ANGOLA GROWING
JOÃO SEARA, CEO DA REDE CANDANDO

“Os problemas que a accionista teve com as autoridades portuguesas causaram um dano grande ao Candando”

Com uma travessia quase pelo deserto depois do arresto em que o Candando perdeu quase metade dos clientes, João Seara acredita numa nova era. As lojas já não estão vazias e o hipermercado quase voltou a ter a mesma força que tinha antes do arresto. A Reviravolta “foi possível” graças a um processo de reestruturação e pelo suporte financeiro da accionista Isabel dos Santos. Em entrevista ao VE, João Seara, já de malas feitas para deixar a gestão do Candando, aplaude algumas medidas do Governo que visam estimular a produção nacional, mas lembra que ela tem de ser competitiva sob pena de se criar monopólios.

“Os problemas que a accionista teve com as autoridades portuguesas causaram um dano grande ao Candando”
D.R

Como está o Candando hoje?

Passámos um contexto, nos últimos dois anos, bastante complexo. Difícil por questões económicas, relacionadas com a crise pandémica e com os constrangimentos que sofremos por via dos processos sobre a nossa accionista. Estes constrangimentos levaram a uma série de dificuldades que puseram, até mesmo em causa, a continuidade do Candando. Houve momentos em que praticamente não tínhamos produtos nas prateleiras e foi preciso nos redefinirmos e nos reinventarmos. Passámos por um processo de adaptação em duas fases. Uma em que fizemos a optimização de custos. Intervimos nos encargos com pessoal, com funcionamento e marketing e até mesmo em optimizações internas com vista àredução das quebras. Fizemos poupanças que poderão significar cerca de cinco milhões de dólares. São poupanças bastante significativas. Paralelamente, tivemos de reestruturar a dívida para com os bancos. Tínhamos uma exposição bastante elevada e foi preciso renegociarmos. Renegociámos taxas de juros, ficámos ao abrigo do aviso 10. Com a ajuda do Ministério do Comércio e também do BNA, renegociámos pagamentos e até convertemos empréstimos que tínhamos em moeda estrangeira para a nacional. Isso deu-nos alguma folga. Fizemos uma optimização dos ‘layouts’ das lojas. Eram muito grandes. Tínhamos, além do Candando, a Wammo e Cuida. A segunda fase, já com um fôlego financeiro maior, foi aumentar a gama de produtos nacionais. Passava por repor a oferta de produtos internacionais. Nunca iríamos conseguir repor ao nível do passado. A economia nacional já não absorve tanto a importação como antigamente. Tivemos de nos reinventar na área de produtos frescos e com a redução de encargos com o pessoal. Introduzimos a marca Continente. Fizemos um esforço para manter os espaços limpos e agradáveis e para termos a vacinação em dia. Fizemos um novo posicionamento de preços. O Candando era conhecido, infelizmente, por terpreços mais altos do que o resto do mercado. Reposicionamo-nos. 

De que forma?

Hoje estamos a monitorizar melhor a concorrência. Em especial, aquela que é conhecida por ter preços mais baixos. Estamos a igualar os preços. Hoje não é mais caro ir ao Candando do que ir à concorrência, bem pelo contrário. As pessoas podem ficar surpreendidas pelos preços. Além de ser barato, ou tão barato como nos outros sítios, acaba por ter toda a oferta num espaço muito mais seguro, agradável e confortável do que alguns dos nossos concorrentes. Aumentámos a agressividade promocional. Não tínhamos folhetos. Agora temos folhetos semanais. Focamos na comunicação digital e em campanhas de comunicação.

Como lidou com o período mais complicado depois do arresto, quando tinha as lojas vazias?

A Contidis e a Conticash, as empresas que gerem o Candando, nunca foram efectivamente arrestadas. A empresa arrestada foi a Condis que é a accionista destas empresas. Sempre pudemos mover-nos e implementar as acções que achámos por bem implementar e sempre tivemos apoios das autoridades locais, do Ministério do Comércio, PGR, Igape e BNA. Obviamente, o constrangimento gerado, por via do arresto, é sobretudo no apoio da accionista. A disponibilidade financeira reduziu-se. Os problemas que a accionista teve em Portugal tiveram impactos brutais em nós. Os problemas que a accionista teve com as autoridades portuguesas causaram um dano muito, muito grande no Candando. Perdemos credibilidade junto das instituições financeiras e dos fornecedores internacionais e sobretudo perdemos o apoio das grandes seguradoras para importar. Foi um período curto, obviamente complicado, mas que felizmente conseguimos ultrapassar com o apoio das autoridades angolanas.

