Aumento Salarial vs. Abandono Social
Tenho aqui neste espaço defendido e tentado chamar a atenção para o aumento salarial por mérito dos quadros nacionais, sobretudo dos professores. Há muito tempo que acho que o nosso magistério anda a ser muito mal pago. Sabemos que a qualidade dos mesmos não é o que deveria ser, porém, mesmo tendo esse facto em conta, estão muito mal pagos. Isso para além de a grande maioria ter de trabalhar sem um mínimo de condições que lhes permita dar o seu melhor de cara alegre e boa disposição. Faço esta referência para que, desde já, se estabeleça o meu querer relativamente ao aumento salarial. Há que aumentar, desde que isso seja feito com lógica, com razão, com mérito e, sobretudo, com paridade laboral.
Havendo dinheiro extra a entrar para o Orçamento Geral do Estado, uma vez que o preço do bruto tem sido vendido a preços não imagináveis há seis meses e muito acima do orçamentado, o Estado está em posição financeira de proceder a aumentos salariais há muito devidos. E, estando a necessitar de mais ânimo para os seus propósitos, um aumento salarial foi avançado pelo executivo, de forma discriminatória, para a função pública. A maior fatia foi, decididamente, para a função pública.
Assim sendo devemos aqui analisar a nossa função pública. Ao falar dela, não importando sob que parâmetros, temos a obrigação de quantificar e qualificar os seus componentes. Todos nós sabemos que a nossa função pública é ineficiente em termos operacionais, deficitária em termos administrativos, incompetente no que diz respeito à solução de problemas, e, muito pouco inteligente. Para além de tudo isso, a nossa função pública é o cerne da corrupção nacional. São muitos defeitos e imperfeições a recaírem sobre um mesmo “organismo” que, para além do mais, é pago por todos nós. Vejamos como é que se chegou a esse marasmo.
Tudo começou em 1975 com o abandono de funções dos quadros coloniais. A maioria dos funcionários públicos qualificados era, sem margem para dúvidas, composta por portugueses que, por uma diversidade de razões, decidiu abandonar o país. Com eles, grande parte dos quadros nacionais também partiu, sobretudo os que se sentiam ameaçados pela ideologia do poder popular. Em Novembro, a drenagem de quadros foi tão grande que a função pública esteve à beira de “estagnar”. Para quem não concorda comigo, é só recordar que em Janeiro e Fevereiro de 1976 começou a falhar o pagamento atempado de salários. E foi assim que muito rapidamente se partidarizou a função pública: os elementos nacionais existentes nesses departamentos identificaram-se com o partido e foram promovidos. Casos houve de funcionários de base serem automaticamente promovidos a cargos de chefia e responsabilidade. Esses indivíduos alojaram-se nessas posições. E onde havia necessidade de recrutamento, o que era em toda a parte, recrutavam-se familiares e militantes do partido. O importante era ser camarada. E assim foi durante muito tempo. Foi assim que o magote da incompetência se estabeleceu no funcionalismo público. Quiçá ainda seja assim em certos sectores.
Portanto, a função pública é, na sua essência, a “reserva laboral do partido”, pese o facto que o baixar do nível de vida e a insatisfação do dia-a-dia possam hoje ter feito com que alguns desses elementos aleguem já não serem militantes. Foi também assim que condições especiais foram criadas para as chefias desses funcionários. Muitas benesses foram introduzidas. O patronato, neste caso o Governo, corrompeu os seus empregados, os funcionários públicos, com carros, viagens, ajudas de custo, habitação, etc.… era preciso ser militante do partido para ‘brilhar’. O patronato permitiu que os seus assalariados “roubassem” sem que houvesse punição. Chefes de recursos humanos desapareceram com os salários do pessoal e raramente foram chamados à razão. O mérito e o desempenho foram simplesmente ignorados e clinicamente substituídos pela bajulação, pela função a nível partidário, pelo nepotismo. Hoje, segundo consta, por causa do denominador comum ter baixado para o insatisfatório, muitos deles até já deixaram de andar com o cartão do partido.
Há, portanto, neste momento, a necessidade de reagrupar o ‘rebanho’. E com a crise financeira existente no seio da população, nada melhor do que um desejado aumento salarial. Um ‘gordo’ aumento salarial, acredita-se, fará com que todos os funcionários públicos se recordem que sempre foi o ‘M’ a dar-lhes tudo o que têm. Por filiação. Sem mérito. Até porque ainda não tiveram a oportunidade de navegar na avenida do mérito. Quantos são os nossos funcionários públicos? Acredito que existam cerca de 400 mil funcionários públicos parte dum total de 2,2 milhões de trabalhadores formais. Ou seja, pouco mais de 18% de quem tem emprego trabalha para o estado.
Só que a população activa e em idade laboral ronda os 14 milhões. Estima-se que existam cerca de cinco milhões de desempregados, o que aponta para cerca de sete milhões de trabalhadores informais. É sobre este exército de guerreiros, os trabalhadores informais do país que vivem com pouco mais de 500 kwanzas por dia, que o executivo parece ter-se esquecido. Aprovou-se um mísero aumento de 50% do salário base, sendo 100% para os funcionários públicos do escalão inferior. Esta alteração irá beneficiar os 2,2 milhões de trabalhadores formais, enquanto aqueles sete milhões que lutam nas ruas das nossas cidades todos os dias para conseguirem comprar um pão ficam por onde estão. Será que estes cidadãos não merecem um aumento? Para além de não terem um emprego formal que lhes garanta um salário mensal, ficam ainda mais distante de poderem satisfazer a sua fome. Relativa ou não, continuarão a lutar pelo seu estomago. Porque os nossos informais lutam pela sobrevivência, para não morrerem de fome.Votados ao abandono social pelo Governo, sem os empregos que lhes têm sido prometidos, foram uma vez mais esquecidos.
É evidente que a variação salarial tem como objectivo garantir votos, os votos que em Julho farão falta para garantir o poder. Mas será que os funcionários públicos se deixarão embalar com este pirolito? Havendo neste momento disponibilidade financeira, acredito que deveríamos ver um aumento substancial de salários associados ao mérito e ao desempenho.
E, porque não se dar mais atenção aos nossos guerreiros, às zungueiras e, sobretudo aos nossos camponeses. Ou será que não somos mesmo capazes de lidar com a massa produtora do país? Porque não atribuir aos nossos camponeses um crédito que lhes permita aumentarem a sua produtividade?
Estamos em 2022 com problemas maiores do que em 2017. Precisamos, agora mais do que nunca, de corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E o povo, o nosso povo, continua a querer ganhar o lugar que merece. O futuro promete.
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