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As lições do VIH

20 Nov. 2018 Elizabeth Radin Opinião

A saúde global está novamente na ribalta. Em Setembro, a Assembleia-Geral das Nações Unidas convocou duas reuniões de alto nível: uma sobre o fim da tuberculose (TB), e a outra sobre a luta contra as doenças não contagiosas (DNC). Foi a primeira vez que a ONU incluiu, na sua agenda anual, duas crises sanitárias de forma tão proeminente.

Mas, agora que terminaram estes debates, a comunidade global da saúde deve dedicar-se a assegurar os compromissos políticos necessários à manutenção da coordenação e planeamento internacionais. Um modelo que vale a pena imitar na luta contra a TB e as DNC é a abordagem seguida na luta contra a epidemia do VIH.

Desde 2001, quando a Assembleia Geral da ONU organizou a primeira reunião sobre o VIH/sida, a trajectória da doença modificou-se de forma drástica. Hoje, perto de 22 milhões de pessoas que vivem com o VIH recebem tratamento. Como consequência, as mortes anuais por sida desceram para metade – de 1,9 milhões em 2003 para 940 mil em 2017 – enquanto a taxa de novas infecções desceu para quase metade nos países mais afectados. Os esforços para controlar a TB e as DNC – que, tal como o VIH/sida, constituem um fardo pesado para os países de baixo e médio rendimentos – podem aproveitar as lições aprendidas na resposta ao VIH.

Em especial, destacam-se três lições. Primeiro, à medida que a resposta global à sida avançava, enfrentava o duplo desafio de incluir comunidades de difícil acesso, ao mesmo tempo que apoiava um número crescente de pacientes que recebiam tratamento. Em resposta, os programas contra o VIH evoluíram para oferecer serviços ajustados às preferências dos pacientes. Estes novos modelos de assistência também aligeiram o fardo do grande número de pacientes em instalações de saúde e dos trabalhadores da saúde.

Por exemplo, em vários países, os pacientes estáveis que preferem visitar o seu prestador de cuidados de saúde com menor frequência recebem suprimentos de medicamentos que servem para vários meses. Na África do Sul, onde perto de 4,3 milhões de pessoas com VIH recebem tratamento, as prescrições podem ser aviadas em máquinas automáticas geridas por farmacêuticos. No Lesoto, onde as pessoas podem viver a horas de distância de uma unidade de saúde, os testes de VIH são realizados em casa e para as pessoas que se confirme estarem infectadas com o VIH, o tratamento comunitário é assegurado por trabalhadores locais da saúde.

Poderia ser adoptada uma abordagem semelhante para a TB e para as DNC. Para a TB, isso pode significar mais tempo entre exames para os pacientes que adiram ao tratamento e não mostrem sinais de resistência medicamentosa, enquanto aqueles que demonstrarem efeitos colaterais ou que precisem de tratamentos mais complexos poderão receber cuidados mais intensivos. Do mesmo modo, os pacientes com DNC bem controladas, que não apresentem sintomas e que se mostrem adaptados à medicação, podem apenas precisar de visitas ocasionais a um prestador de cuidados de saúde, ao passo que os casos mais complicados podem beneficiar de monitorização e aconselhamento médico mais próximos.

Em segundo lugar, os programas contra o VIH tiveram sucesso, em parte, porque definiram metas para toda a ‘cascata de cuidados de saúde’ – do diagnóstico ao tratamento. Por exemplo, as metas ‘90-90-90’ definidas pelo Programa Conjunto das Nações Unidas contra o VIH/sida (UNAIDS) – onde 90% das pessoas que viviam com o VIH foram diagnosticadas, 90% diagnosticadas com o VIH estão a ser tratadas, e 90% a receber tratamento apresentam carga viral indetectável – ajudaram a concentrar a resposta global. Com efeito, os modelos sugerem que se estas metas forem alcançadas, o VIH deixará de constituir uma ameaça para a saúde pública até 2030.

A definição de metas é útil para avaliar o progresso e identificar lacunas na cobertura. Por exemplo, em muitos países, a maior lacuna da cobertura dos serviços contra o VIH está no diagnóstico, especialmente dos homens e dos jovens. Como consequência, muitos programas oferecem hoje novas opções para chegar a estes grupos, tais como testes confidenciais no local de trabalho ou o auto-diagnóstico. Existe uma outra lacuna entre as populações que são marginalizadas e estigmatizadas em alguns países, como os homens que têm relações sexuais com outros homens.

Finalmente, a luta contra a sida pode expandir-se devido a um forte movimento de defesa e a colaborações que moldaram os mercados para programas de diagnóstico e tratamento. Ao fazerem previsões das necessidades de medicamentos, agregarem pedidos e promoverem a concorrência, juntamente com um activismo intenso, os legisladores e os prestadores conseguiram assegurar eficiências de mercado. As economias de escala resultantes permitiram que os fornecedores migrassem de soluções de volumes reduzidos e margens elevadas para modelos de volumes elevados e margens reduzidas. Como consequência, estes esforços reduziram o custo anual com os tratamentos contra o VIH, de mais de 10 mil dólares por paciente em 2001 para menos de 100 dólares em 2016.

Do mesmo modo, o controlo da TB e das DNC implicará tornar os medicamentos mais convenientes e acessíveis. Embora a resposta à TB tenha utilizado parcerias estratégicas para a expansão da cobertura, permanecem ainda grandes lacunas, sendo a maior os tratamentos para crianças e pacientes com TB multirresistente. No caso das DNC, empresas como a Novartis, a Pfizer e a farmacêutica indiana Cipla envidaram esforços para levar medicamentos acessíveis a África. Mas embora as doações possam ajudar a estimular a procura inicial, será necessária uma abordagem mais estruturada ao mercado para se conseguirem reduções no preço. Uma coligação multissectorial iniciada em 2017 poderia ajudar a melhorar eficiências, mas precisará de apoios adicionais para ser bem-sucedida.

Tedros Adhanom Ghebreyesus, director-geral da Organização Mundial de Saúde, apelou recentemente aos governos para melhorarem a liderança e investimentos nos sistemas de saúde para lutarem contra a TB e as DNC. Mas embora não haja dúvidas de que são necessários mais recursos, estes devem ser acompanhados por estratégias sólidas para o envolvimento das comunidades, a condução dos programas e o alargamento da prevenção e dos cuidados. O melhor de tudo é que, detendo o modelo da resposta à sida, não há necessidade de reinventar a roda.

 

 

Elizabeth Radin Professor de Epidemiologia e Directora Técnica do Projeto PHIA pelo ICAP na Universidade de Columbia.

Miriam Rabkin professora de medicina e epidemiologia e directora de estratégias de sistemas de saúde do ICAP na Universidade de Columbia.

Wafaa El-Sadr Professora de Epidemiologia e Medicina e directora do ICAP na Universidade de Columbia.