Incompetência e o transferir de competências

26 May. 2021 Opinião

O Estado é aquela pessoa de bem que, por ser de bem, tem o orgulho e a obrigação de fazer tudo de bem para os seus contribuintes. E, não pode ser diferente para não os defraudar. É para isso que as populações são contribuintes e pagam com o fruto do seu suor a sua quota-parte para que sem apelo nem agravo beneficiem das comodidades e mordomias globais. Por outras palavras, os contribuintes dão ao Estado os fundos e as competências necessários para que se possa viver melhor. De acordo com o seu estatuto e posição social, os contribuintes pagam o que é seu dever, contribuem solenemente conforme lhes é requerido.

Numa tentativa evidente de satisfazer as premissas anteriores e, antevendo a modificação da estrutura partidária para que se fizesse uma renovação dos quadros nomeados para cargos públicos, o general João Lourenço apontou as suas armas para sectores diferenciados do partido. Apostou no rejuvenescimento de quadros e promoveu uma serie de “antigos pioneiros” para cargos seniores. É evidente que esta evolução é não só necessária sob o ponto de vista de melhorar a qualidade e o nível educacional dos quadros repetentes, como também indispensável para manter a juventude interessada e alinhada a pensar no futuro.

Deste modo, tivemos a oportunidade de observar a qualidade e competência do futuro do partido e do país. Foi assim que tivemos a oportunidade de conviver muito brevemente com o antigo governador de Luanda. Num espaço de tempo curto, foi-nos dado compreender que, afinal de contas, Luanda é não só governável, como também pode ser bem governada. As melhorias eram evidentes e sentia-se um dinamismo que não era até então comum. E tal não foi o desempenho que começámos a pensar que poderíamos um dia ter na pessoa do jovem governador o líder que o partido precisa para os anos trinta.

Para além desta aposta no rejuvenescimento, o general João Lourenço apostou também no feminino de tal maneira que hoje, rodeado de saias, ficamos com a impressão de que o partido ter-se-ia tornado mais confortável e carinhoso. Muito razoavelmente, devido a nossa educação machista, ficamos a espera de ver a vida a correr melhor. Afinal de contas, é exactamente a isso que as mamãs silenciosamente nos habituaram. Um carinho, um miminho, a dedicação feminina iria certamente fazer a diferença. As coisas estavam tão mal que escusado será dizer que seria para melhor.

Em alguns casos pontuais juntou-se feminino com juventude e ficamos com a sensação que em breve poderíamos ter uma passagem de modelos palaciana, tal não eram as beldades que apareciam em ascensão. Novas caras, novo discurso, novo saber. Começamos todos a ver militantemente os noticiários na esperança de ver novos sorrisos, modas, e toques governativos.

Porém, neste arrumar de pedras no tabuleiro trouxe ao de cima a escassez de elementos jovens e femininos com a competência que os cargos requerem. Ou pelo menos assim ajuizou o xadrezista. Verificou que no seu tabuleiro não podia transformar peões em bispos, torres, ou cavalos. Como tal foi necessário recorrer a prata da casa, ao exército dos que já há muito se deviam ter reformado, mesmo sem ter experiência adequada.

Com a prata da casa voltaram a surgir os males do antigamente, com uma destreza que até parece vingança de Anhangá ou Obaluaiê. E na nossa tradicional dança de cadeiras demos de caras com a substituição de alguns quadros jovens e promissores por ‘cadres’ velhos, gastos, e gastos de tal forma que nada de novo poderiam trazer para as funções que lhes foram atribuídas. E eis que surgem desastres de tal maneira inaceitáveis que são comprometedores não só para o executivo, mas para o próprio país.

Uma das funções atribuídas ao estado é a higiene pública. E é exactamente em termos de higiene pública que estamos mesmo muito mal e, pelos vistos, ainda não vimos o fim do filme. Tudo se tem experimentado. Mas não se vêem resultados a longo prazo. Colocou-se vergonhosamente a polícia e o exército a fazerem o trabalho de recolha, ignorando o facto de que esses órgãos não só não estão treinados para o fazer, como se ignorou o efeito psicológico de serem colocados a fazer trabalho fora da sua área de competência. E, nem sequer foi-lhes atribuído um bónus pelo trabalho fora de horas e sem o equipamento de saúde e protecção física necessário. Fez-se um “concurso publico” que resultou numa vergonha em 4-D tendo sido anulado (??) graças as más praticas e demais falta de transparência. Posteriormente, solicitou-se aos empresários de construcção e camionagem ajuda para a dita limpeza. Tudo de improviso, quais gritos de desespero como o uivar de lobos cercados de fogo. “Tudo à toa”, como diz um famoso radialista da nossa praça.

Finalmente a última gota neste oceano de falta de resposta sapiente surge agora uma nota do governo provincial a determinar que as empresas, incluindo os comerciantes, passam a ser responsáveis pela recolha do lixo. Ai u eh, n’gana zambie! Isso é mesmo sério?

Eu nem sequer quero acreditar nesta possibilidade. Sobrecarregar os empresários com esta dispendiosa tarefa para a qual nós pagamos através dos nossos impostos ao estado tem um sabor a mais um imposto. Será que o governo provincial tem capacidade para “decretar” um imposto sobre o comércio e indústria? Posso não ter compreendido de forma adequada, mas percebi que as empresas terão a responsabilidade de limpar a volta das suas instalações. E onde não houver empresas que façam a dita limpeza? Lá, onde vive a grande massa populacional, será que existem empresas para o fazer? Ou será uma vez mais deixar o povo à sua sorte, tal qual na saúde e na educação? É altura de acabar com a incompetência e eliminar a transferência de incompetências.

A recolha de lixo tem de ser um serviço público para que seja eficiente não só em termos de limpeza das nossas cidades, mas também em termos de despesa pública. Há que eliminar os ‘gordos’ lucros que são recolhidos por empresas de recolha associadas a indivíduos que ajudarão a financiar planos ocultos, quiçás campanhas eleitorais. O governo provincial tem de estabelecer o “standard” de recolha e tratamento de lixo, e, duma vez por todas assumir a responsabilidade desta tarefa que só a ele compete. O governo provincial precisa duma equipa de gestão de saúde públicacentrada e dedicada a esta disciplina. O Governo provincial não precisa dum grupo de políticos com afazeres e experiências diferentes, com outras preocupações sobre as quais precisam de dar o seu melhor. A esses gestores profissionais dar-se-ãotodas as condições e os acessórios necessários para uma gestão digna e exemplar do nosso lixo. Embora isto pareça ser complicado, é certamente muito mais económico, sobretudo se analisarmos os benefícios para a saúde pública que se ganham com as nossas cidades limpas. Quem perde com isso? As sanguessugas do costume que verão os lucros fáceis escaparem-se-lhes por entre os dedos.

O povo angolano tem o direito de esperar que s sua contribuição fiscal seja utilizada de forma adequada para que as suas cidades sejam minimamente decentes em termos de higiene. E, que a marimbondagem das mixas seja eliminada duma vez por todas daqueles que as usurpam no desempenho das suas funções.

Só assim, poderemos melhorar o que está bem e, continuar a corrigir o que está mal. E quem ganhará é o povo. O futuro promete.

António  Vieira

António Vieira

Ex-director da Cobalt Angola