A Política Cambial em Angola: Um Pequeno Contributo
O valor de uma moeda como de qualquer outro bem depende da procura e da oferta agregada e não da fixação administrativa da taxa de câmbio por uma autoridade bancária central.
Por isso, importa referir que qualquer banco central que tente fixar o preço de uma moeda na sua relação com outras deve considerar por isso as condições reais do mercado, a procura e a oferta. Estabelecer uma taxa de câmbio diferente das condições do mercado vai traduzir-se num valor meramente artificial e só possível num contexto em que os Bancos Centrais possuem reservas internacionais em quantidade suficiente para defender a moeda e sustentar uma paridade artificial.
Esse é o caso de Angola, onde a taxa de câmbio fixa do Kwanza na sua relação com outras moedas foi uma consequência da gestão cambial do Banco Nacional de Angola (BNA) e não seguiu uma lógica de mercado, o que só foi possível através das vendas de divisas em leilões aos Bancos comerciais para satisfazer a procura dos agentes económicos por moeda estrangeira (essencialmente dólares).
Manter essa paridade artificial foi possível no período pós-guerra graças à acumulação de enormes Reservas Internacionais Líquidas (RIL), resultado das receitas de crude que representaram em 2014 cerca de 98% das nossas exportações, de acordo com o Centro de Desenvolvimento Internacional da Universidade de Harvard.
Essencialmente o BNA manteve nos últimos anos uma taxa de câmbio fixa. E o eterno problema das taxas de câmbio fixas é que só funcionam quando os bancos centrais têm reservas suficientes em moeda estrangeira para satisfazer à procura. A partir do momento em que os bancos centrais deixam de acumular reservas internacionais em quantidade suficiente para satisfazer a procura, a manutenção dessas paridades deixa de ser possível e foi isso que ocorreu em Angola.
A queda significativa dos preços do petróleo a partir de meados de 2014 afectou de forma significativa a capacidade do BNA de disponibilizar divisas (do lado da oferta) em quantidade suficiente para satisfazer a procura no mercado nacional. Por isso, nessa altura, começámos a ver uma diferença significativa entre a taxa oficial (definida pelo BNA) e a taxa de câmbio no mercado paralelo e voltamos em parte aos anos 90.
O que é surpreendente é ver defensores de uma taxa de câmbio fixa como aquela que foi praticada pelo BNA nos últimos 15 anos (ajustada em diversas ocasiões) sem considerar de forma objectiva os custos de oportunidade de milhares de milhões (ou biliões na designação Anglo-Saxónica) de dólares despendidos pelo BNA para defender uma taxa artificial, valor esse que poderia hoje estar guardado num Fundo de Estabilização ou no nosso Fundo Soberano, se Angola tivesse praticado uma taxa de câmbio mais flexível.
Por essa razão, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional têm sido muito críticos dessa gestão espartana da taxa de câmbio e esta última instituição, no seu último relatório de Fevereiro, recomenda mais uma vez a adopção de uma taxa de câmbio mais flexível1.
Outro aspecto negativo e desvalorizado pelos defensores da taxa de câmbio fixa é o facto do preço do kwanza na sua relação com outras moedas ter sido muito alto, o que obviamente afectou os custos competitivos dos agentes económicos baseados em Angola e criou incentivos para o aumento das importações, porque, com um Kwanza forte, os bens e serviços no exterior se tornam mais baratos.
Esse fenómeno liga-se à “doença holandesa”2 que, na sua essência, provoca uma apreciação da taxa de câmbio, em virtude do influxo de divisas derivado das receitas de petróleo e o consequente aumento das importações. Todos os países exportadores de petróleo sofrem com esse fenómeno, incluindo países como a Noruega e obviamente isso dificulta os esforços de diversificação económica.
Manter uma taxa de câmbio artificialmente alta só é possível com a venda de divisas por parte do BNA num contexto de enormes reservas internacionais. Com a queda do preço de petróleo, as nossas RIL estavam estimadas em 2016 em cerca de 22 mil milhões de dólares e apenas chegavam para pagar cerca de oito meses de importações, devendo esse valor baixar para 6 meses em 2017 de acordo com o último relatório do FMI.
Um exemplo de uma gestão de uma taxa de câmbio fixa com sucesso é feita pela Autoridade Monetária de Hong-Kong que consegue manter a paridade da sua moeda baseada em pelo menos 100% de reservas internacionais. Singapura também oferece um exemplo semelhante. Não é isso que ocorre ou vai ocorrer em Angola por isso devemos abandonar o modelo de taxa de câmbio fixa e passar rapidamente para uma taxa de câmbio mais flexível. O colapso da economia Argentina em 2001/2002 demonstra os problemas das taxas de câmbios fixas e a sua insustentabilidade em contextos semelhantes aos nossos.
No caso Angolano, no longo prazo é impossível e contraproducente manter uma taxa de câmbio fixa, mesmo em momentos de acumulação significativa das RIL, considerando os factores referidos anteriormente e não é por acaso que esse sistema funciona para economias pequenas, abertas ao exterior e com bancos centrais verdadeiramente independentes.
O kwanza não é uma moeda livremente convertível e o seu valor é determinado essencialmente pela sua relação com o dólar e com as Reservas Internacionais Líquidas geridas pelo BNA. Não é uma taxa de câmbio que reflecte as condições objectivas do mercado ou serve a necessidade de diversificação económica porque se baseia numa paridade artificial e prejudica a competitividade da nossa economia, tornando mais caros os preços de bens e serviços produzidos em Angola.
Se, por um lado, uma moeda forte (artificialmente mantida pelo BNA) ajuda na contenção da inflação e nas compras dos Angolanos no exterior, por outro estimula ainda mais as importações e despesas no exterior e só funciona com a acumulação de RIL, que hoje não é possível em virtude da queda do preço do petróleo.
Para acrescer ao problema de Angola, a dependência da economia nas importações que são pagas em moeda estrangeira contribui ainda mais para diminuir a procura pelo kwanza pelos agentes económicos.
Por isso, devemos olhar para uma reforma profunda do kwanza e para a sua liberalização e convertibilidade total nos mercados internacionais e devemos por isso adoptar uma taxa de câmbio flexível e não fixa. Só assim poderemos atenuar os piores efeitos da doença holandesa que forçam a apreciação das moedas dos países exportadores de crude e assim podemos contribuir para a nossa competitividade em termos de custos e ajudar nos esforços da tão debatida diversificação económica.
1- Relatório do FMI nº17/ 39 de Fevereiro de 2017.: https://www.imf.org/en/Publications/CR/Issues/2017/02/06/Angola-2016-Article-IV-Consultation-Press-Release-Staff-Report-and-Statement-by-the-44628
2- O termo foi criado pela revista Britânica, The Economist em 1977, (“Dutch Disease”) ver: http://www.economist.com/blogs/economist-explains/2014/11/economist-explains-2
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