E agora pergunto eu...

29 Sep. 2020 Geralda Embaló Opinião

Ri-me imenso de um comentário de um internauta a um post online que dizia que a PGR já está na Suíça para recuperar os 900 milhões congelados na conta de S. Vicente. E o comentário dizia: “Se a PGR nem consegue um acordo com o BPC, imagine-se com um banco suíço. Depois vão mandar o Archer Mangueira lá ir resolver o problema com aquele inglês dele bem torto, coperation, inflation and rebuscation the money. Se os 148 milhões de kzs do Big Nelo não estão a conseguir tirar do BFA, imagina da Suíça. Vão vos dar corrida e galhetas”.

O talento que o angolano tem para ‘estiga’, se fosse para a ciência, já teríamos inventado a vacina para a malária para os africanos deixarem de viver de anti-palúdicos e de morrer aos milhões todos os anos. Se o talento para a engenharia talvez o sonho de alguns de transformar Luanda num Dubai já estivesse realizado. Se fosse para a educação, seríamos uma potência do ensino em África e teríamos uma força de trabalho com capacidade de desenvolver o país e a região, em vez de andarmos de fora de todos os rankings universitários internacionais e a ter de pagar expatriados para tudo. A propósito do ensino ainda li outra piada com eco de verdade: “Angola é o país onde a pessoa fica desempregada até esquecer qual foi o curso que fez”.

A capacidade de rir da desgraça é sem dúvida simultaneamente uma praga, que faz com que toleremos demasiada incompetência por demasiado tempo, e uma bênção que ajuda a digerir as dificuldades e os choques.

Na semana que passou, São Vicente foi atirado na prisão para as vozes que protestavam se apaziguarem. Estamos a combater a corrupção. Estão a ver? Não é a cor que salva da cadeia, estão a ver? O combate à corrupção não é parcial nem dirigido, não há intocáveis, estão a ver?

O que é facto é que a postura dos órgãos, tanto de justiça como dos media que o poder manipula, é, a todos os níveis, diferente quando não se trata de pessoas que ‘não interessam’. O que é facto é que, neste caso, claramente só se vê uma acção, mais de um ano depois de a Suíca congelar as contas, porque a pressão popular foi tal que já ameaçava fracturar demasiado a popularidade do combate à corrupção, que é a única bandeira do Governo. Esta não se pode fracturar, porque tudo o resto é um pesadelo. A economia é um pesadelo, as condições e a estabilidade social são um pesadelo, só resta mesmo fazer fanfarra com o combate à corrupção, e se este falha é que se fica mesmo sem nada para mostrar.

Mas e agora pergunto eu... o que é que, de facto, o país ganha com esta prisão? São Vicente tirou biliões de dólares do país. Mas fê-lo através de contratos de prestação de serviços. Estes 900 milhões de dólares só ficaram congelados depois de outras das suas contas de empresa e dos seus familiares serem descongeladas, porque ele não explicou alguns movimentos específicos. Porque as contas tinham mais dinheiro, provavelmente há anos, e certamente há outras contas noutros países que não foram congeladas. A sobre-facturação grosseira que ele pode fazer nos contratos foi tornada legal por alguém acima dele que assinou os contratos. É que estamos a falar de tanto dinheiro que não se rouba como se fossem batatas. Este dinheiro, para ser recebido lá fora, tem de ser explicado e, para lá estar, significa que ele teve argumentos para o explicar.

O mesmo acontece com o outro balde de água fria que caiu em cima do combate à corrupção que foi a reportagem da TVI sobre o ministro de Estado da Casa Civil do Presidente, que já se diz por aí que entregou a carta de demissão. Os milhões que recebeu de empresas públicas, recebeu através de contratos legais e alguns até assinados pelo Presidente que está a combater a corrupção. Por isso, a demissão do homem não será mais do que o PR ceder à pressão popular, não é um caso de “não sabia”.

Estes podem ser contra-ataques das outras partes ofendidas, é claro, mas isso não invalida os milhões feitos à custa de contratos multibilionários com o Estado aquando em funções. Coisa que se não é completamente ilegal, é muito pouco ética. E o mais grave será que governantes que têm contratos com o Estado enquanto em funções são certamente demasiados para contar. Daí que não vamos sair tão depressa desta lógica do “eu caio em desgraça, mas levo dois ou três comigo”, um círculo vicioso em que muito poucos se vão salvar. O Valor Económico da semana que passou, num texto sobre a Sonils que fala de outros contratos multimilionários, prova isso mesmo.

Numa fase em que o PR diz que o dinheiro acabou na luta contra a covid-19, útil, útil seria recuperar os dinheiros nessas contas no exterior, não só nas contas de S. Vicente, mas nas de outros.

E isso, estes litígios só dificultam, porque, se ouve um crime de lavagem de dinheiro cometido lá fora, essa é a desculpa que as instituições estrangeiras precisam para ficarem lá com o dinheiro retido mais tempo. Que obviamente é o que lhes interessa, e este é um interesse muito difícil de contrariar.

Os donos das contas irem aos bancos e transferirem esse dinheiro para Angola seria, de longe, mais útil e mais inteligente do que esta abordagem à rinoceronte que vê um incêndio ali e vai a correr espezinhar, vê outro ali e lá vai ele pesado e bruto espezinhar.... Recuperar esse dinheiro é mais importante do que prisões e show-off, querido leitor. Esse dinheiro faz falta à saúde, à educação. Faz falta para que os nossos licenciados não se esqueçam dos cursos que fizeram de tanto tempo que ficam no desemprego. A festa das prisões traz ‘banga’, não traz dinheiro que é o que faz falta, e o preço da comida está muito alto. Precisamos de instituições fortes mais do que de homens de força. Precisamos de mais cabeça do que de músculos.

Geralda Embaló

Geralda Embaló

Directora-geral adjunta do Valor Económico