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Combate à praga de gafanhotos

E se a emenda for pior do que o soneto?

26 May. 2021 Observatório

DESTAQUE. Praga de gafanhotos que, até meados deste mês, já havia devastado mais de 500 áreas de cultivo no sul do país e que continua a sua viagem devastadora em busca de comida, é uma das grandes ameaças actuais à segurança alimentar no país. Ministério da Agricultura e Pescas alerta que o ano agrícola está seriamente comprometido.

 E se a emenda for pior do que o soneto?

O ministro da Agricultura e Pescas, Francisco de Assis, a reconhecer a exiguidade de meios de combate à praga, num webinar realizado na semana passada, em Luanda, o representante em Angola do Fundo das Nações para Alimentação e Agricultura (FAO), Gherda Barreto, reforça que não se trata de uma tarefa “fácil”, mesmo com recurso a satélites e disponibilidade financeira. “Porque esta é uma das pragas mais destrutivas que mais ameaçam a segurança alimentar”, justifica.

Lembrando que a FAO trabalha, há muitos anos, na monitoria da praga de gafanhotos na Ásia e no Leste de África, Barreto menciona a vastidão das áreas efectadas para dimensionar o grau de dificuldades no combate à praga. “São no total 16 milhões a 30 milhões de km2 de área coberta por gafanhotos. Por isso gasta-se muito dinheiro, mas é difícil controlar a praga”, reforçou a executiva da FAO que defende um processo de formação de brigadas de ataque ao fenómeno mais extensivo e que estejam preparadas para intervenções pontuais no terreno.

O comando geral da protecção civil e bombeiros fez um balanço de uma visita de 12 dias efectuada pelo comandante-geral, Bensau Mateus, à região afectada e disse que “para conter a vaga de gafanhotos, a Força Aérea Nacional, com o apoio do Serviço de Protecção Civil e Bombeiros, está a pulverizar os campos e capacitar os camponeses que combatem os gafanhotos, estando disponíveis três aeronaves”, lê-se no ‘Jornal de Angola’.

"As populações foram aconselhadas a abandonar as zonas de risco para estarem alojadas em áreas mais seguras e com mínimas condições, mas, por questões culturais, acabam por regressar às zonas onde já saíram, colocando em risco a própria vida”, explicou o porta-voz do Serviço de Protecção Civil e Bombeiros, Félix Domingos, que referiu que a província mais afectada foi a do Cunene em que a praga comprometeu a produção de massambala e massango.

 

Huíla antecipa-se

A província da Huíla antecipou-se à comissão multissectorial no combate à praga de gafanhotos e pediu ‘socorro’ a uma empresa local Henrique C & Filhos que respondeu com a oferta de embalagens de Cipermetrina, insecticida fabricado pelos chineses da Yufull Industry C, Ltd. “O governo provincial pediu e, como tínhamos o produto armazenado para operações de desinfestação, simplesmente oferecemos sem qualquer contrapartida financeira”, afirmou sem revelar quantidades disponibilizadas, Henrique Cambanje, ‘patrão’ da firma com interesses em vários sectores do comércio de representação, entre outros negócios, e que também se tem destacado no apoio às iniciativas do governo huilano.

O engenheiro agrónomo Lutero Campos, antigo director provincial da agricultura, assegura que o inseticida é dos recomendados no combate a pragas que afectam as plantas, incluindo a de gafanhotos, mas alerta para o perigo para os humanos, por se tratar de um produto com elevado nível de toxidade.

“Deve ser bem manuseado por pessoas abalizadas. Este produto mata tudo, desde baratas, moscas, mosquitos, e mesmo gafanhotos, mas tem o grau de toxicidade extremamente letal também para o homem. É recomendável, para quem esteja a pulverizar após a operação tomar leite, entre outras precauções, sob pena de contrair doença e morrer”, avisou ainda Lutero Campos que, entretanto, põe em causa a eficácia dos métodos de combate à ‘nuvem’ de gafanhotos, “por se tratar de bichos migratórios e inteligentes”.

