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Especuladores: O que é preciso é ir de “Carrinho”

08 Jun. 2022 Opinião

Há uns tempos atrás, numa das minhas viagens por lados diferentes do mundo, dei comigo a tentar entender o enriquecimento dos multimilionários. Não que eu esteja preocupado em ser um deles, porque não estou, mas porque aqui, na nossa n´guimbye, vai havendo alguns.  Alguns a quem o ‘Mia Couto’ chamou um dia de endinheirados, pois, segundo ele, são exactamente isso.

Especuladores: O que é preciso é ir de “Carrinho”

Aparentemente, “possuem” bwé de kumbu, na maioria dos casos subtraídos nem eu mesmo sei de onde. Se calhar, até sei, mas como não estava lá não o posso dar como verídico.

Como ia dizendo, passei em revista alguns dos nomes mais sonantes dessa lista de quase todos americanos e alguns europeus e asiáticos, representantes raros dessas colónias espalhadas pelo mundo com autorização e bênção para o serem. Mas é mesmo lá na América onde fui descobrir que nem tudo era dinheiro ganho a ‘Bill Gates’, ‘Ellon Musk’, ou ‘Steve Jobs’.

Na lista de milionários americanos, fui descobrir um grande número de multimilionários endinheirados por uma de várias formas de especulação. Nomes como ‘George Soros’, ‘James Simmons’, ‘Stanley Drukenmiller’, ‘Warren Buffet’, ‘Steve Cohen’, ‘Bill Lipschutz’ e ‘Bruce Kovner’ entre outros são donos de fortunas alarmantes na sua maioria feitas a base de especulação (há quem diga que ‘Warren Buffett’ é um especulador diferente). Muito em particular, fortunas feitas a base de especulação financeira. De especulação da moeda de países com as finanças fragilizadas, fragilidades essas muitas vezes criadas/instaladas/desenvolvidas pelos próprios especuladores.

Ora, o que é a especulação cambial da moeda de um país? Especulação cambial é o acto de comprar e manter moeda estrangeira na esperança de a vender (de preferência em pouco tempo) a uma taxa valorizada ou superior no futuro. Essa atitude contrasta com aqueles que compram moeda estrangeira para financiar uma importação de mercadorias ou serviços. Essa operação contrasta (porém complementa) a especulação cambial, que envolve a troca de moeda. Ambas destinam-se a facilitar transacções internacionais, mas nada impede um ‘cambista’ de agir como especulador ou um especulador de agir como simples ‘cambista’. Um comerciante comprará moeda estrangeira à banca e originará uma taxa ou imposto pela transacção, mas não há nada que o impeça de manter essa moeda com a esperança de vendê-la por um valor lucrativo no futuro. É assim que se ‘fabricam’ os especuladores, sendo hoje norma dos grandes operadores ampliarem esses lucros para margens inflacionadas/exageradas. E assim se fazem bilionários.

Entre 1999 e 2003, ‘George Soros’ e ‘Steve Cohen’ apostaram forte na moeda argentina e levaram o exercício de especulação monetária do país a patamares nunca antes alcançados de tal forma e maneira que acabaram deitando a economia do país abaixo. E, só agora, passados 20 anos, a Argentina parece estar a levantar-se.

Antes desta jogada, em 1992, um outro exemplo lendário de George Soros foi a obtenção especulativa de lucros às custas do Banco da Inglaterra de mais de U$1,2 biliões. George Soros e todos os fundos e bancos que participaram deste ataque em grande escala puderam então reembolsar os empréstimos que haviam feito em libras esterlinas, mas com uma libra desvalorizada em relação ao dólar americano. Ao vender a descoberto, ou seja, apostando na queda da libra, o ganho de capital de George Soros nesta operação foi estimado em 1,2 bilhões de dólares.

Ora, o que é que os especuladores precisam para actuarem? Uma economia fragilizada. E, economia fragilizada é exactamente o que nós temos. Durante uma passagem muito breve pela diminuta City University de Londres aprendi quase tudo o que sei sobre especuladores financeiros. Aliás, foi-me na altura confidenciado que a universidade apresenta a jogada de ‘George Soros’ como um exercício quase obrigatório a todos os seus estudantes de mestrado.

