Redução dos preços da cesta básica bloqueada por ‘n’ obstáculos
PRODUÇÃO E COMÉRCIO. Apoios insuficientes à produção nacional, cartéis instalados na importação de produtos alimentares, política proteccionista do Governo, alterações na oferta mundial, face às alterações climáticas e à pandemia... Eis o conjunto de constrangimentos que impedem a redução dos preços da cesta básica no curto prazo, segundo vários operadores económicos.
Depois de recentemente o secretário provincial do MPLA, Bento Bento, garantir que o presidente do MPLA e da República está a trabalhar para baixar os preços da cesta básica, esta segunda-feira foi a vez do ministro da Indústria e Comércio, Victor Fernandes, estimar que, a partir de Outubro, os preços vão começar a baixar, com a implementação da Reserva Estratégica Alimentar.
Economistas, empresários e outros operadores económicos, consultados pelo Valor Económico, não vêem, entretanto, qualquer possibilidade de intervenção do Governo, nos próximos meses, no sentido de forçar a baixa dos preços, através de “mecanismos sustentáveis”.
Pelo supermercado Candando, um dos seus responsáveis para a área de importação entende que “travar a subida dos preços é uma tarefa impossível”, tendo em conta a evolução dos preços, nos últimos cinco anos, de algumas das matérias-primas da indústria alimentar. “Milho, trigo, soja e açúcar estão em máximos históricos e, se estas matérias-primas sobem de custo, mais tarde ou mais cedo, todos os produtos alimentares e pecuários subirão também. Esta primeira abordagem é global e afecta o mundo como um todo e, como tal, está fora do controlo do Estado”, explica o gestor, ao mesmo tempo que sinaliza outros constrangimentos. “A política proteccionista assumida pelo Estado angolano potencia, neste momento, a subida de preços. Ora, se faz sentido fomentar a produção nacional, não se deve fazê-lo aceitando que se incorporem ineficiências ou oportunismos. O que vemos é uma enorme pressão sobre o preço dos produtos na venda a retalho e não um controlo efectivo e uma supervisão activa dos preços de custo na venda da produção a retalho”, detalha, insistindo que “o Governo deveria actuar, em primeira mão, no preço de custo a que os artigos são disponibilizados ao mercado e só depois actuar no preço de venda ao público”. Alertando para a pressão “demasiado alta” sobre o retalho, o operador nota que o Governo deve entender “que a pressão para baixar preços de venda e ter preços mais competitivos é, em primeiro lugar, auto-imposta a cada retalhista de forma a não perder vendas pelas dificuldades económicas que se sentem na população e, consequentemente, pela perda de vendas globais que isso acarreta aos retalhistas”. No entanto, acautela o gestor, “o retalho não faz milagres e, se o preço de custo dos produtos sobe na origem, se os custos de exploração não baixam, bem pelo contrário, se as vendas baixam por dificuldades económicas da população ou por efeito de uma maior concorrência, as margens praticadas não podem continuar a baixar ‘ad eternum’”. Em resumo, aconselha, “o Governo deve adicionar à sua estratégia de fomento da produção nacional e limitação das importações um maior controlo dos preços de custo dos produtos à saída para o mercado e não apenas impor controlo no preço de venda praticado pelos retalhistas. No entanto, face à conjuntura actual, não será possível garantir que os preços de venda ao público não subam”.
Mais categórica é a empresária Filomena Oliveira, para quem não é possível baixar os custos dos preços da cesta básica no médio e longo prazos, face aos constrangimentos do mercado internacional, afectado pelas alterações climáticas que têm derrubado safras, como no Brasil, além da covid-19, fenómenos que tornaram as importações mais caras.
Filomena Oliveira reprova o “constante recurso” à importação de “uma cesta básica com 90% de carbohidratos”, quando se devia olhar para formação e produção interna. Para a empresária, a importação de produtos “só potencia os cartéis que controlam essas importações”, já que, para a definição dos produtos, não houve consulta pública. “A cesta básica não foi validada pelos angolanos”, afirma a empresária, reforçando que “os dez maiores importadores não figuram na lista dos 100 maiores contribuintes do país”. Logo, diz ainda, “o que esse cartel quer é continuar com a máfia da importação, porque 30% do valor dessa importação fica lá fora, sendo mais grave o facto de serem importadores e, ao mesmo tempo, retalhistas”.
