ANGOLA GROWING

O nosso lixo, um serviço público

13 May. 2021 Opinião
D.R

Estado é aquela pessoa de bem que, por ser de bem, tem o orgulho e a obrigação de fazer tudo de bem para os seus contribuintes. E não ser diferente para não os defraudar. É para isso que as populações são contribuintes e pagam com o seu suor a sua quota-parte para que disso beneficiem, para o seu usufruto. Sobretudo nos últimos, anos temos ouvido, vezes sem conta, dizer a gestão de A, B, ou C, não deve ser do Estado. O Estado deve dedicar-se à sua vocação e ao que sabe.

O cidadão angolano de certeza que, muitas vezes, dá por si a perguntar-se se a premissa atrás anunciada é real e verdadeira. Isto porque o cidadão angolano vê a olhos nus uma série de falhas no seu dia-a-dia que o forçam a pensar pelo menos duas coisitas:

1.ª – Será que o Estado sabe quais são as suas funções?

2.ª – Mais preocupante, será que o Estado sabe desempenhar as suas funções?

 

É óbvio que eu não vou seguir o triste caminho de ‘gritar aos quatros ventos’ que o Estado não sabe quais são as suas funções. Não fui treinado para isso. Porém, sou da humilde opinião de que o nosso Estado parece não saber desempenhar as suas funções, ou, pelo menos, parte delas. Entro por este ‘beco’ e vou tentar explorar o meu ponto de vista.

Uma das funções do Estado é a de se responsabilizar pela educação curricular e instrução dos seus cidadãos. Assim sendo, a educação é um bem público e, como tal, a educação pública tem de ser de qualidade. Portanto, é função do Estado promover e desenvolver as condições necessárias para que a nossa educação pública seja de primeira qualidade. Nos países onde essa função é assumida pelo Estado, a educação pública é, regra geral, o que há de melhor para os cidadãos. O Estado, através dos seus agentes, dedica-se para que, durante os primeiros 10-12 anos de educação escolar, todos os seus membros sejam ‘moldados’ dentro de um conceito de educação e cidadania que vai garantir a eficiência da atitude e comportamento de tal forma que esses receptores de educação se comportem civicamente ao entrarem para a sua ‘maior idade’. Ao chegarem a adultos, os jovens estão todos muito próximo uns dos outros em termos intelectuais. Tudo nivelado por cima, eu diria.

O Estado angolano tem falhado e não tem sido capaz de satisfazer o desejo dos seus contribuintes. Assim sendo, os contribuintes mais abastados, ou, no dizer do general João Lourenço, “os marimbondos”, organizaram-se e tentaram solucionar o problema de duas maneiras contrárias à aproximação intelectual da juventude:

1.ª – Criaram centros de estudo privados

2.ª – Mandaram os filhos para fora do país

 

E foi assim que voluntariamente ou não deixaram de se preocupar com o ensino público e como tal amarrotaram o princípio de proximidade intelectual. Cerca de 0,8% dos jovens tiveram acesso às melhores escolas do mundoonde se qualificaram de modo e com média suficiente; 3,4% caminharam pelas escolas privadas nacionais e obtiveram uma educação medíocre muitas vezes com diplomas comprados, e 95,8% trilharam o sofrível caminho da educação pública. De qualquer maneira, vemos o Estado manter a liderança dos números uma vez que a maioria dominante assentou arraias na escola pública. Com todas as deficiências, a educação pública está implantada em praticamente todo o território nacional. O que falta é a qualidade e o único caminho a seguir é a sua melhoria. A educação precisa de ser gerida por gestores e não por professores. Os professores são precisos nas salas de aulas e nos centros de pesquisa onde podem e devem professorar.

