“As pessoas só estão preocupadas em ter bons bolsos e bons carros”
LITERATURA. Em véspera do lançamento de mais uma obra, Lopito Feijóo critica a desvalorização do livro em Angola, lamentando que as pessoas só se preocupem em ter “bons bolsos”. Ao VALOR, o escritor afirma que a literatura angolana está no “bom caminho” e mostra-se optimista com as eleições, pois “há indícios do provir de uma nova gestão”.
O que vem contrariar o livro ‘Imprescindível Doutrina Contra’, a ser lançado na quarta-feira, 16 de Agosto?
Segundo o professor Jonuel Gonçalves, é a perspectiva de um “novo pan-africanismo”, do ponto de vista poético. É um livro com uma perspectiva contrária à da visão comum. Não raras vezes, será confundido com um livro político, embora seja apenas poético.
Porque faz sempre paralelismo entre a poesia e a história ou política?
Sou um crítico social. E o poeta, em princípio, é um ser premonitor, pelo que, na minha arte literária, abordo questões do dia-a-dia. Sinto-me obrigado a revelar, por via da poesia, aspectos que o ser comum não vê. Toda a minha escrita é de intervenção. Tenho de reflectir sobre a falta constante de energia e de água, em pleno século XXI. E isso tem implicações, pois sou obrigado a fazer uma viagem pelo mundo da gestão da coisa pública não de Angola, mas também do mundo.
Como ‘premonitor’, o que diz acerca do momento político que Angola vive?
Há indícios do provir de uma nova gestão, até mesmo em razão dos pronunciamentos de todos os candidatos a Presidente da República. Independentemente das promessas eleitoralistas que vão acontecendo, todos se alvoram como sendo os arautos da mudança. Inclusive o MPLA, que é o partido da situação. E acredita que, depois de 23 de Agosto, haverá mudança? Tenho de acreditar. Se não acreditar, estarei a ser pessimista.
O músico Calabeto afirmou que todos os artistas esperam que o MPLA vença as eleições. Confirma isso?
Tenho muita consideração pelo kota Calabeto, mas sublinho: não lhe dei nenhum mandato para falar da minha perspectiva sobre os resultados das eleições. Porém, todos nós temos de aceitar e pôr nas cabeças o seguinte: destas eleições, só pode sair um vencedor, mas ganharemos todos.
Como assim?
Ganharemos todos em razão do previsível crescimento da instituição democrática. Quem vai ganhar estas eleições é o povo angolano, principalmente pelo amadurecimento do Estado democrático e de direito em Angola.
Como se define, enquanto poeta?
Um poeta andarilho e doutrinário. Mesmo parado, estou sempre a viajar e com a mente em reboliços. Sou um poeta de vanguarda que, com a sua escrita, procura contribuir para o desenvolvimento da língua em que escreve, o português.
Como vê o estado da literatura angolana?
Está no bom caminho. A primeira década deste século XXI foi muito frágil em todos os sentidos. Mas, agora, nos finais da segunda década, há até o surgimento de elementos que se assumem, no âmbito da prática literária angolana, como sujeitos e objectos do seu próprio fazer antitísico. Já surgem jovens que não estão apenas a produzir literatura, estão a pensar literatura. Isso é muito bom, pois indicia crescimento e um certo progresso paulatino.
É possível viver da literatura em Angola?
Claro que não! Num país onde pessoas que, tendo sido analfabetas, aprenderam a ler, mas já se analfabetizaram novamente, não se pode viver de literatura. Estamos num país em que 500 exemplares de uma obra literária levam anos a ser vendidos. As pessoas não estão preocupadas em ser bons leitores, só estão preocupadas em ter bons bolsos, bons carros e boas mulheres. É só ter, ter e ter. Ninguém quer ser. Como ninguém quer ser, ninguém está preocupado com a firmação do nosso ser, que passa pela cultura do livro. Aliás, tem-se dito que um país se faz com homens e livros. Se as pessoas não compram livros, como é que vão ser cultas?
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