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Barry Eichengreen

Barry Eichengreen

O que terá de acontecer para que este seja um ano tranquilo a nível económico, financeiro e político? Resposta: deverá ser evitada uma pequena lista de ameaças à estabilidade.

Em primeiro lugar, a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China terá de ser colocada em espera. Em Novembro e Dezembro, os mercados financeiros reagiram positivamente a cada indício de um acordo negociado e negativamente a cada hostilidade renovada. E por uma boa razão: as tarifas que perturbam os fluxos de comércio e as cadeias de fornecimento não favorecem o crescimento global. O que acontece nos mercados financeiros não fica nos mercados financeiros: os resultados afectam de forma poderosa a confiança do consumidor e o sentimento empresarial.

Em segundo lugar, a economia dos EUA terá de crescer pelo menos 2%, a previsão de consenso incorporada nas expectativas dos investidores. Se o crescimento for significativamente menor - seja por causa da euforia das reduções de impostos de Dezembro de 2017 que se está a dissipar, da Reserva Federal asfixiar a expansão, ou por algum outro motivo - os mercados financeiros movem-se acentuadamente para baixo, com implicações negativas para a confiança e estabilidade.

Em terceiro lugar, a China terá de evitar uma intensificação significativa dos seus problemas financeiros. Gerir com sucesso uma carga de dívida corporativa de 160% do PIB requer não apenas a reestruturação selectiva de empréstimos duvidosos, mas também o aumento do denominador da relação dívida/PIB. Com investimentos fracos em infra-estruturas e uma produção industrial em declínio, é pouco provável que a China atinja a meta das autoridades em 2019 de pelo menos 6% de crescimento. Nesse caso, o crescimento lento e os crescentes problemas de dívidas alimentam-se mutuamente, arrastando o desempenho económico na China e em grande parte do mundo dos mercados emergentes.

Em quarto lugar, os eleitores nas eleições para o Parlamento Europeu, em Maio, terão de impedir a vitória de uma maioria nacionalista de direita hostil à integração europeia. A Europa precisa de avançar para evitar a queda; a existência do euro não lhe deixa outra escolha. Por agora, avançar significa criar um sistema comum de seguro de depósitos para os seus bancos, introduzindo pelo menos um orçamento modesto na Zona Euro e aumentando os recursos do fundo de resgate, o Mecanismo Europeu de Estabilidade. Mas se há coisa que as dificuldades da moeda comum nos ensinaram, durante a década passada, é que tais medidas não podem ser fornecidas à força pelas elites. A integração durável precisa de apoio popular. E esse apoio tem de ser evidente nos votos.

Todos estes resultados felizes estão, é claro, longe de estar garantidos. Mas se alguns deles se materializarem, aumenta a probabilidade de outros. Por exemplo, se o presidente dos EUA, Donald Trump, acabar com a guerra comercial, as perspectivas de crescimento nos EUA e na China serão maiores. Um crescimento robusto cria um ambiente externo mais favorável para a Europa, abrilhantando as suas próprias perspectivas económicas e reforçando as perspectivas eleitorais dos principais partidos e políticos.

Por outro lado, um mau resultado numa das frentes diminui as perspectivas das outras. Um crescimento decepcionante nos EUA, por exemplo, faz com que Trump tente encontrar um bode expiatório. Se não for o presidente da FED, Jerome Powell, e os seus colegas, esse alguém será provavelmente o presidente chinês Xi Jinping. Nesse caso, a guerra comercial está de volta e o crescimento e a estabilidade financeira na China sofrem em conformidade. Essa combinação dos males económicos dos EUA e da China arrasta o crescimento noutras partes do mundo, atiçando a reacção populista contra o poder político na Europa e noutros lugares.

Da mesma forma, se o choque negativo for um crescimento mais lento na China, as autoridades em Pequim quase certamente respondem com a desvalorização do renminbi. Isso também incita a mais conflitos comerciais, com repercussões negativas por toda a parte.

Um pré-requisito final para um ano tranquilo é um desfecho limitado para a investigação do procurador especial dos EUA, Robert Mueller, sobre os delitos cometidos pelo governo da Rússia e o círculo familiar Trump. Esta conclusão pode parecer estranha. Se a personalidade errática do presidente dos EUA os ‘tweets’ disruptivos e as políticas contraproducentes representam uma séria ameaça à estabilidade, certamente uma acusação mordaz de Mueller e a sua equipa, levando a Câmara dos Representantes a elaborar artigos de destituição, é a maneira mais directa de remover esse perigo.

Mas se o relatório de Mueller envolver os filhos de Trump - Donald Trump Jr., Eric Trump e Ivanka Trump e o marido Jared Kushner - ou o próprio presidente, Trump vai atacar, como faz quando sente necessidade de se defender. Os alvos prováveis incluem não apenas Mueller e a maioria democrata na Câmara dos Deputados dos EUA, mas também a FED, a China, o México e os países da América Central e da Europa, enquanto Trump impõe uma cortina de fumo económica para cobrir erros políticos. Isto perturba os mercados financeiros e diminui a confiança dos investidores. E não há um fim óbvio para a perturbação, dada a baixa probabilidade de o Senado, controlado pelos republicanos, votar para condenar Trump.

Em vez de tentarem a destituição, os democratas deveriam concentrar-se em como derrotar Trump nas próximas eleições presidenciais. Isso significa elaborar uma agenda e concordar com um candidato. Enquanto isso, só podemos cruzar os dedos e esperar o melhor. Ainda falta muito para Novembro de 2020.

