Pode um ex-presidente concorrer ao cargo de vice?
O debate iniciado no programa Conversas Essenciais, da Rádio Essencial, que por imperativo de tempo não nos permitiu nos estendermos na reflexão, pretende aferir em que medida é constitucional um ex-presidente, com dois mandatos cumpridos, apresentar-se como candidato ao cargo de vice-presidente.
Subscrevemos a larga maioria da doutrina e juristas que considera, sem meias medidas, tratar-se de uma hipótese inconstitucional, por razões que a seguir enunciamos. Importa antes de quaisquer considerações deixar uma nota propedêutica. Ensina-nos Gomes Canotilho(2003, pp.1218 ss), que no exercício interpretativo constitucional é necessário convocar elementos como sejam a sistemática do texto normativo, a genética do texto, a história do texto e a teleologia do texto.
Posto isso, releva saber qual é o estatuto do vice-presidente no sistema de governo estabelecido na Constituição da República de Angola(CRA). É, antes de qualquer outro, o de substituto do Presidente da República, como diz o artigo132º. É também o de auxiliar do Presidente da República, nº1 do artigo 131º. De modo mais afirmativo, o vice-presidente é um putativo Presidente da República em caso de impedimento definitivo deste. Como se diz na linguagem popular, pode dormir vice e acordar Presidente.
Em face disso, os factores de elegibilidade, inelegibilidade bem como impedimentos impostos ao cidadão candidato ao cargo de Presidente da República, são-no reflexamente exigíveis para quem se apresenta como vice-presidente, segundo o nº4 do artigo 131º. Significa isso que o vice-presidente deve estar imune de quaisquer inelegibilidades ou impedimentos, que o obstaculizem a ocupar o cargo de Chefe de Estado, caso seja necessário.
Nos termos da CRA, são inelegíveis ao cargo de Presidente da República os antigos Presidentes que tenham exercido dois mandatos (al.b) do nº2 do artigo 110º), conjugado com nº 2 do artigo 113º. E a pergunta que se coloca é: pode um vice-presidente ser eleito, não pudendo ocupar o cargo de Presidente da República por inelegibilidade? A resposta é um contundente não. Alías, foi este o sentido acórdão do Tribunal Constitucional (nº111/10) que obrigou à eleição do vice-presidente, ao invés da sua nomeação. O fundamento assentou no facto do vice-presidente ser um iminente Presidente da República, pelo que devia gozar não apenas da mesma legitimidade mas reflexamente conhecer todos os elementos de elegibilidade e inelegibilidade do candidato a Presidente da República(nº2 do artigo 110º).
Assim, da análise sistemática da Constituição da República de Angola , em concreto, os artigos 110º/2, 113º/2, 132º/4 e da jurisprudência do Tribunal Constitucional(acórdão nº111/10) não se vislumbra qualquer brecha que não seja uma inconstitucionalidade.
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