ANGOLA GROWING
Bráulio Martins, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Angola/EAU (CCIANG/EAU)

“Temos de promover empresários que não são políticos”

17 Mar. 2020 Grande Entrevista

Quer empresários que vão em busca de conhecimento e “parcerias certas para potenciar os negócios”. E critica os “mendigos” que, durante muito tempo, só andavam  a  espera de fazer negócio com Estado. “Não aprenderam a trabalhar”, por isso “nada sabem fazer”.

 

“Temos de promover empresários que não são políticos”
Mário Mujetes

Como surge a CCIAN/EAU?

Não se faz política sem conhecer a cultura de um povo. Em 2018, juntámos a documentação  e, no ano seguinte, pedimos um certificado de admissibilidade ao Ministério da Justiça que foi aceite e criámos a câmara que tem 18 membros, sendo sete executores e outros colaboradores, incluindo algumas empresas. Devo também dizer que, antes, uma iniciativa dessas era impossível.

Porquê

Na outra magistratura, era impensável. Não seria presidente de uma câmara por ser muito jovem. Tinha de ser um mais velho de barba branca. Mas a sabedoria não é divina, não está na barba branca. Hoje qualquer pessoa pode ser o que quiser. Portanto, antes o Estado era democrático e de direito no papel.

Quantos filiados tem?

Na nossa base de dados temos já 37 empresas de vários sectores como agricultura, ecoturismo, minerais, entre outras.

É o balanço para já?

Em 2019, em Outubro, estivemos numa conferência nos Emirados Árabes Unidos (EAU) e assinámos um acordo com o Annual Investiment Meeting (AIM), ou seja, encontro anual de investidores, que é a maior plataforma do mundo, onde Angola nunca se fez representar. Mas, desta vez, vamos participar na 10ª edição com empresários interessados. O evento deve-se acontecer este mês, mas vai acontecer em Junho. O adiamento deve-se à propagação do coronavírus.   

O que o país ganha?

Celebrámos um acordo com a AIM com o objectivo de promover esta entidade em Angola de forma que os empresários locais saibam mais sobre essa plataforma e, ao mesmo tempo, criar mecanismos para serem levados aos EAU, no evento que acontece todos os anos. Nele participam 143 países, entre os quais economias pujantes como os EUA, Arábia Saudita e Reino Unido. Os países africanos fazem apresentação dos seus produtos e naquilo em que acharem possibilidades de parcerias são apoiados. Por isso, achamos que Angola deve fazer parte para ir em busca de parcerias certas, conhecimento e avanço na agenda dos negócios.

Os empresários estão a responder a essa iniciativa?

Temos algumas empresas já inscritas para participar no certame. Por outro lado, estamos animados porque, no encontro que tivemos com o embaixador dos EAU em Angola, garantiu que existe um fundo para patrocinar projectos.

“Temos de promover empresários que não são políticos”

Qual é a capacidade desse fundo ?

Estamos a falar de um fundo acima de 500 milhões de dólares. Esse fundo já cá esteve por duas vezes por intermédio do Sheik, mas voltou por falta de projectos.

Não há projectos?

Não digo que não haja projectos. Na verdade existem vários, mas, quando estamos a falar de projectos, não são ideias apenas, mas sim projectos concretos que foram estudados, avaliados para serem patrocinados.

Na actual conjuntura, fica difícil atrair investidores, não?

Sabemos que os EAU são um conjunto de sete estados federais. É uma plataforma de negócios, e um centro logístico, onde existe um dos maiores portos do mundo. Por sua vez, Angola, em África, é uma potência. Aliás, queremos transformar o país num Dubai.   

Como se chega a essa meta?

Temos mar, temos quatro portos (Cabinda, Namibe Lobito, Luanda), temos rios. Além disso, Angola faz parte da SADC e tem boas relações com países vizinhos como a República Democrática do Congo, com mais de 80 milhões de habitantes, sendo, por isso, um bom mercado para Angola. E as empresas que não são apenas dos EAU têm interesses de expandir os seus serviços e o país que acham seguro, do ponto de vista estratégico, é Angola. É aqui onde querem instalar fábricas para que o país deixe de ser um potencial importador de 90% do que consome para exportador.

E a mão-de-obra?

Quando falamos em mão de obra podemos também aproveitar a experiência dos EAU. As nossas universidades devem deixar de formar quadros de lapiseira e papel. Têm de formar técnicos capazes de alavancar a economia. Logo, essa relação que agora estamos a criar com empresas do Emirados prevê também formação com especialistas dos EAU. Temos em carteira um projecto no qual vamos seleccionar angolanos para trabalhar nos EAU e colher experiência. Aliás, uma das nossas premissas é a criação de fábricas que produzam para o país e exportar para a região da SADC.