Professor de Economia da Universidade da California, em Berkeley, e antigo consultor senior do FMI

A administração Trump está a minar o papel global do dólar. Ao ter reinstituído unilateralmente as sanções sobre o Irão, ameaça com penalizações as empresas que desenvolvam negócios com a república islâmica, negando-lhes acesso aos bancos dos EUA.

Esta ameaça é séria, porque os bancos dos EUA são a principal fonte dos dólares usados em transacções transfronteiriças. Segundo a Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication (SWIFT), os dólares são usados em quase metade de todos os pagamentos transfronteiriços, uma proporção que é muito maior do que o peso dos EUA na economia mundial.

Como resposta à posição da administração Trump, a Alemanha, França e Reino Unido, juntamente com a Rússia e a China, anunciaram planos para evitarem o dólar, os bancos dos EUA, e o escrutínio do governo dos EUA. O termo ‘planos’ poderá ser exagerado, já que foram revelados poucos detalhes. Mas estes três países descreveram, em termos gerais, a criação de uma entidade financeira autónoma, detida e organizada por esses governos, para facilitar as transacções entre o Irão e empresas estrangeiras.

Presumivelmente, essas empresas vão regularizar as suas contas em euros, e não em dólares, libertando-as da dependência relativamente aos bancos dos EUA. E na medida em que a entidade instrumental dos europeus também contorne a SWIFT, os EUA terão dificuldade em monitorizar as transacções entre o Irão e as empresas estrangeiras e em aplicar penalidades.

Este esquema será viável? Embora, na verdade, não existam obstáculos técnicos à criação de um canal alternativo de pagamentos, isso certamente que vai enfurecer Trump, que responderá presumivelmente com outra ronda de tarifas aduaneiras contra os países em causa. Esse, infelizmente, é o preço da independência política, pelo menos, por agora.

Depois de aprenderem uma dolorosa lição sobre a dependência do dólar, os restantes países afastar-se-ão, em termos genéricos, dessa moeda? O facto de o dólar ser tão amplamente usado torna isso difícil. Os bancos e as empresas preferem usar dólares, porque muitos outros bancos e empresas usam dólares, e esperam que as suas contrapartes façam o mesmo. Mudar para outra moeda obrigaria a uma acção coordenada. Mas tendo essa mesma coordenação sido anunciada pelos governos de três grandes países europeus, esse cenário já não poderá ser excluído.

Vale a pena relembrar o modo como o dólar ganhou proeminência internacional. Antes de 1914, não desempenhava um papel internacional de vulto. Mas um choque geopolítico, juntamente com uma alteração institucional, transformou o estado do dólar.

O choque geopolítico foi a I Grande Guerra, que trouxe dificuldades aos países neutrais para a concretização de transacções com bancos britânicos e para a liquidação de contas em libras esterlinas. A alteração institucional foi a Lei da Reserva Federal, ao criar uma entidade que aumentou a liquidez dos mercados nos créditos denominados em dólares, e permitiu, pela primeira vez, que os bancos dos EUA exercessem actividade no estrangeiro. No início da década de 1920, o dólar tinha atingido e, em algumas dimensões, ultrapassado a libra esterlina como o principal veículo para as transacções internacionais.

Este precedente sugere que seja plausível um período entre cinco a 10 anos para que os EUA possam perder o que Valéry Giscard d’Estaing, então ministro das finanças de França, apelidou famosamente de “privilégio exorbitante”, que lhes teria sido conferido por emitirem a principal moeda internacional do mundo. Isto não quer dizer que os bancos e empresas estrangeiros rejeitem completamente o dólar. Os mercados financeiros dos EUA têm grande dimensão e liquidez e é provável que assim continuem. Os bancos dos EUA exercem actividade em todo o mundo. Em particular, as empresas estrangeiras continuarão a usar dólares nas suas transacções com os EUA.

Mas, numa era de unilateralismo dos EUA, essas empresas quererão resguardar as suas apostas. Se o choque geopolítico do unilateralismo de Trump estimular uma inovação institucional que facilite o pagamento em euros às instituições bancárias e empresas europeias, então a transformação poderá ser bastante rápida. Se o Irão receber euros em vez de dólares, em pagamento das suas exportações de petróleo, usará esses euros para pagar as suas importações de mercadorias. Se as empresas de outros países ganharem euros em vez de dólares, existirá menos justificação para que os bancos centrais detenham dólares, para poderem intervir no mercado cambial estrangeiro e estabilizar a moeda local relativamente à nota verde. Neste ponto, já não seria possível retroceder.

Uma motivação para a criação do euro consistia em libertar a Europa da excessiva dependência do dólar. Essa era, do mesmo modo, uma das motivações da China para procurar a internacionalização do renminbi. Até agora, o êxito de ambos estes esforços terá sido contraditório, na melhor das hipóteses. Ao ameaçar punir a Europa e a China, Trump está, ironicamente, a ajudá-las a atingir os seus objectivos.

Além disso, Trump está a desperdiçar a vantagem dos EUA. Se colaborasse com os europeus e chineses, poderia ter ameaçado o Irão, e as empresas que aí exercem actividade, com sanções abrangentes e eficazes, caso houvesse provas de que o país não estava a cumprir as suas obrigações de desnuclearização. Mas a colaboração para assegurar o cumprimento por parte do Irão era precisamente o que previa o Plano Conjunto de Acção Comum, abandonado pela administração Trump no início deste ano.

Professor de Economia na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e ex-assessor do FMI.