De copos a aviões: vende-se de tudo na internet
COMÉRCIO. Vendas na internet em grupos de expatriados em Angola aumentaram. Muitas transacções são de trabalhadores estrangeiros que estão a abandonar Angola por causa da crise. Até há produtos à venda de padarias e outras lojas desmanteladas.
O confinamento social, forçado pela pandemia da covid-19, motivou o crescimento substancial de muitos negócios na internet em Angola. As páginas de venda nas redes sociais têm sido as melhores aliadas das pessoas que assim realizam transacções, evitando a exposição das lojas físicas.
Entre esses negócios, destacam-se os promovidos pelos expatriados que, pouco a pouco, abandonam Angola. De quadros superiores a trabalhadores diferenciados, de portugueses a indianos, muitos estrangeiros, que lideravam páginas criadas para interajuda em que normalmente se fazia o ‘desapego’ de alguns objectos de forma esporádica, começaram a vender cada vez mais itens usados e não só.
O Facebook tem sido a rede social mais utilizada por estes estrangeiros e alguns angolanos para venderem os seus produtos. Vende-se de tudo nestes grupos: desde vassouras usadas, copos, e até carros e aeronaves.
As legendas nas publicações de venda vão desde: “Vendendo alguns itens enquanto deixamos Angola”, “Desapegos”, “Vendendo produtos. Vamos deixar Angola”, “preços especiais para quem compra tudo”, entre outros.
Há pessoas que fizeram uma vida em Angola, em quase uma década e aqui criaram filhos. A pandemia obrigou-as a regressar ou acelerou o seu retorno aos países de origem. Outras simplesmente já estavam de saída. No intervalo desta estadia, também criaram negócios, que também foram desmantelados, com os produtos agora colocados à venda.
Nos comentários feitos nestas publicações, há quem goze com a situação evidenciando que, “do jeito que as coisas estão”, serão os próximos a dizer “tchau a Angola”. Uns lamentam e outros nem tanto. “É a vida”, escrevem.
Tudo que se possa vender é comercializado. Os itens mais comuns são roupas de adultos e infantis, objectos pessoais, louça, mobiliário de escritório e de casa, entre outros. Os preços variam de acordo com a “sensibilidade” da pessoa e a urgência em despachar os produtos, já que têm as viagens de regresso marcadas. Uns tentam, mas, quando se passam semanas ou dias sem os vender, os mesmos produtos são colocados a preços mais baixos. E assim sucessivamente até se deixar de ver publicações sobre estes itens.
Uma estrangeira abordada pelo VALOR conta que o marido tinha um contrato que terminaria no fim do ano, mas, devido à pandemia, a família vai regressar mais cedo. Vendeu de tudo: copos, fruteiras, produtos tecnológicos e itens de crianças dos dois filhos. Outra integrante destes grupos, angolana, que convive com muitos expatriados, refere que as publicações de estrangeiros a “desapegarem” de tudo é um indicador de que muitos estão a abandonar Angola, sendo que conhece “muitas pessoas que já se foram embora e outras com planos bem assentes” para deixar o país.
Chovem críticas aos produtos e aos preços
Muitos participantes dos grupos no Facebook, criados para expatriados em Angola ou Luanda, têm feito críticas aos preços dos produtos postos à venda. Ou às intenções de quem os promove. Os copos, vassouras, artigos para bebés têm sido os mais questionados. Há quem se interrogue se, enquanto o vendedor esteve em Angola, não criou laços com pessoas para doar “vassouras sujas”, “copos em péssimo estado” ou mesmo artigos “roçados de bebés”. “Dê à empregada, à babá ou à vizinha. Ofereça. Vender isso já é de mais”, escrevia um integrante do grupo numa publicação de artigos usados de bebés. Uns até sugeriam lares e centros infantis com crianças desfavorecidas. Reagia, explicando uma vendedora foi apenas de que já tinha doado bastante e alguns itens pretendia mesmo vender.
Os preços também têm sido outro assunto a merecer o maior número de comentários. Há quem entenda que, por se tratar de produtos usados, deviam custar menos. Os vendedores justificam os preços com a desvalorização do kwanza, com câmbio flutuante e ainda com a qualidade as marcas dos produtos. Uns vão mais longe lembrando “que só compra quem quer, enquanto estes espaços online vão servindo cada vez mais de mercado informal”.
Porsches e aeronaves à venda na internet
Nos grupos que vendem copos, vassouras e molas para estender a roupa, também aparecem, uma vez ou outra, produtos de luxo. Um Porsche a um Lamborghini. E até um avião.
Um carro modelo Porsche estava a ser vendido a 90 milhões de kwanzas e o vendedor especificava que podia ser comprado imediatamente. Poucos arriscaram em comentar. Apenas reacções de riso. A Aeronave Type –Dornier 328-300. Yearof manuf-200 esteve à venda por dois milhões de dólares. A publicação ‘viralizou’ nas redes sociais e muita gente até arriscou em adivinhar quem seria o dono.
Expatriados fazem recomendações
Vários são os expatriados que, ao deixar Angola, não esquecem os seus funcionários com quem lidaram durante anos, como empregadas domésticas, babás, motoristas e até jardineiros.
Nas publicações, aproveitam para explicar as qualificações dos funcionários para que não “fiquem desamparados e encontrem um novo lar”. Há até casos de estrangeiros que, por causa da pandemia, ficaram retidos e decidiram não regressar, mas, ainda assim, recomendam os seus funcionários por intermédio de amigos da família. “Uns amigos decidiram não mais regressar por causa da pandemia e gostariam de recomendar os seus colaboradores com quem trabalharam muitos anos em Angola. O motorista, a babá, que faz deliciosas papas”, recomendava, num dos grupos, uma integrante, mas também há relatos de fraudes.
Angola contava, até 2018, com mais de 669 mil imigrantes, um número em que estavam incluídos 71,3 mil refugiados. O documento refere que a quase totalidade dos imigrantes é proveniente da África subsariana e a idade média situa-se nos 33,6 anos. As remessas dos imigrantes angolanos para o país foram 1,5 milhões de dólares, em 2018, e 11 milhões de dólares, em 2016. Os dados pertencem ao relatório do Departamento de Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas.
O VE contactou o Serviço de Migração Estrangeiros (SME) para tentar perceber o número de expatriados que deixou Angola nos últimos seis meses, mas ainda não obteve resposta.
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