Há um projecto idêntico de uma cooperativa da Huíla…

Uma das nossas apostas com o EAU é a criação de fábricas. Temos uma parceria com a Aipex e uma das nossas propostas vai nesse sentido. Isso pode potenciar outras áreas como a agricultura porque o nosso país tem terrenos férteis e chuvas abundantes. Há recursos hídricos e minerais, mas importamos, por exemplo, catanas e enxadas. Porque não produzir aqui para o mercado interno e vender também para países vizinhos?

Com produtos agrícolas exportáveis, os EAU também podem beneficiar, certo?

Sim, porque só exportam petróleo e importam quase tudo.  É um país consumista. Então temos de organizar os nossos empresários, porque eles são muito exigentes. Podemos produzir na agricultura em grande escala, mas com qualidade para exportar não só para os EAU, mas também para outros países como a Arábia Saudita. É uma forma de captar divisas que fazem falta ao país.

Aqui temos tudo, mas importamos tudo…

Exactamente! Além da agricultura, temos o ecoturismo. Veja, por exemplo, que a Etiópia é um dos países pobres com poucos recursos, não tem porto mas está a crescer do ponto de vista do turismo, que é uma forma de atrair investimento e divisas. Só com o turismo é que os empresários podem ver onde e como investir. Sem turismo, não estaremos a fazer nada.

Mas como dinamizar o turismo?

Temos de fazer um marketing enorme e isso requer custos. Temos de promover em primeiro plano o que Angola tem. Neste encontro anual de investidores, Angola irá dar a conhecer aos seus parceiros, por intermédio da Aipex, o que temos. O país terá um pavilhão com várias empresas e é ali onde, durante uma hora, será o momento oportuno para dizer o que de concreto tem e precisa. Não devemos ficar adormecidos, temos de ir ao encontro dos investidores. Dar a conhecer a beleza e as áreas estratégicas existentes para investimento.

Mas fala-se disso há vários anos e não há resultados...

Além de falar, temos de ir à prática. Temos de pôr as mãos na areia. Esse é o primeiro encontro em que Angola se fará representar. Como disse, é a maior plataforma de investidores do mundo. Todo o tipo de financiadores lá estará. Estamos atrasados mas nunca é tarde. O sector privado tem de trabalhar mais. E as câmaras, sendo ‘molas’ impulsionadoras do investimento, fazer mais porque as políticas já estão traçadas. O Estado angolano delineou políticas e nós estamos por dentro, para mostrar o que Angola tem e o que se pode fazer.

Como vê o surgimento da Federação das Câmaras de Comércio e Indústria de Angola?

É um interlocutor entre os empresários e as câmaras de vários sectores e o Governo. Como sabe, infelizmente há muitos empresários no país que não sabem o que é uma câmara e, além da promoção do investimento, temos estado a fazer também um trabalho pedagógico. Nos EAU, só a câmara do Dubai tem 237 mil empresas e existe uma federação. Além disso, cada estado tem as suas câmaras autónomas.

Ainda há lugar para o surgimento de mais entidades do género?

Quanto mais câmaras, mais investimento para o país.

Como olha para o estado da economia, com o petróleo em baixa e o alastramento do coronavírus?

Vamos começar pelo coronavírus! Na verdade, já surgiram vários surtos. O que se passa é que está a haver muita promoção à volta dessa epidemia. Temos o VIH/Sida, o surto da gripe que matou muita gente. Mas esta é uma forma de dizer que devemos estar em alerta e tenho fé que é algo que vai terminar e não está aí para sempre.

E sobre o petróleo?

No nosso caso, é uma forma de nos dizer que devemos sair um pouco da dependência do petróleo e diversificar a economia porque temos outras áreas, como o café, a madeira, o carvão, enfim, Angola tem tudo para sobreviver. Há países que não têm tantos recursos como o nosso. Por exemplo, a Zâmbia, sem porto, vive só da exportação de carne. O Egipto, com perto de 90 mil habitantes, depende do turismo. Nós podemos viver de vários produtos. Por isso devemos aprender com economias mais avançadas como a da África do Sul.

Já se pode falar do volume de negócios entre Angola e os EAU?

Neste momento, existem três empresas dos EAU já implantadas no país. Há uma fábrica de tractores que está a ser montada. E também estão a investir na reabilitação do Aeroporto 4 de Fevereiro, além de investimentos na rede sanitária pública. Mas, durante esse tempo, houve mais interesses de empresários angolanos de importar dos EAU do que o inverso, porque nunca mostrámos o que temos. Ainda é prematuro falar em números porque também nunca existiu uma câmara, mas posso dizer que, neste momento, temos empresas que exportam mel, abacate e abacaxi para os EAU.