Como encarou essa fase do arresto?

Passei muitas noites sem dormir. Tinha grandes dores de barriga. Mas há um sentido de responsabilidade que toda a equipa tem com os colaboradores e com clientes que faz com que a gente tente lutar e dar a volta à situação. O apoio das autoridades e da accionista nunca falhou. Acabámos por dar a volta à situação.Foi feito um aporte de capital vital para podermos retomar a nossa proposta de valor. Logo à partida,foi possível pagar a fornecedores, repor o ‘stock’ nacional e começar as compras internacionais. Fomos buscar marcas como o Continente e outras internacionais. Isto permite aumentar as vendas e gerar ‘cash-flow’. 

Este aporte foi feito pela accionista?

Este aporte foi feito pela accionista. Mas só foi possível ter acesso a ele pelos esforços conjuntos com as autoridades angolanas. Na origem, está um pedido de autorização feito ao tribunal para fazer o aporte, apesar das medidas em vigor devido aos processos judiciais.

Qual é o valor deste aporte?

Não queria falar do valor, apenas dizer que foi feito este aporte. 

Isabel dos Santos chegou a colocara possibilidade de encerrar algumas lojas?

Isso foi uma notícia que saiu logo a seguir, ou durante o processo, mas nunca foi real. Nunca houve intenção da engenheira de fechar alguma loja, nem nunca foi nossa intençãode fechar. Obviamente, tivemos momentos de alguma dificuldade e constrangimento financeiro que poderiam indicar isso. Quando os clientes chegam à loja, e vêem-na com poucos produtos, ficam assustados. O importante é que conseguimos dar a volta. Hoje pode entrar no Candando e sentir que o Candando está forte e de volta.

Houve, nesses momentos, muita exposição de produtos nacionais, de muitas marcas. Como foi ter de olhar para o mercado interno?

O Candando, desde o primeiro momento, apoiou a produção nacional. Estávamos em 2015. Passaram quase sete anos. Não podemos olhar para realidade de 2015 pensando que é a mesma de hoje. Desde o princípio, apoiámos a produção nacional nos sectores agro-pecuário e agro-industrial. Não existia tanta oferta como hoje. Não foi devido a qualquer constrangimento nosso que, de repente, olhámos para a produção nacional. Foram surgindo novos operadores e novas indústrias. Houve sectores que se desenvolveram bastante. A compra de produtos nacionais tornou-se mais visível. Mas, como estávamos impedidos de fazer importações, também se acaba por dar destaque aos produtos nacionais. Mas sempre foi dado. O Candando tem áreas, nomeadamente nas bebidas, massas e detergentes, em que apostamos muito nas marcas nacionais. Na pecuária e agricultura, quase toda anossa oferta é nacional. Não há salmão em Angola e figos e castanhas e isso tem de ser importado. É verdade que, no início da nossa operação, tínhamos cerca de 90% da nossa gama internacional e hoje é apenas 10%. A própria oferta nacional tem vindo a aumentar. Todos os constrangimentos financeiros fizeram com que o Governo tomasse uma série de medidas que têm resultado no impulsionar da produção nacional.

Que riscos isso pode ter?

A produção nacional deve ser fomentada, mas tem de ser competitiva. Não pode ser protegida ao ponto de deixar de ser competitiva. Se se gerarem monopólios, a nível nacional, não há concorrência e não havendo concorrência os preços não baixam. É importante que se mantenha, pelo menos enquanto não há concorrência, algum nível de importação para que as empresas nacionais tenham um controlo no posicionamento de preços.

Que políticas do Governo têm resultado e quais são que podem gerar monopólios?

