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As lições do Nobel, as razões do Governo e as propostas da academia

29 Mar. 2016 Dossier

CONFERÊNCIA NTERNACIONAL. A sala de conferências foi pequena para receber os cerca de 500 decisores, economistas, empresários, gestores e governantes que assistiram ao lançamento do VALOR ECONÓMICO.

 

Thomas Sargent, Prémio Nobel de Economia 2011, esteve em Luanda, na semana passada, para participar numa conferência sobre o ‘Crescimento Económico em Contexto de Crise’, organizada pela empresa Business Events em parceria com a Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto, a propósito do lançamento do jornal VALOR ECONÓMICO.

O economista, renomado mundialmente pelo seu trabalho na área da teoria da Dinâmica Macroeconómica, esteve ladeado pelo ministro das Finanças, Armando Manuel, e pelo ex-ministro de Estado para a Coordenação Económica, Manuel Nunes Júnior, que contextualizaram a abordagem do especialista norte-americano no contexto económico nacional.

O Prémio Nobel aconselhou, por causa da crise desencadeada pela baixa do petróleo, usar como palavra de ordem para países como Angola, a “poupança em dias de bonança para poder gastar em dias de crise”. “Não há melhor conselho que não seja a poupança para se superar os ciclos erráticos das mercadorias, que podem subir ou baixar abruptamente de preços”, reforçou.

Durante aproximadamente uma hora, Thomas Sargent abordou os conceitos clássicos da economia, com referências às teorias de Adam Smith, Robert Lucas Júnior e Milton Friedmam, entre outros economistas históricos da economia mundial.

 

DOIS MOMENTOS

A conferência contou com dois momentos distintos, sendo o primeiro dedicado à apresentação do jornal VE e à palestra do professor norte-americano que lecciona nas universidades de Nova Iorque e Singapura. Seguiu-se um painel de debate, em que se destacou a crise no contexto doméstico e que contou com acaloradas intervenções e perguntas de uma audiência que, depois de quase três horas de conferência, não queria abandonar a sala. As perguntas de contexto foram dirigidas ao ministro das Finanças com diferentes empresários a questionarem a falta de diálogo entre quem elabora a política económica e a classe empresarial.

Manuel Nunes Junior defendeu a aposta nas tecnologias e a formação para a diversificação “urgente” das fontes de financiamento do sistema financeiro nacional

 

SARGENT DESAFIA ESTUDANTES

Durante a estadia em Luanda, o economista norte-americano Thomas Sargent efectuou uma visita à Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto, tendo interagido com o corpo docente e estudantes, a quem desafiou a escrever livros sobre a macroeconomia de Angola e a “não aceitarem fortuitamente as lições que vêm do exterior”. “Nos próximos cinco anos, quando regressar a Angola, gostaria imenso de ler um livro sobre a macroeconomia de Angola, elaborado por vocês”, desafiou.

Com os estudantes, o economista explicou as motivações que o levaram a estudar economia, apontando como a principal causa o facto de ser originário de uma família muito pobre, o que o terá levado a questionar a razão da existência da pobreza. No encontro, ainda abordou de forma sintética o crescimento da economia mundial.

Thomas Sargent entende que a solução dos problemas da economia de vários países passa por “olhar para a história” e estudar os vários casos de sucesso e insucesso com vista a cometer o mínimo de erros possível.

O economista citou o exemplo das Coreias , Norte e Sul, e de que como diferentes políticas têm diferentes resultados. “A Coreia do Sul, um país que até à década de 1970 era subdesenvolvida, posiciona-se hoje entre as principais economias do mundo, um salto qualitativo que resulta da aposta na educação. Educar, a todos os níveis, escrever, ler e fazer matemática é o que dá os melhores resultados”, sublinhou.

Thomas Sargent respondeu com satisfação às perguntas dos estudantes e, em resposta às dúvidas sobre a política económica a seguir pelas nações, referiu-se aos “perigos das intervenções governativas na economia”, citando o exemplo de França que, “com a política de protecção dos trabalhadores, desincentivou a contratação de jovens”.

Satisfeito, o decano da Faculdade de Economia, Redento Carlos Maia, elogiou o encontro, considerando-o como “bastante concorrido”. “Correspondeu à expectativa, acabando por ser uma interacção positiva onde todos os lados aprenderam.”

