Okavango: A Nossa Virgindade
Evidentemente que é de lamentar, porém, acreditem ou não, estamos neste momento a testemunhar o fim da Idade do Petróleo. É isso mesmo, sem tirar nem pôr, estamos no fim desta Era que dura há um pouco mais de cem anos. É a repetição da nossa evolução no seu melhor.
Há pouco mais de doze mil anos acabou a Idade do Gelo após diversas glaciações alpinas conforme podemos concluir pelo estudo e observações geológicas consequentes da redução de temperaturas médias durante um longo período sobretudo nos Alpes. Considera-se que ela começou há 100 mil anos e terminou há 12 mil.
Há pouco mais de quatro mil anos acabou a Idade da Pedra cuja característica principal foi a utilização da pedra como matéria-prima utilitária tendo sido usada para o fabrico dos mais diversos instrumentos de utilização quotidiana incluindo ferramentas básicas e armas de corte e/ou precursão. Foi ainda neste período que o homo sapiens evoluiu de caçador/colector para a sua condição actual de produtor.
Há pouco mais de três mil anos acabou a Idade do Bronze tendo sido este o período em que ocorreu e se desenvolveu esta mistura de cobre e estanho. Foi durante este período que se desenvolveu o uso intenso de metais e as primeiras redes de desenvolvimento de comércio uma vez que a produção de artefactos de bronze exigia longas rotas comerciais em busca de estanho.
Há pouco mais de dois mil e trezentos anos acabou a Idade do Ferro essencialmente caracterizada pela utilização do ferro como metal de fundição e em substituição do bronze. A Idade do Ferro é o último dos quatro principais períodos utilizados para classificar as sociedades anteriores.
É evidente que o fim destas Eras não implicou o fim absoluto da sua razão: continua a haver gelo, continua a usar-se a pedra e o bronze, tal qual o ferro. Por outras palavras, perderam o significado e a relevância evolutiva que tiveram durante os períodos em que eram o motor de desenvolvimento humano.
E foram precisos mais de mil anos para se entrar na Idade do Petróleo. Diferente das anteriores, a Idade do Petróleo veio modificar o ‘modus vivendi’ da humanidade e permitiu os avanços tecnológicos de uma maneira tão acelerada que nos permitem o mundo como o temos hoje. E, por ter sido uma Era de elevado sucesso e a alta velocidade, tornou-se, por si própria, um período muito mais curto do que as Eras anteriores. Valiosíssima, porém está a chegar ao fim.
A Idade do Petróleo foi fundamental para a producção de energias. Porém, a sua escassez relativa e o preço elevado fizeram com que se desenvolvessem rapidamente energias alternativas, o que acelerou o seu fim. O monstro matou-se a si próprio. O IPCC definiu o fim do uso do petróleo como principal productor de energia antes de 2100. Pelo andar da carruagem, e, por causa dos danos ambientais, os governantes da actualidade estão a posicionar-se para verem este fim em 2050. A realidade em 2021 sugere que em 2030 mais de 60% da energia não será do petróleo. E, com esse decréscimo da necessidade e subsequente procura, o preço também caíra. Caindo o preço, sòmente os produtores baratos sobreviverão.
E como nada pode ser mais ridículo, vemos hoje uma campanha vinda do nosso governo propondo-se a exploração de petróleo nas nossas bacias internas. Especificamente, estão a falar da abertura de concursos públicos para a exploração de petróleo na Bacia do Okavango. Até parece uma brincadeira de muito mau gosto. O negócio está a chegar ao fim e, nós queremos iniciá-lo!
Há relativamente muito pouco tempo, fez-se um concurso público para cerca de vinte blocos offshore e, acredito que só houve interesse limitadíssimo por três desses blocos. Interesse pálido, morno, envergonhado. E até agora pouco ou nada se fez em termos de investimento. Estamos há cerca de dez anos a falar do relançamento da exploração nas bacias do Congo e do Cuanza onshore e, até ao presente, ainda não fomos capazes de dar um passo em frente. Os parceiros internacionais não têm mostrado o interesse que se esperava até porque estão eles próprios a repensar a sua actividade. Estão a posicionar-se para as energias alternativas. A produção do petróleo em Angola é muito cara. Assim sendo, o interesse pela exploração em áreas novas está muito perto do seu término. Será que as nossas entidades não conseguem entender o que se está a passar? Ou será simplesmente um exercício de sísmica por meios aéreos (aero-magnetismo/aero-gravimetria/aero-gravidade) e recolha de amostras do solo a ser financiado pelo governo de modos a que alguém beneficie de comissões especulativas? Será mais um caso de “que s’a lixe o resultado… o que importa é a comissão?” Historicamente, temos muitos exemplos destes na nossa bandeja de pára-quedistas no governo.
A Bacia do Okavango não tem tempo para se transformar numa província petrolífera. Em contrapartida, essa mesma bacia é uma donzela, pura e virgem na qual se pode desenvolver a capital do turismo nacional. É o paraíso esquecido. Um turismo que para além de ser único e exclusivo irá durar até a eternidade. Para quê entrar numa corrida que já está no fim?
Aos nossos deputados, por muita gente acusados de passividade e incoerência posicional e funcional é altura de agarrarem o toiro pelos cornos e finalmente travarem esse desastre. A esses vendilhões da pátria peço que deixem de tentar vender a “virgindade das nossas terras” tal qual permitam que se venda a das nossas irmãs ao mercenarismo da carne viva. Tal qual os poderes de ontém, na sua virgindade elementar, venderam e vendem os nossos jovens para a escravidão dos evangelizadores.
E para além de tudo isso, há uma população local que para além de nunca ter sido ouvida, terá que engolir com os “estilhaços, resíduos e demais danos colaterais” provocados pelas operações petrolíferas. E não me atirem aos olhos a falsidade da criação de emprego, porque a indústria precisa de especialistas que por lá não existem. Mais respeito, por favor. Nós, os ratos da cidade, temos a obrigação de saber tudo sobre a cidade. Sobre as chanas do leste, os locais e a natureza sabem muito mais que nós.
“Exijo” que se abandone este propósito mais maléfico que o capeta. Sim, que se comece a diversificar a economia e, se projecte a indústria do turismo rural mesmo que seja duma forma primitiva. Já. Na bacia do Okavango. Só assim, iremos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E quem ganhará é o povo. O futuro promete.
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