Aviação doméstica vista à lupa
TRANSPORTE AÉREO. Os elevados custos operacionais são o principal ‘calcanhar de Aquiles’ no mercado interno da aviação que, só nos últimos sete anos, viu desaparecerem sete operadoras.
O mercado doméstico da aviação comercial assistiu a “grandes transformações” na última década, marcadas, sobretudo, pela falência de várias operadoras, especialmente as controladas por investidores individuais. O Instituto Nacional de Aviação Civil – INAVIC- tem registadas 18 companhias aéreas, mas apenas sete voam. Algumas ainda não terão concluído o processo de licenciamento, mas a maioria simplesmente ‘desapareceu dos radares’. A lista das falências, incluindo as operadoras suspensas pelo regulador, é tão extensa quanto o conjunto de dificuldades que os investidores enumeram e que estão na base da perda de competitividade do sector. Os elevados custos operacionais são o primeiro obstáculo que as empresas apontam em conjunto e que consideram “o mais difícil de remover”. Além das despesas com os serviços de assistência, as empresas de aviação pagam várias taxas ao Estado, estabelecidas por decreto (ver infografia nas páginas seis e sete), mas é, sobretudo, na manutenção que acontece no exterior e nos combustíveis que as contas apertam, ao ponto de deixarem dezenas de aeronaves definitivamente em terra. Cálculos de várias operadoras consultadas pelo VALOR apontam que, só em combustível, as empresas chegam a gastar até 300 mil kwanzas para uma viagem de uma hora e meia (Luanda-Cabinda-Luanda). No caso das tarifas, entre várias, por cada aterragem e decolagem do avião, a empresa para 40 dólares, valores que passam para o dobro, no caso de a operação ocorrer no período da noite.
Aos custos operacionais somam-se outros constrangimentos à indústria, como a reduzida dimensão do mercado e a concorrência introduzida pelas transportadoras terrestres, pouco depois do fim da guerra. Especialistas ligados a empresas da aviação, que falaram sob anonimato ao VALOR, por imposições contratuais, convergem que o crescimento do sector está também necessariamente condicionado à expansão do mercado. “As empresas são obrigadas a fazer muito poucas frequências, porque o nosso mercado é bastante reduzido”, analisa um dos especialistas consultados que aponta o caso da TAAG, a transportadora aérea pública, como sendo o mais grave. “A TAAG usa para as viagens internas, de uma hora ou pouco mais, os boeing 737, que são aeronaves com autonomia para voar 10 horas. Isto significa várias coisas: dificuldade de recuperação de investimento, desgaste do equipamento e incapacidade de optimização dos recursos”, examina, indicando que a sobrevivência da operadora pública se explica apenas no facto de ser subvencionada pelo Estado. “As privadas que não podem contar com essa possibilidade simplesmente desaparecem”, sentencia, indicando que “normalmente, as empresas acabam por acumular dívidas, sobretudo com os combustíveis, até se tornarem insustentáveis, depois não resta qualquer alternativa senão desistir”.
O surgimento das viagens interprovinciais, através das empresas de transportes colectivos, acabou por ser outra ‘má notícia’ para a aviação.
Os passageiros passaram a ter uma alternativa mais barata aos céus e, como consequência, as transportadoras aéreas perderam parte do mercado. Embora nenhum dos especialistas consultados pudesse estimar a quota que os aviões perderam para os autocarros, houve quem arriscasse apontar uma média de entre os 25 e os 30%, com a justificação de que a maioria dos passageiros que viaja por estrada não comprava bilhetes de avião. “Andar de avião sempre foi caro para a maioria da população, não se pode dizer por isso que os autocarros nos tenham roubado metade dos passageiros, isto não é verdade”, comenta um dos investidores ouvidos pelo VALOR, que também solicita o anonimato e que dá outra versão sobre a falência das operadoras.
Das cerca de uma dezena de operadoras que desapareceram nos últimos sete anos, pelo menos oito foram suspensas pelo Instituto Nacional de Aviação Civil – o INAVIC – “o que significa que muitas empresas seguramente não podiam continuar a operar por questões de segurança”, comenta, admitindo, entretanto, que em alguns casos a deterioração das condições técnicas das operadoras se tenha devido à ausência de investimentos, por força dos elevados custos operacionais e de capital.
SOLUÇÃO PARA A CRISE
À semelhança do que acontece na Europa, em que as cinco maiores operadores se juntaram para exigir à Comissão Europeia a revisão das taxas aeroportuárias, em Angola, especialistas e investidores ligados ao sector não têm dúvidas de que é preciso replicar o exemplo. Com os custos operacionais a condicionarem a competitividade na aviação, “a solução passa por reavaliar todos os factores que tornam o negócio inviável e as taxas não ficam de parte”, defende um investidor que representa interesse de uma companhia internacional em Angola. “É mais do que urgente, porque, na verdade, hoje só persistem aquelas empresas que dependem do músculo financeiro dos seus investidores e tudo isso só ficou agravado pela crise”, observa.
A melhoria da gestão das empresas e a atracção do capital estrangeiro ao sector são outros dois caminhos apontados para se garantir competitividade ao mercado. A eventual reestruturação da TAAG que poderá conduzir a operadora pública a concentrar-se apenas nas rotas internacionais também, a concretizar-se, deverá mexer o ‘xadrez’ da aviação, com os privados a ficarem com mais espaço por cobrir, como avaliam os observadores. Análise que vai ao encontro dos planos do Ministério dos Transportes em “reforçar as sinergias entre o sector público e privado, com o fim de se aumentar a eficiência e reduzirem os custos operacionais, aumentando os fluxos de passageiros”, segundo apurou o VALOR de fonte do órgão governamental. O Ministério quer ainda uma nova arquitectura nos parques de estacionamento dos aviões, ajustada à realidade angolana, mas a concretização dos planos só será possível com o consentimento do Conselho de Ministros.
ROTAS LUCRATIVAS
O mercado da aviação não vive só de queixas. Quem continua a operar diz que Cabinda e Soyo são as rotas mais rentáveis. Com excepção da Sonair, todas as operadoras, no activo, voam de Luanda para aqueles dois pontos do Norte de Angola. Para estes destinos, todos os dias há um grande fluxo de passageiros. Para Cabinda, a justificação é o facto de não ter ligação terrestre com o país, tornando a via aérea a única forma de contacto com o resto do território. A outra explicação é o petróleo que `jorra´ naquelas paragens. As aviadoras também lucram no Soyo por se tratar de uma localidade petrolífera. Os bilhetes de passagem, a partir de Luanda, começam nos 13 mil kwanzas.
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