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Novas eleições, velha política económica?

13 Jan. 2022 Opinião

Em plena campanha eleitoral – que já está em curso desde há algum tempo, mormente pelo partido da situação, visível pela colagem de cartazes, pelo hastear de bandeiras em tudo quanto é canto, pelas inaugurações, pelos comícios e através de outras manifestações – avizinha-se o momento (sabe-se que será em Agosto, mas desconhecem-se o dia e a hora) em que os cidadãos e cidadãs vão, de novo, exprimir as suas opções políticas, ocorre perguntar em que medida essa consulta poderá/deverá influir no curso da política económica que vem sendo praticada, sem alterações de fundo, desde 2002 e cujos contornos globais são conhecidos. E cujos resultados sociais são igualmente sabidos e de onde aflora uma divergência profunda entre a função de preferência colectiva, representada pelas famílias e a função de preferência estatal, representada pelo partido político governante.

Novas eleições, velha política económica?
D.R

As avaliações oficiais relacionadas com o Programa do Governo apoiado pelo Fundo Monetário Internacional (a inversa também é verdadeira, ou seja, Programa do Fundo Monetário Internacional apoiado pelo Governo) são positivíssimas, como se a economia e a sociedade se esgotassem nos ajustamentos macroeconómicos. Sem dúvida necessários, mas nunca em sobreposição das necessidades básicas da população, dos seus interesses mais prementes, da solidariedade (João Lourenço, na sua tomada de posse em Novembro de 2017, prometeu uma sociedade onde a prática da liberdade, da igualdade e da fraternidade fosse o novo paradigma de um regime e de uma sociedade diferentes da anterior) e do crescimento económico.

Num vídeo, que se tornou viral nas redes sociais, a Professora Maria da Conceição Tavares, economista e académica da Pontifícia Universidade de S. Paulo (Brasil) afirma contundentemente: “uma economia que não se preocupa com a justiça social é uma economia que condena os povos a uma brutal concentração de renda e de riqueza, ao desemprego, à miséria e à fome” (sem comentários adicionais sobre este fenómeno em Angola, que parece não existir para a minoria governante). E acrescenta: “Uma economia que diz que precisa, primeiro, estabilizar, para depois crescer e distribuir é uma falácia, porque nem estabiliza, cresce aos solavancos e não distribui; a habilidade está em alcançar, ao mesmo tempo, os propósitos de estabilizar, crescer e distribuir”. E alguns dos mais brilhantes Prémios Nobel de Economia já explicaram como isso é possível.

Este é um tema estruturante da campanha eleitoral: como estabilizar provocando o crescimento económico com distribuição de renda, ou a estabilização estará no fim da cadeia de entrelaçamentos: crescer, distribuir e estabilizar? Como os dois principais partidos vão lidar com estes encadeamentos estratégicos da política económica e do modelo de crescimento?

Por força das circunstâncias ou por intenção deliberada, a única política económica coerentemente praticada em Angola nos anos mais recentes foi uma política de curto prazo (daí o estabilizar a todo o custo, de preferência com sacrifícios), dando-se primazia absoluta à superação do défice externo, do défice fiscal interno e utilizando como instrumentos privilegiados o arsenal de meios de que, tradicionalmente, dispõe a política monetária: taxas de câmbio, taxas de juro, taxas de desconto e redesconto, taxas de juro e plafonds de crédito.

Os instrumentos de natureza orçamental encontraram-se relativamente bloqueados, enquanto meios de política económica com habilidades para pontapear a economia para outros patamares de crescimento e de criação de emprego. Sem a influência criativa do petróleo (“se os mercados petrolíferos entrarem em declínio, é toda a economia nacional que entra em stress”, citação de memória de uma afirmação da ministra das Finanças), atestando o carácter vincadamente de curto prazo de toda a abordagem estratégica do desenvolvimento económico no país. Consequentemente, o social fica afectado.

O social não se esgota nas verbas orçamentais para a educação, saúde e protecção social. O social é gerador de valor agregado para a economia e não apenas o produtivo (o que se sabe sobre isto em Angola? Para os interessados em aprofundamentos ver Jean Tirol, A Economia do Bem Público e Mariana Mazzucato, O Valor de Tudo – Fazer e Tirar na Economia Global). Mas esta visão não existe nos documentos de políticas públicas oficiais, considerando-se apenas como um sorvedor de recursos financeiros do Estado (e o que importa é aumentá-los sempre, sem se cuidar do custo-benefício). É devido a estas visões “do tipo estabilizar primeiro e crescer depois” que o país está num longo ciclo de “recessoflação” (classificação inexistente nos Manuais de Ciência Económica, mas que esclarece bem situações de convivência entre a recessão/estagnação e a inflação). O que pensam os partidos políticos a estes propósitos?

Afinal a política monetária não tem sido competente nem para travar a subida dos preços e estabilizá-los em patamares conciliáveis com as condições de vida da população e os processos decisórios da economia empresarial e muito menos para promover o crescimento da produção pela via do investimento privado.

No “the day after” do governo saído das eleições legislativas deste ano é crível que os responsáveis pela política económica se defrontem com as interrogações seguintes: como relançar o crescimento económico sem produzir défices excessivos na balança de pagamentos? Como negociar com o Fundo Monetário Internacional sem reduzir ainda mais o nível médio de vida da população? Como negociar com a sociedade civil a distribuição igualitária dos sacrifícios do crescimento económico? Como negociar com os credores estrangeiros os reescalonamentos da dívida pública externa em situação de estagnação da economia (crescimentos do PIB de 2,4% ao ano são claramente insuficientes para a sua sustentabilidade).

Esta e outras questões não são susceptíveis de respostas apenas técnicas, mas sim de resposta políticas. E as respostas políticas dependerão da personalidade dos políticos que governarem, mas principalmente da natureza dos governos que os políticos integrarem.

E os desafios para a próxima legislatura requerem respostas adequadas, rápidas e prontas, longe da célebre frase de António Machado (1874-1939): “caminante, no haycamino Se hacecamino al andar”, ou abreviadamente, o “caminho faz-se caminhando”.

Alves da Rocha

Alves da Rocha

Economista e director do CEIC/UCAN