O Estado angolano tem vindo a implementar algumas medidas, na restrição de importação de alguns produtos e no aumento de taxas aduaneiras. A conjugação disso, juntamente com uma estabilidade cambial maior e com uma política que visa dar confiança a investidores internacionais, permite que alguns sectores e investidores tenham vindo a criar indústrias nacionais. Isso é positivo. Temos de equilibrar a balança de importações para termos uma moeda estável e forte. O risco é se protegermos demasiado uma ou outra empresa, uma ou outra indústria, podemos evitar que estas empresas tenham concorrência e não estamos a potenciar o baixo custo. Estamos simplesmente a fazer com que estas empresas fiquem com mais margem. O consumidor final não ganha com isso. Há um risco que tem que ver com crescimento da economia informal. Não creio que seja opção. O Governo quer combater a economia informal, no entanto é uma tendência normal. Quando há crise, a economia informal cresce. Todos devíamos combater esta informalidade, porque isso não gera emprego, não paga impostos e nem gera valor.

De que forma?

Veja quem são os grandes importadores. Veja se pagam impostos.

Não pagam impostos?

Faça a comparação entre os maiores contribuintes fiscais e os maiores importadores. Quem importa paga impostos. Não é isso que se está verificar. É uma pena e é mau para o país.

Alguns países, como a Rússia, EUA, entre outras potências, estão contra as medidas de restrições de Angola. Acusam o Governo de proteccionismo. Como encara isso?

Infelizmente, vivemos um contexto internacional desafiante para todas as economias. Há uma crise pandémica que é generalizada e um aumento do preço das matérias-primas. Criou-se um desequilíbrio fruto de algumas restrições nas importações. No geral, só posso dar, não diria os parabéns, mas posso compreender e congratular-se como as coisas estão a ser conduzidas. Há uma estabilidade cambial e até uma apreciação da moeda que muito tem contribuído para que as empresas recuperem os níveis de capitalização.

O Candando tem produtos da marca portuguesa Continente. Como o surgiu esse acordo?

O Candando sempre ofereceu marcas internacionais. Já tivemos marcas transversais como a do Continente, a Amanhecer, que era uma grande aposta nossa. Fruto de várias decisões e do contexto acabámos por trocar a transversalidade da Amanhecer pela do Continente. Não há um propósito de alicerçarmos numa marca que não o Candando. De facto, há um sortido grande da marca, porque consegue trazer produtos de qualidade e a preço baixo. Num contexto como o que vivemos hoje, é uma marca que interessa. 

O Continente é uma marca do grupo Sonae, que seria um dos accionistas do Candando, mas não foi porque Isabel dos Santos rompeu o acordo. Como é que agora surge a marca do grupo Sonae no Candando?

Foi um processo que envolveu a nossa accionista e os accionistas do Grupo Sonae. Não tem muito que ver com a gestão da marca Candando. Não temos conflitos com ninguém. Bem pelo contrário, damo-nos bem com toda a gente incluindo os concorrentes. O que procuramos é encontrar soluções que se adequem às necessidades dos clientes. A marca Continente estava disponível. Temos um grande respeito pelo Grupo Sonae e pelo Continente. A marca é conhecida no mercado angolano. Não fomos os primeiros a disponibilizar a marca. Houve outros ‘players’ que o fizeram. Fizemos apenas de uma forma melhor e provavelmente mais exposta. É uma marca que se adequa bem no nosso contexto.

Quem são os vossos maiores fornecedores?

Temos as empresas que fornecem produtos agrícolas, como a NovaAgrolider e a Fazenda Girassol. Temos a Agroquibala e as Carnes Valinho. Temos o Grupo Refriango e hoje são esses os nossos maiores fornecedores.

A nível externo?

Trabalhamos com a Sovena, que faz o óleo Fula e o azeite Oliveira da Serra, com a Lactogal, que fornece o leite Mimosa, com um grupo que vende a marca Continente que não é o Grupo Sonae. Trabalhamos com os principais fornecedores de marcas internacionais, mas nenhum tem maior peso do que os nacionais. Está muito fragmentado.

Há quem diga que é mais fácil ter produtos importados. Como avalia as recentes políticas do Governo?

Há restrições muito grandes nas importações. Sejam elas por via da emissão das licenças, sejam inerentes de todos os custos da importação. Mas estas limitações são normais e razoáveis e não é por isso que não oferecemos o que queremos oferecer. Procuramos sempre ter o que é nacional. Infelizmente, a indústria nacional ainda é muito pequena e leva-nos a ter de importar. No passado, o peso das importações era de 90% e hoje é menos de 50%. 

