“As editoras pagam os mesmos impostos das bebidas espirituosas”
ENTREVISTA. O dono da Mayamba Editora lamenta que quem produz livros pague os mesmos impostos que os vendedores de bebidas espirituosas. Em entrevista ao VALOR, Arlindo Isabel lembra as “responsabilidades inalienáveis” do Estado para com o livro e defende que devem ser as editoras nacionais a editar os manuais escolares.
Em que medida a crise afectou a edição de livros?
A impressão feita localmente já era cara, mas voltou a registar um incremento, de tal sorte que qualquer livro impresso em Angola entra no mercado a preço muito elevado, o que inibe as vendas. Para o consumidor, que, em virtude da inflação, viu diminuir o poder de compra e como o livro nunca esteve nas prioridades da maioria das famílias, a situação agudizou-se ainda mais com a crise.
Como funciona a edição de livros na ‘Mayamba’?
Cuidamos do original até à fase de ir para a impressão, isto é, fazemos a revisão linguística e, às vezes, de conteúdo, da paginação/maquetagem e da capa. A impressão é feita em gráficas, que são indústrias. Depois de impresso, volta à editora para tratar do lançamento/apresentação, da distribuição pelas livrarias clássicas e pelas grandes superfícies comerciais, da promoção e venda em feiras e exposições.
Por que razão a ‘Mayamba’ não tem projectos para a descoberta e lançamento de autores jovens?
Os autores, jovens ou não, sabem da existência da Mayamba. Muitos vão ter connosco, submetem-nos os projectos e, depois de avaliados, decidimos ou não publicá-los. E alguns têm sido publicados. É evidente que não podemos publicar todos. Não é possível! Não é possível que uma editora consiga satisfazer as solicitações de todos os autores. A grande limitação prende-se com os custos editoriais e pelas condições estruturais.
Há quem entenda que as editoras não se preparam e, depois, culpam o Estado pelas dificuldades…
Nunca culpei o Estado. Quem cria uma empresa deve, em primeiro lugar, avaliar os riscos. O Estado, entretanto, tem responsabilidades inalienáveis, como definir e aprovar uma política do livro coerente e ajustada ao contexto nacional, em que um dos eixos seja criar uma verdadeira rede de bibliotecas públicas (provinciais e municipais) e escolares e dotá-las de ‘fundos de aquisição’ que as habilite a comprar dois a três exemplares de cada título produzido pelas editoras angolanas. Só esta medida poderia significar a venda directa de cerca de 1/3 de cada edição de uma editora; confiar, exclusivamente, às editoras angolanas o negócio dos manuais escolares. Outro eixo é reduzir ou mesmo isentar as editoras do pagamento de impostos por 20 anos, que pendem sobre as empresas de edição, porque o negócio do livro não é um negócio qualquer. As editoras angolanas, dignas desse nome, fiscalmente colectadas, pagam os mesmos impostos como quem vende bebidas espirituosas, como o famoso e criminal The Best, e tabaco. O Estado ganharia mais com uma produção cultural de qualidade e barata, acessível a todos os estratos sociais.
Actualmente, quanto custa a edição de um livro?
Depende das características do livro: do volume, formato, tipo de papel, tiragem; se é ficção ou se é ensaio. Como em relação à carne, depende de quantos quilos e da qualidade, se é de primeira, segunda ou terceira.
Alguns dos melhores escritores da actualidade publicam em editoras estrangeiras. As angolanas não os atraem?
Julgo não ser por um problema de falta de qualidade e de confiança nas editoras angolanas. É uma questão do contrato que cada um assinou com a respectiva editora estrangeira. Suspeito que alguns assinaram contratos de exclusividade extensivos a todo o espaço de língua portuguesa. Não conheço os termos dos referidos contratos, por isso, não posso ser preciso.
Poderia viver só como editor de livros?
Sim! É arriscado, mas é possível.
Como funciona a parceria com os escritores publicados pela Mayamba?
A relação é regida por contratos individuais de livro a livro com cada autor/escritor. Que percentagem o autor, publicado pela Mayamba, recebe pela venda de livros? Universalmente, as percentagens para direitos de autor variam entre cinco e 10% (poesia), 10 e 12% (ficção narrativa e ensaio). Pode haver contratos que podem ser mais negociados caso a caso.
PERFIL
Arlindo João Carlos Isabel ?nasceu na Damba, no Uíge, a 18 de Janeiro de 1960. Jornalista de formação, com licenciatura e mestrado na Universidade Oriente de Cuba, é casado e já foi director do Instituto Nacional do Livro e do Disco. Actualmente, partilha a função de editor literário (e dono) da Mayamba Editora com o cargo de chefe do gabinete de informação científica e documentação da Universidade Agostinho Neto (UAN).
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