A selecção em vez da Agricultura

27 Nov. 2024 Suely de Melo Opinião
A selecção em vez da Agricultura

 

A Argentina é um dos principais produtores de alimentos do mundo; é um dos maiores produtores mundiais de soja, milho, semente de girassol, limão, pêra e erva-mate; é um dos 10 maiores produtores mundiais de cevada, uva, alcachofra, tabaco e algodão; é um dos 15 maiores produtores mundiais de trigo, cana-de-açúcar, sorgo e toranja; é o maior exportador mundial de amendoim; é o segundo maior produtor mundial de orgânicos, depois da Austrália.

O sector agropecuário responde por cerca de 50% de tudo o que é exportado. Pesquisas rápidas dizem-nos que o campo contribuiu com mais de 23% do PIB do país em 2023, ou seja, cerca de 124 mil milhões de dólares. Portanto, um mar de oportunidades tanto para a importação de alimento que bem falta à mesa dos angolanos. Mas, mais do que isso, para a aquisição de know-how para também Angola, com o leque de potencialidades à disposição de serem melhor exploradas, não apenas para o abastecimento interno, mas também para se tornar um player significativo a nível internacional.

Bem... É o que qualquer um com dois dedos de testa pensaria… Mas não! Estamos mais preocupados com a ‘nguenda’. Por isso, em vez de contentores de carne de boa qualidade, ou de agrónomos que nos deem a patada para também nós chegarmos lá, eis o que vamos buscar: um amistoso de futebol.

Se dúvidas ainda restavam de que não se tem uma visão e uma estratégia claras para o país, com certeza estão dissipadas. Os angolanos são sim amantes do futebol, mas isso não os impediu de, no jogo da selecção, na semana passada, terem lembrado a sua excelência que há fome no país. Mas para surpresa de um total de zero pessoas o camarada presidente não ouviu o clamor do povo e decidiu encher-lhes a barriga com um amistoso entre as selecções de Angola e da Argentina. Afinal o discurso que foi fazer ao Brasil de que acabaria com a fome em Angola até 2030 não passou disso mesmo e a verdade é que continua a achar que a fome é relativa. Os defensores de plantão e os bocas de aluguer talvez dirão que esse amistoso com a Argentina pode trazer visibilidade e até alguns benefícios ao país. Mas o que mais falta para se perceber que o buraco é mais fundo e que enquanto não se fizerem reformas profundas, o ‘escancaramento’ das portas com a isenção de vistos, a vinda de Joe Bidens, os amistosos com os grandes não vão passar de mero exercício de cosmética?! E a boa-nova foi dada pelo presidente do MPLA numa actividade do partido. Não está claro se apenas os ‘MPLELISTAS’ estão convidados para o amistoso, e o resto dos angolanos serão ‘coados’, ou se se trata apenas da já constrangedora dificuldade de João Lourenço de diferenciar os papeis. Mas isso também pode ser explicado com a teoria de Álvaro de Boavida Neto, antigo secretário-geral do partido, que não nos é propriamente alheia, segundo a qual os seus camaradas pensam que são os donos do país. Essa teoria explica igualmente o mete-tira, que parece ser o hobby favorito do chefe de Estado. Ora esta semana houve mais mexidas e até quem ainda nem tinha esquentado a cadeira teve de se levantar. É o caso da ministra do Ensino Superior, Paula de Oliveira, que ocupava o cargo há coisa de 4 meses e que três dias antes de ser enxotada empossou novos quadros lhe fazerem companhia nos os cargos de direcção e chefia.

O ministro da Agricultura e Florestas que, há uns anos, considerou João Lourenço um “diamante raro” também foi enxotado e agora vai ter de ir procurar joias raras em outra freguesia. António Francisco de Assis foi substituído por Isaac dos Anjos que também há dois anos manifestou grande alegria por, em 47 anos, na altura, o país já estar a produzir… palitos. É de facto um regozijo ter uma fábrica de palitos. Só falta a carne para os angolanos terem o que palitar…

*Crónica do programa ‘Dias Andados’, referente ao dia 21 de Novembro de 2024