O que pensa das políticas do Executivo?

Com o novo Governo digo que as coisas estão de certa forma a acontecer mas temos de dar algum tempo.  É como uma casa: quando está suja temos que desarrumar tudo, tirar todo o lixo e depois colocar as peças nos devidos lugares. Se notar, as barreiras políticas que tínhamos no passado foram removidas. Por exemplo, já se está a combater a corrupção. Isso motiva e atrai o investidor.

Não é um combate selectivo?

Acho que, em Angola, as plataformas digitais estão a dominar os tradicionais órgãos de comunicação social. Logo, devem trabalhar mais e dar notícias concretas. Uma informação de alguém que entra no facebook acaba por persuadir muita gente como se fosse credível. Portanto, os jornais, a rádio e a televisão devem trabalhar mais.

O que quer dizer com isso?

Após a tomada de posse do Presidente João Lourenço deu-se um tempo para que as pessoas que fizeram desfalque na economia devolvessem o dinheiro. Alguns o fizeram. Estas pessoas que colaboraram com o Estado estão aí, estão livres. As que não o fizeram estão a sofrer as consequências. Então é preciso que esta informação chegue à população.

Não é pessoalizado, portanto?

Não! Está-se atingir todo o mundo.  Não gosto muito de política, mas temos, por exemplo, o caso do ex-ministro dos Transportes, temos pessoas que agora estão a responder em tribunal e temos aquelas que, durante o seu mandato, a própria lei os protege e só depois de cinco anos serão chamadas a depor. Temos que respeitar a justiça.

Não acha que o país está parado?

Acho que temos de ser mais concretos.

Como?

Temos que separar o político do empresário. Temos mais políticos empresários. Temos que promover empresários que não são políticos. Logo, se há empresas a fechar é porque alguma coisa está a ser feita, ou seja, a justiça está a ser feita e está a fazer o seu papel. Por outro lado, ainda temos empresários mendigos. Como é que você exporta madeira, mas depois diz que não tem quatro mil dólares para ir a um fórum, onde pode ir à busca de valências para potenciar o seu negócio e ganhar mais dinheiro?

A prevista subida dos combustíveis preocupa-o?

O Estado sabe o que está a fazer. Nós estamos focados na atracção de mais fábricas, menos importação e mais exportação.

Mas o investidor tem receios, em matéria, por exemplo, de repatriar dos dividendos…

Para que as coisas funcionem é preciso que haja um interlocutor entre o Estado e o empresário. Estas inquietações dos empresários têm de chegar ao Executivo  e as câmaras de diversos países devem expor o problema também.

Voltemos ao fundo dos EAU. O que se está a fazer para que os 500 milhões de dólares sejam aplicados no país?

O fundo que veio dos EAU por duas vezes era desconhecido. Mas, de seguida, a embaixada explicou-nos a intenção e em resultado disso temos sete projectos concretos a serem submetidos a financiamento.

Estão quantificados?

Estamos a falar de valores entre 70 milhões e 270 milhões cada um. Não estou a dizer que todos serão aprovados, mas se quatro deles forem aprovados será benéfico e são vários postos de trabalho a serem criados. O que se passa aqui é que as pessoas estão amarradas ao Estado e pensam que este deve fazer tudo.

O que pensa sobre os acordos de dupla tributação?

No ano passado, o PR esteve no Dubai e veio a Luanda o Sheik por mais de cinco vezes. Isso quer dizer que as coisas estão no bom caminho, mas aguardemos pelos resultados.

Perfil

Nasceu em 1984 em Luanda e, em 1992, na sequência do conflito armado pós-eleitoral, foi a Portugal com os pais e dali para o Egipto, onde acabaria por se formar como engenheiro em tecnologias de informação. Além do português e inglês, Bráulio Mohamed Sanda Martins fala fluentemente árabe, uma ferramenta que lhe permite interagir facilmente com interlocutores dos países do médio oriente, e não só. “Trago experiência de seis anos no Cairo, da câmara da África do Sul e dos próprios EAU, onde estive por várias fezes”, confessa o líder da CCIANG/EUA que acrescenta: “os empresários não devem ficar só a espera de fazer negócio com o Governo”, porque “foi isso que criou maus vícios a pessoas que hoje nada criaram por sua conta e estão sem iniciativa. Não sabem trabalhar” e por isso “condenados à falência”.