 

 

“É preciso estar atento aos sinais dos preços”

Thomas Sargent avisou que os agentes económicos e os responsáveis governamentais devem estar atentas aos preços, sendo que, segundo sustenta, “os preços enviam sinais de dentro para fora na relação entre produtores e consumidores. No caso de Angola, os preços do petróleo enviaram sinais”, sublinhou. Baseando-se na teoria de Adam Smith, o Nobel de Economia frisou que “o elemento-chave numa economia de mercado é retirar o poder de indivíduos e concedê-lo ao mercado”, porque “a concorrência corta os monopólios”. E reforçou a ideia que, numa economia de mercado, nenhum dos agentes económicos controla os preços porque o próprio mercado se encarrega de o fazer. Ou seja, “a mão invisível responsabiliza-se pela autorregulação dos mercados e estabelece os termos de concorrência”. O macroeconomista aconselha os países a posicionarem-se perante o mundo com uma estratégia de longo prazo bem definida, “com o detalhe do estado das coisas, para só depois partir para a tomada de decisões macro sobre os fenómenos económicos”. Para o Nobel de Economia, o que é necessário perceber é que num sistema de economia de mercado “ninguém faz tudo” sozinho e que é da busca do lucro individual que brota o bem comum para a sociedade porque a produção e a distribuição são dois elementos sempre interligados”. No seu entender tanto o Governo como o tecido produtivo, o empresariado devem definir “quem vai produzir, o que vai produzir e quem vai consumir?”.

(Thomas Sargent, economista)

 

“A solução é produzirmos mais internamente”

“A política económica prende-se nas opções e nas cedências”, considerou o ministro das Finanças, reforçando que o nosso ambiente tem “variadas dominantes sofreram alterações”. “Para uma economia com uma forte exposição ao exterior, a correcção na taxa de câmbio tem um efeito de transmissão sobre os preços no mercado doméstico”, explicou Armando Manuel. Para o governante, “é necessário consolidar a despesa pública para que tenhamos espaço fiscal e conferir o estímulo necessário ao investimento privado”, sendo que no acesso a financiamentos tem de se ter em conta o reembolso futuro”, algo que só deverá ser impulsionado com a geração de recursos domésticos. Segundo o ministro, um dos principais motores do crescimento da economia, em períodos de crise , tem sido as despesas públicas, na componente do investimento. Armando Manuel garante que os investimentos vão continuar, apesar da desacelaração, seguidos da reforma estrutural na anatomia do Produto Interno Bruto (PIB), em que o sector petrolífero foi reduzido a 35%. Em resposta às perguntas colocadas por empresários, preocupados com o actual contexto, o ministro aconselhou ao conhecimento da reforma tributária e dos incentivos e à mudança de atitude dos empresários habituados a fazer negócios com o Estado. Armando Manuel lembrou ainda que “a taxa de rentabilidade dos negócios em Angola continua a ser muito elevada”. O ministro acredita que se pode olhar para a crise como uma oportunidade para produzir as reformas estruturais, as correcções e os ajustes necessários à economia para redução da exposição ao exterior.

(Armando Manuel, ministro das Finanças)

 

“A estratégia é diminuir o peso do petróleo no PIB”

Para Manuel Nunes Júnior, a estratégia a seguir no momento de crise é continuar a reduzir o peso do sector petrolífero na economia, aumentar as receitas tributárias não petrolíferas e aumentar os produtos de exportação que gerem divisas para além de petróleo. “A estrutura económica de Angola mudou. Em 2008, o peso do sector petrolífero no PIB era superior a 50%. Hoje está aproximadamente 35%. Isso é muito bom”, considerou o antigo ministro de Estado e da Coordenação Económica. Outro dado a reter, na óptica de Manuel Nunes Júnior, é que em todo esse período (2009 até 2013), o sector petrolífero cresceu negativamente, “mas, entretanto, a taxa de crescimento global do país é positiva”. O professor sublinha que o cenário descrito tem uma explicação: “Uma das respostas deverá ser que embora haja um crescimento do sector não-petrolífero, a sua participação, em termos de receita tributária, ainda não é significativa”. Manuel Nunes Júnior refere-se ainda às receitas do país que, em termos de divisas, também diminuíram apesar de haver uma redução do peso do sector petrolífero e atribuiu este quadro “ao facto do país continuar a ter como único produto de exportação o petróleo”. “Significa que a estratégia a será a de continuar a reduzir o peso do sector petrolífero na economia, aumentar as receitas tributárias não petrolíferas e aumentar os produtos de exportação que gerem divisas, para além do petróleo”, reiterou.

(Manuel Nunes Júnior, professor)