Manifestando-se inconformada com as políticas, Oliveira alerta que “a drenagem de divisas para a importação vai alimentar famílias lá fora”, em prejuízo do impulso à formação técnico-profissional e da transformação local de produtos para a sua integração na cesta básica. “Os importadores têm um grande lobby. Mas nós temos de redireccionar os nossos hábitos porque o planeta todo está em crise. Temos hábitos adquiridos que nos tornam dependentes do estrangeiro. Temos terra, água e milhões de jovens desempregados, falta-nos conhecimento e tecnologia e não importar comida”, insiste.
SUBVENÇÃO “CARA”
“De onde virá a oferta? Esta é a grande questão.” A interrogação do economista Leão Peres, antigo administrador do BNA, lança dúvidas quanto à possibilidade de efectivação da ambição do Governo, lembrando que grande parte dos produtos são importados e, por isso, os custos estão muito dependentes da taxa de câmbio. Sobre a hipótese de subvenção dos preços, Peres considera que não seria “a via mais sustentável”, já que “a alteração depende dos níveis das reservas internacionais líquidas que andam muito em baixo”. Mas não é apenas isso. Além de representar uma “carga financeira para o Governo”, a subvenção à importação teria eventuais “efeitos reduzidos e de curto prazo”.
Leão Peres aponta, por isso, a alternativa da isenção da importação, mas deixando claro que a “via sustentável” seria a da produção interna através de subsídios à produção, apesar de levar tempo. Outra possibilidade seria a aposta em medidas de inspecção e rigor, uma vez que “há uma grande dose de especulação”.
Considerando-o “pouco sustentável”, o caminho das subvenções para a redução dos preços é desaconselhado também pelos economistas Arlindo Sicato e Sapalo António, com este último a rotulá-lo como uma opção “eleitoralista”.“Porque, quando passar essa euforia, mesmo com a aplicação de medidas administrativas, com recurso ao dinheiro do petróleo, no fim tudo, voltará ao mesmo ou ainda pior”, precisa Sapalo António, insistindo que, com a política cambial a ditar as regras perante uma moeda fraca, “Angola acaba por não ter hipóteses”.
Para um gestor de uma das maiores redes de distribuição do país, que não quis ser identificado, o Governo deveria preparar um conjunto de instrumentos de redução das taxas de importação dos produtos “em permanente concertação com os privados”. O empresário, concorda com a subvenção não só das taxas de importação, mas sobretudo do combustível para a agricultura empresarial e familiar. “É preciso garantir, por exemplo, a subvenção dos combustíveis aos produtores formais, beneficiando também o produtor informal, ou seja, a agricultura familiar. É preciso estimular o produtor interno, olhando, ao mesmo tempo, para um quadro de importação por quotas, ou seja, gastar divisas apenas para suprir a insuficiência de determinado produto”, propõe o gestor, lembrando que “a produção interna não é competitiva nem não cobre a demanda”.
O CAMINHO PARA A REDUÇÃO…
Em Abril, a Comissão Económica do Conselho de Ministros aprovou um documento, visando a ‘estabilização dos preços dos bens alimentares’, com ‘propostas de medidas pontuais, temporárias e urgentes’, para a redução dos preços num horizonte de quatro meses.
O instrutivo previa, nomeadamente, uma maior flexibilidade no processo de importação dos produtos da cesta básica, a realização de encontros de concertação com os principais produtores e importadores de produtos alimentares e a criação de condições efectivas para a implementação da Reserva Estratégica Alimentar. Quatro meses depois, nada avançou, registando-se um aumento dos preços de forma descontrolada.
A 6 de Agosto, o BNA reuniu-se com os agentes económicos no sentido de obter subsídios que contribuam para o alcance da estabilidade de preços. Na ocasião, os operadores do sector alimentar apontaram os efeitos da pandemia sobre o aumento dos custos dos bens importados, bem como a insuficiente oferta de bens alimentares produzidos no país e o efeito deferido de parte dos ajustamentos macroeconómicos, como principais factores de influência sobre o comportamento dos preços dos alimentos.
BCI fica com edifício do Big One por ordem do Tribunal de...