Opinião partilhada pelo também engenheiro agrónomo Benedito Ornela, que lembra acontecimentos idênticos nos anos 70, no Moxico, em que a administração colonial, pouco conseguiu fazer para travar a fúria dos gafanhotos. “Mesmo com meios à disposição, os gafanhotos destruíram as lavras dos camponeses levando-os à fome”, acrescentou Ornela que aponta os solos arenosos e condições de humidade calor como propícios para a proliferação do gafanhoto vermelho que arrasa tudo por onde passa, das folhas aos grãos.

O professor e agrónomo acrescenta que os pesticidas usados em Angola para controlo da praga, apesar de ser “a solução emergencial”, tem custos elevados para o meio ambiente e para a saúde humana e lembra que “infelizmente na ânsia de controlar esta praga, aplicações de pesticidas têm sido feitas empiricamente no país”.

O VALOR contactou um agricultor local de pequena escala que recebeu das mãos dos técnicos um pesticida de nome Mosquito, mesmo não dispondo de qualquer informação sobre o uso do mesmo ou sobre a necessidade de uso de materiais de protecção que também não acompanharam a distribuição gratuita do pesticida. Na região, os agricultores de subsistência foram avisados da pulverização aérea e instruídos a procurar refúgio noutras zonas, no entanto dois que falaram a este jornal não souberam explicar para onde iriam nem por quanto tempo deveriam ficar afastados das lavras, ficando evidente a falta de domínio da informação dificultada pelo fraco domínio do português entre as comunidades.

O engenheiro agrónomo Adriano Bingobingo lembra mesmo que a estratégia de combate à praga, fazendo recurso a estes pesticidas e tendo em conta o manuseio empírico, “não servirá para solucionar a situação, porque estes tipos de pulverizações matam poucos e geralmente em fases de crescimento mais juvenis, sendo mais eficientes durante a noite quando os gafanhotos estão pausados”.

Alguns dos pesticidas usados foram também banidos em países da União Europeia pelo nível de toxicidade por ser “altamente tóxico para os mamíferos, pássaros, peixes, invertebrados aquáticos e abelhas melíferas e é classificado como tóxico para a reprodução, neurotóxico, e irritante para a pele e os olhos”. No entender do agrónomo “produtos como este não deveriam ser aprovados em Angola, menos ainda nesta situação em que está a ser manuseado empiricamente em alguns locais, colocando em risco a saúde de quem os aplica, das populações ao redor e a segurança ambiental”.

Para controlo destas pragas, Bingobingo sugere o recurso a biopesticidas ou a meios de luta alternativos como a luta biotécnica, através da utilização de feromonas ou de predadores como a China fez usando patos nas fases iniciais da praga que carecem de preparo antecipado.

 

CAIXA

Bichos no cardápio

Os ‘gafanhotos vermelhos’ que estão a destruir as lavras dos camponeses no Sul do país são comestíveis e também podem ser aproveitados para o fabrico de ração animal, à guisa de outros países africanos, aconselha o consultor da FAO. Domingos Panzo diz mesmo que não devemos subestimar o potencial dos gafanhotos em termos alimentares. “Por recomendações de entidades como a própria FAO, temos que perceber que, no futuro, teremos de incluir na dieta regularmente insectos, porque a criação de gado bovino, por exemplo, provoca metano que destrói a camada de ozono”, explica.

Domingos Panzo cita o exemplo do Quénia onde os gafanhotos são apanhados à noite através de redes e depois, além de servirem como petisco comercializado em supermercados, são também processados para a ração animal. 

No caso angolano, observa o consultor, “o que se recomenda é que os gafanhotos não devem ser consumidos, por serem migratórios e por isso estão sujeitos a  serem envenenados em várias direcções”.