E agora pergunto eu...
Seja bem-vindo, querido leitor, a este seu espaço onde já sabe que perguntar não ofende e que também foi para o ar na Rádio Essencial na sexta-feira 13, o mesmo dia em que, devido possivelmente ao medo de algum azar, não registou a esperada visita do Chefe de Estado à província mais petrolífera: Cabinda.
Será que o Chefe teve medo do azar, ou das ameaças de tala dos cabindenses zangados com o tratamento ao cabindense Augusto Tomás, que, mesmo estando em prisão, lhe é emitido mandado de prisão segundo reportes e que o jornal ‘O Crime’ designou “o preso do Presidente”? Ou terá o cancelamento só servido para evitar o azar dos cartões vermelhos que os Cabindas supostamente lhe estariam a preparar devido às faltas de tudo: de luz, de água de promessas eleitorais incumpridas? Não seria a primeira vez que um PR fugia de cartões vermelhos... Na Assembleia, o ex-PR, segundo notícias que correram na altura, terá evitado mesmo um discurso do Estado da Nação, para não ter de ver os ditos cartões... Caso para dizer “isso é azar”, no entanto, na noite anterior tinha visto o noticiário e ouvido montes de ‘boas notícias’ que contrastavam com qualquer azar possível.
Eu, que dizia aqui na semana passada que ninguém quer aceitar os convites ao investimento em que o PR se desdobra há quatro anos, fiquei feliz de ouvir o embaixador da Argentina a assegurar uma fábrica e 500 empregos, excelentes notícias do tipo de que, de facto, precisamos mais. Depois, houve boas notícias para a juventude. Depois, boas notícias para os antigos combatentes. Depois, excelentes notícias para a investigação científica com um fundo para o apetrechamento de laboratórios e até boas noticias para as comunidades que sofrem com a seca: “socorro vai a caminho”...
Tanta boa notícia, durante tanto tempo – em permanente contraste com a percepção generalizada de um deteriorar profundo das condições de vida do país – vai corroendo a credibilidade dos órgãos públicos. Esse contraste entre as coisas boas de que falam e as más que vemos e sentimos, e outros factores como a atribuição de importância noticiosa de acordo com motivações políticas e que é perceptível, por um lado, pelo encadeamento dado às peças (reportagens ou notícias), e por outro, pelo tempo que é dedicado a cada peça, contribuem para essa corrosão.
Nesse noticiário, enquanto um encontro sobre coligações em que falava o líder da Casa-CE, (a Oposição com a qual o poder aceita conviver), teve direito a um minuto e 24 segundos de tempo de antena, a notícia que, de facto, marcava a actualidade, o pedido de demissão do Presidente do Tribunal Constitucional, um órgão de soberania, teve 19 segundos de tempo de antena... É verdade que a notícia foi de abertura e que era fresca, portanto, poderia não ter havido muito tempo para uma reportagem em condições com todas as explicações que uma demissão do topo de um órgão de soberania exige. Mas não houve, sequer, uma explicação básica (nem simulação de que se queria saber a explicação, apesar de o SR. se ter demarcado da revisão constitucional que classificou como “suicídio do Estado democrático de direito”. Não houve contextualização da notícia, nem um simples entrou na data x ou estava lá há x tempo – nada –, só um seco “apresentou a demissão que foi aceite pelo Presidente da República... Em qualquer país normal, uma demissão desta ordem daria azo a directos de todos os lados, a comentários de varia ordem e com diferentes perspectivas e leituras. Aqui, um órgão de soberania é mencionado como que a fugir de um assunto desconfortável à espera que exista uma posição mediática aprovada pelo poder que manda na pauta.
Mas, querido leitor, vou repetir – os profissionais dos órgãos públicos, a jornalista que dava a cara pela produção – não são culpados pelo que enferma os nossos media públicos e os tornam num instrumento de propaganda de ‘notícias felizes’ que, depois de tantos anos e de cada vez mais miséria, vão irritando cada vez mais gente. Os jornalistas não são os responsáveis. Também esses profissionais, no início do mandato que prometia liberdade de imprensa, que prometia acabar com a bajulação – apesar de andar hoje a debater as dimensões do perdão presidencial –acreditaram piamente e fizeram um jornalismo bem mais capaz, mais fiscalizador, mais independente e mais condizente com a democracia que dizemos ser e querer. Isto antes de as ‘ordens superiores’ lhes voltarem a cortar as asas. E lembro isto várias vezes aqui, porque vejo online, e voltei a ver esta semana, demasiados sinais de animosidade mal dirigida a esses profissionais dos media públicos que são a cara que se associa a tudo o que vai mal com os órgãos de comunicação pagos pelo Estado.