Uma outra obrigação do Estado é a saúde. E, como já alguém disse alto e em bom som, a nossa saúde está doente. Contrariamente à educação, os números são ligeiramente melhores, mas não é nada que agrade a quem paga impostos. A saúde pública está mal e as ondas críticas que nos atingem periodicamente são ciclicamente avassaladoras. Os problemas que todos os anos temos já deveriam estar remediados para que não se tornassem críticos. Porém, continua tudo mal. Quantos partos são feitos nos corredores das nossas maternidades? Quantas mulheres na função de serem mães não chegam a viver para ver os seus rebentos? Quantos rebentos murcham e morrem ao desabrochar? Na maioria dos casos por situações de penúria e ‘in aptitude’ porque o Estado desempenha mal a sua função. O Estado falha na sua obrigação.

Tal como na educação, os abastados e ‘marimbondos’ viajam em aviões privados para Nova Iorque, Londres, Paris ou Lisboa para aí terem os seus filhos. E os marimbondos-avôs vão visitar os recém-nascidos em viagens de fim-de-semana. A pretendente classe média, agora significativamente empobrecida e com menos recursos disponíveis, serve-se das caríssimas clínicas privadas, ou, com a ajuda da marimbondagem, vão a Joanesburgo ou a Windhoek.

Com a devida atenção, verificamos mais de 90% dos contribuintes pisam o paupérrimo caminho da saúde pública. De qualquer maneira, vemos o Estado a manter a liderança dos números uma vez que a maioria dominante não tem alternativa que não seja “agarrar-se” à saúde pública. Com todas as deficiências e ‘in aptitudes’, a saúde pública está mais ou menos presente em praticamente todo o território nacional. O que falta é a qualidade e o único caminho a seguir é a sua melhoria. A saúde precisa de ser gerida por gestores profissionais. Os médicos são precisos nos consultórios, nas salas hospitalares e nos laboratórios de pesquisa a fazer aquilo para que foram treinados.

E, do mesmo modo que a educação e a saúde são bens públicos liderados pelo Estado, a higiene pública também tem de ser liderada pelo Estado. É o Estado que tem de fazer a limpeza do espaço público. E, da mesma maneira que a terceirização do ensino e da saúde não é universal, estando ao serviço duma minoria de endinheirados, o Estado tem de fazer a limpeza das nossas cidades. Que se deixem as empresas privadas para os condomínios privados, para os espaços reservados dos ‘marimbondos’.

A utilização de empresas contratadas tem muitos inconvenientes, dentre os quais cito alguns:

1.º - As empresas privadas têm como objectivo o lucro fácil, o que é bastante comum no nosso país.

2.º - Nenhuma empresa privada tem a competência e o interesse públicos para garantir um serviço sério e precisoacima de tudo, em primeiro lugar.

3.º - As empresas privadas são um veículo permeável à corrupção desde a sua acepção para a garantia de lucros.

4.º - Os contribuintes precisam de ver o Governo em acção para colaborarem, e,

5.º - Os contribuintes não querem ver os seus recursos serem mal utilizados com o desperdício transformado em lucros das empresas contractadas.

 

A recolha de lixo como serviço público será sempre muito mais eficiente não só em termos de limpeza das nossas cidades, mas também em termos de despesa. Os lucros chorudos que são recolhidos pelas ditas empresas de recolha permitirão certamente um salário melhorado aos funcionários que o Estado tiver recrutado e o ‘standard’ de recolha será responsabilizado e como tal mantido. O Governo provincial precisa de uma equipa de gestão de saúde pública dedicada a este problema, não um grupo de políticos com outras preocupações tais como o seu desempenho nos cargos que já ocupam. A esses gestores dever-se-á dar as condições e as ferramentas necessárias para a boa gestão do nosso lixo. O que poderá ser complicado certamente será muito mais económico, sobretudo ao analisarmos os benefícios na saúde pública que se adquirem com as nossas cidades limpas.

O povo angolano tem o direito de esperar que as suas contribuições fiscais sejam bem utilizadas e que as suas cidades sejam minimamente decentes em termos de higiene. E que nenhum dos seus funcionários receba quaisquer comissões no desempenho das suas funções.

Só assim, poderemos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E quem ganhará é o povo. O futuro promete.

António  Oliveira

António Oliveira

Partner EY, Advisory Services