É do conhecimento público que ‘José de Lima Massano’ fez o seu mestrado na ‘City’ e consequentemente tem a obrigação de estar familiarizado com o golpe de ‘George Soros’. Sabendo que o preço do petróleo é cíclico e que, nos últimos 30 anos, dispara de dois para dez a cada cinco anos, não seria de pensar no risco de especuladores atacarem a moeda nacional? Obviamente que os nossos dirigentes financeiros dir-me-iam imediatamente que isso não é viável porque Angola não é a Argentina, nem o Reino Unido. Só que o que aconteceu àquelas duas economias muito maiores também aconteceu com a Grécia, Turquia, Tailândia, Indonésia, Malásia, etc. E, não sendo um mercado apetecível para os internacionais, porque não aparecer um ‘George Soros’ interno. Nós sabemos que não temos capitalistas. Porém, também sabemos que existem forças ocultas, entre elas o próprio MPLA, com capacidade de dispor de capital para tal aventura. Tudo controladinho, tudo limpinho. Será que o partido no poder teria à sua disposição alguns bilhões para especular com o nosso kwanza? Poderá o partido ter-se tornado especulador tal qual uma mãe que come o seu próprio recém-nascido? “Yó, non creo en brujas, pero que las hay, hay”, terá um homem honesto dito um dia.

Em 2017, José Eduardo dos Santos afirmou publicamente ter deixado nos cofres do Estado cerca de 13 biliões de dólares. Valter Filipe seria a testemunha viva de José Eduardo sobre a existência destes fundos. Que me recorde, o antigo governador nunca se pronunciou sobre essa matéria. Clinicamente, foi afastado de tudo e o José Massano, que havia deixado de servir para a posição de governador, voltou à liça. O nosso homem da City. Do BAI. Do BPC. Do BNA entre 2010 e 2015. Do Manuel Vicente. E nunca mais se falou dos 13 biliões deixados por JES. O que poderá ter acontecido? Afinal de contas, nunca deixou de ser necessário criar e desenvolver uma classe média.

Certamente a alguém foi confiado grande parte dessa fortuna para que circulasse de uma forma sombria e interna. Esse dinheiro foi emprestado a determinados beneficiários e foi rigidamente investido em títulos do tesouro indexados ao dólar. Granjeando simpatia exterior na altura, fizeram-se empréstimos no exterior para gerir o Governo. A partir desse momento, iniciou-se a desvalorização do kwanza. Um dólar americano comprava nessa altura cerca de 150 kwanzas. Ao retirarem-se as divisas do mercado, a nossa moeda caiu tendo atingido o desastroso valor de 850 kwanzas por dólar em 2021. Mais ou menos a meio do ano passado, os especuladores por trás dessa grande manobra ordenaram aos seus fiéis beneficiários a venda discreta desses títulos. O próprio Governo começou a comprar a divida interna. Com a realização compraram-se biliões de kwanzas e automaticamente o BNA começa a ter dólares disponíveis. E, em paralelo, “assassinaram-se” bilhões de kwanzas que estavam em contentores com a eliminação do papel ora existente e a introdução de novo papel. Em Março e Abril, há pouco mais de 2-3 meses, aparecem também especuladores internacionais a comprarem entre 10 e 30 milhões de kwanzas, pensando ainda virem a tempo de meterem o dedo no mel. Atrevidos, não sabem que a exportação de divisas pode estar sujeita a regras específicas. Talvez tenham informação proveniente do FMI, o que lhes dá a confiança suficiente. Começa a ser possível a compra de divisas e, sem qualquer razão visível como o aumento de exportação, o kwanza começa a apreciar. Quem a meio do ano passado vendeu 1 dólar por 850 Kwanzas, pode agora facilmente comprar quase 2 dólares por esse montante. Quem há um ano atrás vendeu um milhão de dólares por 850 milhões de kwanzas, compra hoje com esse dinheiro cerca de dois milhões de dólares, num lucro de mais de 85%, após se descontarem as despesas das transacções. Se metade do legado de JES foi alvo de especulação, talvez tenhamos neste momento alguns multimilionários que não tenham assaltado os cofres do Estado, tendo, porém, usurpado uma vez mais o sangue dos angolanos. Tal qual o capitalismo espera que se faça. Como tudo isso foi sujeito à discrição e disciplina dos bons amigos, espero que de carrinho paguem os ditos empréstimos e não façam o que antes fizeram ao financiamento do BPC, BCI, BESA e demais operadores financeiros. Afinal de contas, só assim, poderemos melhorar o que está bem e, continuar a corrigir o que está mal. É altura do povo começar a deixar de ser o bombô da festa. O futuro promete.

 

 

António  Vieira

António Vieira

Ex-director da Cobalt Angola