Li esta semana um post que dizia que uma equipa dos média públicos um câmara e um jornalista foram insultados e quase ameaçados num Comício da Oposição. Este assunto, para além de ser preocupação, porque pessoalmente tenho funções num órgão internacional de proteção aos jornalistas, o Comitee to Protect Journalists, que vai estender essa protecção na medida do possível sempre sem qualquer discriminação entre jornalistas dos média públicos ou privados, mas este é um assunto preocupante porque a Oposição que quer ser governo continua a não fazer um trabalho bom o suficiente a educar as suas próprias fileiras para a assumpção de um discurso mais de Estado e mais de futuro, sem foco nas mesmas vinganças abjectas a que temos estado a assistir com o partido no poder. Mudar para ter mais do mesmo só mudando as moscas não difere da mudança que se registou nos últimos quatro anos.
Aquela atitude de “quando for a nossa vez é que vão ver”, ou como li num dos comentários a um jornalista dos média públicos, que dizia mais ou menos “quando a Unita for poder é melhor imigrar”, não faz nada pelo aumento da simpatia e da confiança do eleitorado que a Oposição quer assegurar. É preciso fazer diferente para termos, a nível social, resultados diferentes e para encerrarmos os ciclos de vinganças e podermos olhar para frente e avançar para frente em vez de continuarmos mergulhados na mesquinharia e pequenez que temos visto que não leva a lugar nenhum.
Adalberto Costa Júnior esteve na Essencial e foi impressionante como, em menos de nada, só no Facebook, a transmissão se espalhou como um rastilho com vários milhares de pessoas a assistir em directo e à gravação em mais uma confirmação da popularidade que o líder tem e que já se tinha visto com a entrevista que deu à RTP África – outra vergonha grande para os nossos media públicos que continuam a ter de fingir que ele não existe só porque o MPLA insiste em escolher o opositor com que vai concorrer e se arroga no direito de decidir quem está e quem não está por um fio até no partido dos outros... Só mesmo o partido no poder para querer ‘exonerar’ até no partido alheio. Os comunicados do partido cada vez mais vão dando tiros nos pés, nas patas, nos cascos, nos chipes (sabe-se lá que tipo de bicho serve de inspiração) de quem os escreve, aprova e dissemina, é impressionante que o partido no poder assuma assim o controlo que tem e quer manter sobre os outros órgãos de soberania e de justiça, é que já nem parece ser preciso disfarçar...
Mas voltando à Oposição, pergunto-me se, com toda a capacidade de retórica que tem, com a capacidade que tem de inspirar os seus seguidores, será que Adalberto Costa Júnior será capaz de passar essa mensagem anti-vinganças entre os seus? Uma mensagem verdadeira de união e de recomeço? O líder da Unita foi claro em dizer que vai integrar membros do MPLA e afins, mas será que já conseguiu tornar essa mensagem de recomeço sem bandeiras partidárias suficientemente aceite?
Os profissionais dos media públicos, como qualquer um de nós eleitores, precisam de segurança da parte da Oposição que se propõe ser poder, de que o seu futuro não vai pelo ralo se o partido no poder for. E agora pergunto eu, estará a Oposição preparada para oferecer essa segurança? E claro, não só aos jornalistas, mas a todos? A funcionários do Estado, a técnicos a integrantes do sistema. Uma garantia de que o partidarismo acima de Estado e meritocracia têm os dias contados? É que é disso que o país precisa. Não basta surfar a onda do cansaço generalizado com o quase meio século ininterrupto de MPLA. Um recomeço que ponha o País, definitivamente, à frente e acima de partido deve ser o objectivo, será a Oposição capaz? E de demonstrar claramente que é capaz?
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