Não, Sr. Presidente, não só os desempregados que passam fome
Há muita gente empregada que não ganha o suficiente para matar a fome, isto é, para adquirir a quantidadede alimentos necessária para fornecer energia para manter uma vida normal, activa e saudável.
O Presidente do MPLA, João Lourenço (JLo), colocou o poder de compra dos angolanos no topo da actualidade ao justificar a fome em Angola com pouco poder de compra.
“Fala-se de fome. Os nossos adversários hoje acordam, de manhã à noite, a cantar uma música: fome, fome, fome...”, criticou JLo, discursando no acto de massas que assinalou o VIII congresso ordinário do seu Partido
Mas “a fome é sempre relativa”, garantiu o líder do partido que governa Angola desde a Independência. “O país já tem muita produção de bens alimentares. Talvez por conveniência própria, por conveniência política, lhes convenha repetir incessantemente a palavra fome”, relativizou.
Segundo o diagnóstico do presidente do MPLA, “o problema de Angola, se quisermos ser mais precisos, é o pouco poder de compra dos nossos cidadãos”. “O pouco poder de compra pelos altos índices de desemprego, fruto de um conjunto de factores, mas sobretudo fruto da covid-19, que fez com que muitas das indústrias e empresas reduzissem pessoal; e alguns, em casos mais extremos, encerrassem as suas portas”, explicou.
“Portanto, esses cidadãos que, lamentavelmente, se encontram nessa situação de desempregados ou de semi-empregados, evidentemente, não têm poder de compra de garantir a cesta alimentar para as suas famílias. Mas, de resto, a produção agrícola, pecuária e piscatória no nosso país tem subido todos os dias para os olhos de quem quer ver e é minimamente honesto”, concluiu JLo.
As declarações do presidente do MPLA causaram polémica se não mesmo revolta na opinião pública que não gostou de ver o também Presidente da República (PR), que acumula as funções de Chefe de Estado e do Governo, a relativizar a fome, um flagelo que não parou de aumentar durante o seu consulado, afectando no triénio 2018-2020 5,5 milhões de angolanos.
A fome em Angola, como em outros países, anda ao sabor de três factores: conflitos armados, excessos climáticos e crescimento económico.
Com o fim da guerra e uma economia impulsionada pelo petróleo caro e pelo aumento da produção não admira que a fome em Angola tenha experimentado um decréscimo significativo na primeira década do milénio. De acordo com dados da FAO, acrónimo inglês da Agência das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, o número de angolanos em situação de fome reduziu-se de 11,1 milhões (o equivalente a 63,2% da população) em média no triénio centrado em 2002 para 4,2 milhões (17,2%) no triénio centrado em 2011.
Depois de 2012, a fome continuou a diminuir, mas a um menor ritmo até atingir um mínimo de 3,8 milhões ou 14,2% da população no triénio centrado em 2014. Na origem deste abrandamento esteve o menor crescimento económico, penalizado pelo choque petrolífero de 2008/2009 e o início da queda da produção do petróleo.
A partir de 2014, a queda da produção de petróleo foi agravada pela descida do respectivo preço e a economia ressentiu-se, entrando em recessão a partir de 2016. Com isso, a fome voltou a aumentar atingido um pico de 5,5 milhões de indivíduos ou 17,3% da população no triénio centrado em 2019.
No triénio centrado em 2017, quando JLo chegou ao poder, a fome em Angola atingia “apenas” 4,6 milhões ou 15,4% da população. Ou seja, números redondos, nos três primeiros anos do consulado do actual PR a fome aumentou em quase 1 milhão de pessoas ou 2,9 pontos percentuais da população.
JLo atribuiu o aumento da fome aos altos índices de desemprego “sobretudo” provocados pela COVID, mas a verdade é que a fome já estava a aumentar antes da pandemia. O vírus veio “apenas” agravar o flagelo.
Se também é verdade que o desemprego corta os rendimentos de quem cai nessa situação retirando-lhes poder de compra para se alimentarem convenientemente, o mais grave no caso de Angola é que não são só os desempregados que passam fome. Há muita gente empregada que não ganha o suficiente para matar a fome, isto é para adquirir a quantidade de alimentos necessária para fornecer a energia para manter uma vida normal, activa e saudável.
A culpa é da quebra de poder de compra dos salários. Tomemos o caso do salário mínimo da Agricultura. Quando o PR chegou ao poder em 2017 o salário mínimo mais baixo dos três existentes em Angola era de Kz16 503,3 e agora está nos Kz21 454,1, após um aumento de 30% decretado em 2019.
Mas enquanto o salário mínimo aumentava apenas 30% os preços dos bens e serviços que compõem o cabaz de compra médio dos angolanos dispararam 79,9%. Feitas as contas, no consulado de JLo, o salário mínimo perdeu 42,4% de poder de compra. Dito de outra forma, quem ganha o salário mínimo da Agricultura hoje só consegue comprar 57,6% dos bens e serviços que comprava quando o PR chegou ao poder. Se em 2017 já não se alimentava muito bem, agora passa forma com certeza. Ou vive de esmolas já que os programas de emergência alimentar do Governo não existem ou pelo menos não se fazem sentir.
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