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Quanto vale a Sonangol

17 Mar. 2021 Opinião

Baseado numa notícia muito sumarizada publicada no Jornal de Angola de 5 de Março, o povo angolano ficou a saber oficialmente que a nossa Sonangol vale dependendo da disposição e do dia da semana entre 21 e 27 mil milhões de dólares. Só. E, que a serem privatizados 30% do seu ‘eu’, o estado arrecadaria entre seis e oito mil milhões de dólares.

Faço referência à minha opinião outrora formulada sobre o valor da Sonangol que, segundo as minhas estimativas, é de quatro a cinco vezes mais que o valor agora publicado. Muito mais dinheiro que até faz falta ao país. Por aqui, vê-se o que é evidente: eu não estou de acordo com essa avaliação. Será que quem a fez sabe o que fez? Será que o fez tendo em vista os interesses do país, por outras palavras o valor real da empresa?

Na minha apreciação sobre o valor da Sonangol apresentei o racional que me levou aos números por mim enunciados. Os gestores da empresa, pouco ou nada disseram sobre isso e, assim sendo, de certeza que estamos a comparar alhos com bugalhos. Será que o Governo compreende o que está a fazer?

Porém, vamos ao acto de privatizar. Porque é que a Sonangol precisa de ser privatizada? Simplesmente porque não deve ser função do Estado actuar como um agente económico num ambiente governativo transparente e sob regras de caracter democrático. O Governo, neste tipo de sociedade, deve estar limitado à coisa pública e relacionados. Para além disso, há neste momento a necessidade de arrecadar fundos para, numa lógica racional, diminuir a nossa dívida pública que já é insuportável, reduzindo com os fundos obtidos a nossa exposição ao pagamento de juros, o que afecta muito seriamente a qualidade do nosso OGE. Isso do ponto de vista político e social.

Por outro lado, sendo o nosso bem maior o petróleo, é da nossa conveniência a existência de uma companhia de petróleos saudável sob o ponto de vista de administração, gestão e desempenho técnico. Será que a Sonangol está a ser bem gerida? Em tempos de guerra, a gestão funcionava com o objectivo de financiar a máquina de guerra. A Sonangol foi competente ao negociar ‘joint-ventures’ que facilitaram e ajudaram o país a tornar-se num produtor respeitável. Nesse processo, deu-se o ouro e os dedos ao ‘ladrão’ de tal maneira que os custos de produção se tornaram nos mais caros do mundo e arredores. Nenhuma companhia investiu em Angola: as companhias financiaram investimento e o Governo reembolsou-os atempadamente. Com ‘juros’ elevados. E, lambuzaram-se no melaço como bem entenderam. Porque a Sonangol, por razões de sobrevivência e conveniência, deixou.

Neste momento, ao abrigo dos desejos duma nova Sonangol, a companhia deverá trazer a si a função de operadora e, pelo menos até ao presente, acredita-se que esta Sonangol como está não seja capaz de o fazer. Mais uma razão válida para a privatização. Ao tornar-se uma empresa privada, a companhia terá de desenvolver-se e fazer por si mesma esse trabalho de operações que até agora tem delegado a terceiros que delapidam possíveis lucros. Os novos donos, após investirem somas avultadas, certamente que irão tomar todas as medidas necessárias para que a companhia passe a ser uma operadora e produtora de respeito. Os novos donos irão colocar um ‘board’ com competências técnicas que será responsável pelo desenvolvimento e crescimento da companhia, sem quaisquer nomeações de cores partidárias. E esse ‘board’ irá assentar o seu desempenho em pessoal tecnicamente qualificado e competente, não em afilhados de natureza política e militantes de quaisquer partidos. Os colaboradores, nessa nova organização, serão seleccionados duma forma transparente de maneira a trazerem para o local de trabalho saber, competência e motivação por verem o seu “ser” merecedor de reconhecimento. Essa nova administração, privada, trará consigo o livro de cheques necessário para prosseguir com os trabalhos de exploração e desenvolvimento que o país tanto precisa.

Pelo artigo do Jornal de Angola atrás referido, não me parece que seja esse o plano. Qualquer investidor que adquira os 30% que o Estado pretende “privatizar” vai ter que dançar a música dos 70%, a música do Governo que não tem dinheiro nem entende o que é investimento em exploração. Aliás, será muito difícil acreditar que uma bolsa de valores ocidental aceite essa listagem uma vez que iria por em risco os fundos dos seus investidores. E assim sendo, o valor que está a ser atribuído à Sonangol torna-se irrelevante uma vez que nenhum investidor olhará para essas acções pelo seu valor próprio. A menos que se trate de uma lavagem de dinheiro.

Para ser possível a privatização pela venda de acções, a Sonangol terá de listar as suas reservas de petróleo, o que, nesta avaliação, parece ter ficado de fora. Os “assets” que contam no portfólio duma petrolífera são as suas reservas de hidrocarbonetos. É nessas reservas, e no seu valor actual e potencial, que os investidores apostam. Só que nesse caso, a avaliação está errada. De certeza absoluta que não inclui no seu cálculo as reservas. E, sem essas reservas por nós conhecidas, o que é que está a venda? Será que há alguém interessado em comprar ‘assets’, que pelo que se sabe nunca deram lucros num país onde o custo de operações, como sabemos, é o mais caro do mundo?

E aqui, dou comigo a pensar que o governo do general João Lourenço mudou de ideias a meio do percurso. Apercebeu-se que não lhe interessa vender a Sonangol. Para não voltar atrás, tendo desta maneira que dar o dito por não dito, numa jogada de xadrez clássico, cria condições para que não haja nenhum comprador disponível. Sem comprador, não há negócio nem venda parcial da companhia. Evidentemente que falo de alguma organização séria e competente. Pode ser que haja algum marimbondo capitalizado que faça essa compra num processo de trazer algum dinheiro de volta para o país e manter a paz junto da PGR.

Portanto, aqueles que como eu pensavam que iria realmente haver uma privatização da Sonangol e que dentro em breve teríamos uma companhia nacional a competir olhos nos olhos com as Total e Enis deste mundo, teremos pouco mais do que a venda duma parte minoritária duma companhia despida de reservas e como tal de valor exploratório. Estando a indústria de petróleo a caminhar para o seu termo a passos largos, não compreendo a decisão dos gestores.

Ainda vamos a tempo de reverter esse quadro maléfico. A privatização no seu sentido real é possível e lucrativa, sobretudo tendo em conta o fim próximo da indústria. Espero que a Sonangol seja realmente privatizada e não apenas esquartejada. Só assim iremos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E quem ganhará é o povo. O futuro promete.

António  Vieira

António Vieira

Ex-director da Cobalt Angola