ANGOLA GROWING

Criação de Riqueza em Angola

04 Nov. 2020 Opinião

Finalmente, quero começar a acreditar que chegou a hora Bodiva. Estou pronto a ‘bodivar’. E você, caríssimo cidadão desta república sem poupanças?

Para avançarmos nesta conversa com a seriedade que ela merece, vamos partir da definição da palavra ‘bodivar’. Nós, os da banda, temos uma tendência muito séria para criarmos o nosso vocabulário. É isso que estou a tentar fazer aqui de uma maneira convincente e inconfundível. Assim sendo, vamos concordar que ‘bodivar’ quer simplesmente dizer “apostar na nossa bolsa de valores”. Por outras palavras, vamos comprar e vender acções, títulos e demais papéis comercializáveis na Bodiva.

Como tal, creio que preciso também de dizer o pouco que sei sobre a Bodiva: um dos seus administradores é uma das filhas do general João Lourenço, além de que tenho uns títulos que foram comercializados pela instituição. Tirando isso, colocando-me no lugar do cidadão comum, o que é a Bodiva? Em poucas palavras, é o que pretende ser a Bolsa de Valores de Angola.

Na realidade, as bolsas de valores são mercados organizados onde se negoceiam acções e/ou títulos de todo o tipo de sociedades com capital aberto podendo estas serem públicas ou privadas. Outro negócio que também se faz nas bolsas de valores são os mais diversos valores mobiliários incluindo moeda, opções e valores futuros.

As bolsas de valores podem ser privadas e/ou do Estado, sendo deste modo organizadas na forma de uma sociedade civil sem fins lucrativos. Nos dias de hoje, regra geral, estabelecem um sistema de negociação electrónico adequado às suas operações de transacção de compra e venda de produtos. As bolsas tradicionais ainda funcionam num sistema de portas abertas ao público. Qualquer bolsa de valores tem de viver numambiente de elevados padrões de ética de negociação, publicando e divulgando imediatamente a natureza, amplitude e detalhes de todas as transacções por si realizadas. Por outras palavras, precisam de merecer a confiança dos que nelas confiam. Sim, apostar na bolsa de valores é uma questão de confiança nessa bolsa, no sistema, no país.

Aceitando que o pressuposto está colocado à disposição do público, é necessário que exista legislação que defina e coloque as barreiras necessárias para que os princípios reguladores da bolsa sejam observados de forma clara e transparente. Acredito que algum trabalho foi feito durante o mandato de Archer Mangueira. Porém, falta a qualidade de tribunais a altura de julgarem casos de operações da bolsa. Quanto a corretores, esses fabricam-se rapidamente.

Tendo muito sumariamente aberto o diálogo sobre a Bodiva, o que nos falta para começarmos a ‘bodivar’? Temos a bolsa. E o que tem a bolsa para o público? Além de títulos do tesouro, o que há mais? Não existem empresas listadas na bolsa de valores. É aqui que surge uma possibilidade tremenda para o Governo.

Nos últimos meses, o Governo, através da PGR, apoderou-se de vários bens antes detidos por privados alegando a forma duvidosa como esses privados se apoderaram desses mesmos bens. Deste modo, atribuiu a gestão desses bens “aprisionados” a entidades governamentais que seguramente não estão vocacionadas para a gestão e o desenvolvimento desses meios o que mais tarde ou mais cedo poderá levar à sua ruptura e queda. Privatizá-las vendendo-as directamente ao público.

Uma maneira de evitar a destruição dessas unidades produtivas é a oportunidade de vender esses bens aprisionados através da Bodiva no mercado local dando a oportunidade a todos os cidadãos que o queiram fazer, sem que se autorize a qualquer cidadão a aquisição duma percentagem elevada.

Eis aqui um exemplo que poderá servir de modelo a todos os outros.O governo aprisionou a TV Zimbo e entregou a sua gestão ao ministério da tutela. Como é evidente, o ministério não está vocacionado nem à altura de gerir uma empresa de carácter comercial. Ora, a razão alegada pela qual o Estado aprisionou a dita empresa é o facto de a mesma ter sido constituída com fundos públicos. É função do estado saber o montante surripiado às suas contas. Aqui surge o importante da história: o governo quer reaver o que lhe foi roubado, ou, quer ficar com mais um meio de comunicação ao seu dispor:

Partindo do princípio que o objectivo único é a recuperação dos valores do furto, o ministério da tutela deveria colocar o bem à disposição da Bodiva para a sua comercialização e devida recuperação dos montantes furtados. Portanto, o Governo seria dono de 100% das acções da empresa. Uma vez listada começaria a vender essas acções ao público. A gestão da empresa seria realizada por um conselho de administração votado pelos accionistas conforme é norma nas entidades públicas ou privadas listadas em bolsas de valores. Acredito que, em menos de trinta dias, sendo a publicidade adequada levada a efeito o Estado teria recuperado os seus bens deixando a empresa a agentes vocacionados para o seu exercício. Sendo investimento privado, cedo ou tarde, a empresa iria dar lucros aos seus donos e, ao Estado, na recolha dos impostos a ela associados.

É evidente que esse processo não é tão simples e linear como aqui faço parecer. Nós ainda temos muitas barreiras a atravessar e conflitos psicológicos que é preciso ultrapassar. Além da ‘falta de hábito’ de investir, e da aversão ao risco, Gustavo Costa dizia, há dias, que “a arrogância é uma deformação moral; o preconceito uma doença de educação e o desdém uma chaga de quem se presume superior”. É, portanto, indispensável começarmos a trabalhar nos nossos conflitos psicológicos para que ‘bodivar’ se torne numa realidade a todos os níveis de modo a que os angolanos comecem a fazer poupanças e a investi-las em meios de produção. Para que a educação finalmente elimine a doença do preconceito, sobretudo daqueles que se presumem superiores e têm medo de investir no país

Com a bolsa a funcionar em pleno, o que cada um tem torna-se mais transparente. Sendo a bolsa um destino para as nossas poupanças e, augurando retornos significativos, até os marimbondos começarão a trazer de volta as suas poupanças o que certamente iria reforçar a nossa folha de caixa. A AGT, de certeza, poderia beneficiar duma colecta de impostos mais abrangente e a riqueza nacional poder-se-á finalmente tornar transparente.

O nosso povo não entende nada de ‘bodivar’, mas certamente que vai aprender a investir. Só assim, iremos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E quem ganhará é o povo. O futuro promete.

António  Vieira

António Vieira

Ex-director da Cobalt Angola