Mas importar ainda é mais proveitoso?

É sempre mais proveitoso comprar local do que mandar vir. Mas há franjas em que a produção nacional é inexistente. Não compensa importar cervejas e detergentes. Mas há clientes que têm mais confiança em produtos mais caros importados do que em nacionais mais baratos. Há pessoas que preferem comprar Skip do que Madar ou Limpa. Mas não é que o Limpa seja caro. O Skip é que é a marca de confiança do consumidor. 

Nos lacticínios, muitas vezes, o produto nacional é muito mais caro do que o importado…

Há uma dificuldade que o mercado nacional tem nos lacticínios. A grande dificuldade é que trabalha com leite reconstituído. Não só o produto final não é o mesmo como os custos não são mais baixos. Isso faz com que a indústria esteja dependente das importações. Um iogurte nacional nunca vai ser comparadoao iogurte fresco que é importado. Um é feito de leite reconstituído e outro de leite natural.

O Governo tem tentado baixar ou conter a alta de preços. A redução da taxa do IVA em 2022 é uma das medidas. Há mais coisas para se fazer?

O Governo está a fazer o que pode, numa altura em que se assiste a um crescimento do preço das matérias-primas. Estamos em máximos históricos mundiais e é muito difícil travar o aumento do preço dos produtos, porque as matérias-primas cresceram fora do mercado nacional. Não tem nada que ver com Angola. É mundial. Paralelamente, há uma crise muito grande nos fretes marítimos em que os custos cresceram muito e isso tem impacto na economia. O Governo tenta conter preços. Outra coisa que também pode fazer é apoiar a concorrência. A concorrência faz baixar preços. Se mantiver mercados concorrentes internos, pode ter a certeza que os preços não vão subir. 

Este apoio passa por onde?

Facilitar os licenciamentos. Não privilegiar nenhum concorrente em detrimento de outro. Não estou a dizer que eles tenham feito. Mas a concorrência é salutar. Há que criar condições para que a concorrência se instale, para que existam mais ‘players’.

O Governo pode fazer mais?

Não creio que possa fazer muito mais. Já fez a redução do IVA e ajustes nas taxas aduaneiras. Não pode fazer muito mais. Mesmo a imposição de preços, é negativa. Não podemos impor preços do arroz e da batata, porque tem de ser o preço de mercado. É o próprio mercado que faz o ajustamento.

Não apoia os preços vigiados?

São vigiados e não são impostos. Há uma sensibilização do Governo aos operadores. São os próprios operadores que têm interesse em que os preços estejam competitivos e nivelados. A livre concorrência deve ser incentivada e mantida.

Há livre concorrência no mercado angolano?

Há algumas coisas menos boas. Em geral, não tenho sentido grandes constrangimentos.

Que coisas menos boas?

Não vou entrar por aí.

São coisas que vos afectam?

Qualquer benefício que seja dado a um concorrente que não seja dado a todos gera descompetitividade de uns para outros. 

Temos isso?

Podemos ter. 

Não sabe se tem?

Muito sinceramente, não queria entrar por aí. São coisas que não valem a pena. O Governo está afazer todos os possíveis. Não me sinto limitado. A única limitação que tenho é por via do accionista. Estas limitações são impostas… mas não tenho limitações. 

Pretende abrir novas lojas? Quais são os vossos planos para os próximos anos?

Querermos consolidar o nosso posicionamento. Temos de atrair clientes. E esse vai ser o principal foco. Fazer os clientes perceberem que o Candando está de volta e forte. Não vamos deixar de equacionar a abertura de novas lojas. Não é fácil, porque qualquer plano expansionista exige investimento e para haver investimento é preciso haver accionistas fortes. Temos uma limitação de crescimento, porque a nossa accionista tem limitações. É nossa intenção no próximo ano abrir supermercados. O ritmo de expansão é que será mais lento.

Depois do arresto, qual foi aredução de clientes?

Houve uma redução de quase 50% há um ano meio. Temos estado a recuperar os clientes a um ritmo bastante acelerado. Estamos a crescer em vendas e clientes na casa dos dois dígitos e estamos contentes com isso. Ainda não recuperámos. Estamos a ser visitados quase diariamente por mais de oito mil clientes.

Tiveram de despedir?

