Que se reformem os dinossauros
Há alguns dias, dei comigo a fazer contas ao reumatismo que me acompanha e ao mesmo tempo me faz feliz. É que, apesar de tudo, eu cheguei à idade do reumatismo o que em nada me apoquenta. Mantenho o meu estilo de vida, pese o facto que sem a mobilidade de há alguns anos.
Comecei a trabalhar no início dos anos setenta sem nunca ter pensado que um dia iria ter de deixar de trabalhar. Ou melhor, que um dia iria merecer viver sem ter de trabalhar. E, acreditem ou não, não há nada de mais simpático e gostoso, no dizer de alguns amigos do outro lado do Atlântico, que acordar quando se quer; fazer o que se quer sem ter de pensar nos objectivos tanto pessoais como do patrão; comer a que horas apetece desde que haja comida para tal; beber o que se dispõe e na quantidade que o meu corpo permite, e, finalmente, deitar-me quando me dá na galha. Chegar a esta idade em que finalmente sou livre, pese o facto de o meu país guardar para mim uma definição de liberdade que, ao limitar-me à pensão duma forma que diria ridícula, me dá o luxo e o direito de pôr em causa essa mesma liberdade. Afinal de contas, eu só sou livre até aonde o cartão do BPC me permite. E isso quando funciona.
Na indústria dos hidrocarbonetos, a idade da reforma é aos 60 anos. Sei de colegas que, ao chegarem ao escritório, no dia a seguir ao dito aniversário, já tinham o cartão de acesso bloqueado, sem aviso prévio e, sem sequer ter tido a oportunidade de arrumar as suas míseras “embambas”. Houve outros que foram chamados aos recursos humanos e foi-lhes entregue uma nota que os punha de sobreaviso uma vez que, a partir duma data fixa, iriam para casa. Houve casos de quem já há muito estivesse em casa, porém, ao bater dos 60, passaram a estar em casa a viver da reforma, finalmente fora do pacote salarial.
Ainda na indústria dos petróleos, houve colegas que, apesar de já terem batido nos 60, continuaram no activo. É que, apesar de tudo, uns são mais queridos do que outros e isso dá-lhes direitos complementares. Há ainda os que, sendo filhos, até recebem promoções ao passarem dos 60. Quase todos inúteis, porém promovidos e a bloquear a carreira de outros mais jovens que até podem fazer a diferença de que a indústria precisa sobretudo em termos de transparência.
O mesmo acontece noutras indústrias de relevo. Em particular, olho para o renovar das gentes ligadas à aviação civil, à mineração, ao comércio, e a quase todos os sectores. Sobretudo nos sectores onde o trabalho é duro e desgastante. Ao bater dos 60, bate a quebra salarial e vai-se para casa sobretudo se se for enteado ou não jogar na equipa certa.
Países há onde a passagem ao descanso merecido é um pouquinho mais tarde. Na maioria dos países europeus, essa idade está hoje mais perto dos 70 que dos 60. É evidente que eles têm uma qualidade e esperança de vida que lhes permite essa ‘frescura’. Eles reformam-se e facilmente vivem 30 anos como reformados nos seus países, quando entre nós pouco menos de 45% chegam a beneficiar desse estatuto. Na verdade, a maioria de nós continua a morrer muito antes de atingirmos o estatuto de reformado. E os poucos que lá chegam morrem quase a seguir, tal é a pressa do sistema em desfazer-se deles.
Acredito ser do conhecimento de todos nós que somos um país jovem. Temos uma maioria jovem acentuada e não é só porque temos a mania de fazer muitos filhos. É também porque morremos jovens. Morremos antes do tempo. O que me intriga é o facto de, apesar de sermos um país jovem, continuamos a ser governados pelo exército geriátrico. Somos na realidade governados por velhos que se recusam a aceitar a reforma, embora a imponham aos que não jogam na mesma equipa.
Li há dias numa ‘postagem’ nas redes sociais que se atribuiu à política Welwitschia dos Santos uma passagem em que ela dizia “num conflito entre os mais velhos do passado e os jovens com futuro, está claro quem vai vencer”. Embora eu não veja com lucidez a clareza desta passagem, fico a pensar que, na realidade, a nossa terceira idade tem de se reformar. Meus confrades, concidadãos, amigos e outros, é altura de todos os que atingiram a idade da nossa esperança de vida se reformarem. Digo, todos, incluindo os políticos e politiqueiros de toda a espécie. Sem excepção.
Temos, no serviço público, dezenas de indivíduos velhos e ultrapassados muito mais incompetentes que válidos, sobretudo em cargos de chefia. Há que reformá-los a todos para melhorar a qualidade do serviço e desta maneira melhorar a qualidade de vida desses mesmos cidadãos. Há que dar lugar aos jovens que fomos treinando, pese o facto de alguns serem tão incompetentes como a equipa senil que resiste à hora da partida.
Muito pior que o serviço público é a Assembleia Nacional, onde a grande maioria dos deputados tem idade superior à nossa esperança de vida. Sabemos bem que muito deles nada fazem e que nada sabem fazer, por isso lá estão. E que lutam para por lá continuarem. Porém, dada a sua avançada idade, é altura de passarem ao descanso laboral e de deixarem os mais jovens cheios de ideias novas e educação melhorada conduzir os destinos do país para que não se extingam como aconteceu um dia aos dinossauros. Embora eles sejam pagos com os nossos fundos, eles são trabalhadores das ‘empresas’ que lá os colocaram. É, portanto, altura de essas ‘empresas’ iniciarem a reforma dos seus hábitos. Quiçá, é altura de eles próprios aliviarem a carga que representam àqueles que durante tanto tempo os levaram as costas. Velhotes, façam uma introspecção e deixem de atrapalhar quem pode ser útil e assim melhorar a nossa qualidade de vida. Obviamente que uma mudança desta natureza tem de ser uma mudança política a qual esses políticos resistem. Não lhes interessa. E não o farão enquanto o salário e as benesses forem muito superiores à pensão. E isso para não falar dos negócios que controlam em função da sua condição de deputados.‘Malandlos’.
E o povo que não merece essa malandrice, o povo que luta todos os dias contra tudo e contra todos, agradecer-lhes-ia. Só assim, iremos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E quem ganhará é o povo. O futuro promete.
JLo do lado errado da história