –, falta agir. Assim os políticos queiram.

Naturalmente que a retirada dos subsídios aos combustíveis não podeser do dia para a noite. Antes pelo contrário têm de ser graduais e bem explicados para não despertarem o fantasma da inflação nem gerarem instabilidade social.

O tema devia ser obrigatório nos programas eleitorais dos concorrentes às próximas eleições, em especial do MPLA e da UNITA.