Nunca despedimos ninguém. Não fizemos despedimentos nem mesmo quando tínhamos uma situação financeira diferente. Fizemos alguma reestruturação que levou à redução de quadros. Houve uma redução significativa da estrutura central. Há dois anos, éramos cerca de 80 ou 85 expatriados e hoje temos apenas 14 na direcção da empresa. Houve adaptações. Como o volume de negócios baixou, também não precisamos de tantas pessoas. Chegámos a ser 1.500 pessoas e hoje cerca de 700 no total. Com o recuperar das lojas, vamos precisar de mais pessoas. Não fizemos a renovação de contratos. Isso não é um despedimento

Mas se não renovaram…

É a natureza dos contratos. As pessoas, quando entram aqui, sabem que é um contrato temporário. Nunca tivemos um conflito social dentro da empresa. As coisas têm sido muito ‘soft’.

Ressentiram-se dos expatriados que se foram embora?

Não queria muito falar de expatriados versus nacionais. Não havendo em Angola quadros com experiencia significativa, tivemos de recorrer a quadros de fora. Estas pessoas fizeram o trabalho, treinaram os nacionais, conseguiram criar rotinas e agora permite-nos trabalhar com menos. 

Há ainda uma preocupação de alguns funcionários do Candando sobre o futuro. E alguns, até a brincar, dizem que têm saudades de Isabel dos Santos. Ainda têm razões para estes receios?

Se houve motivos no passado, hoje todos eles estarão confiantes de que as coisas vão seguir por um caminho positivo. Os nossos funcionários estão muito próximos da gestão e conseguem perceber quando estamos num momento mau ou bom. Houve momentos maus. É natural que as pessoas tenham sentido algum medo, receio pelo emprego. Neste momento, não vejo que isso seja tema. Precisamos de crescer. Vai depender da forma como nos adaptamos às condições económicas. Mas isso não muda. É assim para todas as empresas. Ninguém pode assegurar a 100% que vai estar tudo bem porque ninguém sabe bem o futuro. Estamos em condições para continuar a operar sem dramas.

Pretende voltar ao formato anterior das lojas Wamo?

Num futuro próximo, não vejo que vamos por aí. A nossa ideia é centrarmo-nos no negócio de supermercados e hipermercados. Ao longo prazo, não sei o que vai acontecer.

Como é que costuma lidar com a concorrência? Há a impressão do surgimento de novos ‘players’…

Temos sempre boas relações com todos os concorrentes. O que é bastante positivo. Sinto que há maior diálogo e interacção em Angola do que em Portugal. A concorrência ajuda a que o mercado melhore. Quando o Candando entrou, fomos padrão para a maior parte da concorrência. Quando se instalou, passou a ser ‘benchmarking’ para uma série de concorrentes e com isso melhoraram. Fazemos muito esforço para liderar. O que temos vindo a assistir é um aumento do número de lojas de alguns dos nossos concorrentes. Fruto de um accionista mais presente. Mas vemos isso com bons olhos. 

Referiu que sente maior interacção entre a concorrência em Angola…

São mercados pequenos. O que acontece é que o mercado informal é muito grande. Há muito espaço para crescer no mercado formal. O informal deve pesar 70%. Há aqui um clima de interajuda entre os concorrentes nacionais sem pôr em causa a proposta de valor e a competitividade de cada um. Não há aqui concertação nenhuma.

Têm algum concorrente directo?

Todos são meus concorrentes directos. Não há só um.

Apesar das dificuldades, tiveram alguma tentação de tentar entrar na corrida para gerir a rede de supermercados Kero?

Nunca o poderíamos fazer. Somos gestores e isso implicaria um envolvimento do accionista. Teria de perguntar ao accionista.

Era mesmo do accionista que perguntava…

Desconheço.

Como é que encarou os impactos da pandemia?

Desde o início que levamos muito a sério os impactos da pandemia. Quer no comportamento dos consumidores quer no dos trabalhadores. Fomos das primeiras empresas a pôr os colaboradores em teletrabalho. Implementámos as políticas recomendadas na limitação de pessoas e uso da máscara. Fizemos um grande esforço para os nossos trabalhadores se vacinarem. Fomos os primeiros a divulgar no Facebook a taxa de vacinação. Tivemos 94% de vacinados, os restantes são as gestantes.

Como correu o teletrabalho?

Houve na fase inicial alguma suspeita. O mundo todo se adaptou e o teletrabalho veio para ficar. Algumas pessoas têm estado mais vezes agora em casa do que aqui.

Qual é a vossa facturação actual? Já conseguem falar em lucros?

Estamos com resultados operacionais positivos. Acreditamos que estes resultados se vão manter. O volume de vendas está a crescer ao ritmo de dois dígitos. Estamos ainda muitos longe dos níveis do passado. Mas todo o mercado deve estar.

Como analisa o actual mercado da distribuição?

A distribuição moderna é algo positivo para o país. A distribuição é motora de desenvolvimento e facilita o escoamento da produção nacional. E torna a comercialização mais segura. É importante que todos entendam e apoiem o crescimento da distribuição. A existência de vários grupos é garante de competitividade. As margens que se praticavam há cinco anos não são as mesmas. Diria que baixaram 15 pontos percentuais, porque a competitividade é maior. O aumento da concorrência faz com que optimizemos os custos. É possível que haja alguns movimentos e concentração. Mas o mercado ainda é grande e o da distribuição ainda é pequeno.

O mercado está muito focado em Luanda…

A economia ainda gira em torno de Luanda. Logisticamente ainda não temos infra-estruturas que tornem viáveis operações no interior. É muito custoso levar produtos que maioritariamente chegam do Porto de Luanda para o interior. E pior: não conseguimos vender estes produtos no interior mais caros do que cá. Hoje ainda vivemos muito dependentes de Luanda e também onde está concentrada a maior parte da população. Com o tempo e com algum desenvolvimento nas vias de circulação, espero que se possa abrir mais lojas fora de Luanda.

O que acha que devia ser feito para estimular a abertura de mais lojas fora de Luanda?

Tem de haver algum tipo de apoio aos custos logísticos como o da gasolina. Mas não chega. Se não houver infra-estruturas viárias eficazes e rápidas, não chega. Faltam infra-estruturas e alguns apoios. Já há alguns apoios que o Estado dá a empresas que invistam nestas zonas geográficas.

Como é gerir uma rede como o Candando?

Tenho a felicidade de ter sido pioneiro no grupo. Estou ligado desde a sua génese. Sou um dos fundadores. É um desafio enorme que viveu as suas fases. Uma fase de abundância e depois de escassez. Todas elas com coisas boas e más. 

Quais são os seus desafios?

Vou passar a pasta. Não vou continuar no Grupo Candando após o final deste ano. Saio contente de ver que as coisas estão a evoluir positivamente. Que a empresa tem capacidade para subsistir. Faço-o por questões pessoais. Chegou uma altura em que decidi abraçar outros desafios. Acabou o meu tempo aqui. Após sete anos, vou dar espaço a outras pessoas. 

Como decreve estes sete anos? Foi preciso muita resiliência para continuar?

É preciso muita resiliência. Mas também o mercado oferece a liberdade de um gestor de actuar em mais áreas. Dá-nos muita liberdade e potencia o crescimento. Temos não só de ensinar como fazer e também controlar o que está feito. Viver em Angola é óptimo. As pessoas, a língua. Não creio que haja outro país que tenha a afinidade com Portugal como Angola. Não ponho de parte qualquer desafio que possa surgir em Angola embora gostasse de estar algum tempo parado. 

A nova gestão já está nomeada?

Já está nomeada e vai ser apresentada nos registos comerciais. São pessoas com grande experiência e com competência que estão connosco desde o começo. Não há insubstituíveis. 

 

PERFIL

Mais de duas décadas na distribuição

João Paulo Seara nasceu em Angola, tendo desenvolvido a maior parte da sua formação académica e profissional em Portugal. Por mais de duas décadas, exerceu diferentes funções de direcção no grupo português Sonae, proprietário dos supermercados Continente. Ele e o antigo CEO do Candando, Miguel Osório, estiveram na génese do lançamento do projeto do empreendimento de Isabel dos Santos, depois de ter rompido o acordo com os portugueses. Nos primeiros cinco primeiros anos, João Paulo Seara liderou a área comercial e de marketing da empresa Contidis e Conticash. Em Julho de 2020, sucedeu ao antigo CEO, na gestão das lojas. Tem dois filhos.