Cinco séculos de guerra económica em Angola
As exportações de gás, apesar de queda na produção e de continuar bastante longe da capacidade instalada, é este ano a segunda exportação angolana em valor, ultrapassando os diamantes. Notícia largamente difundida, seguida por outra que revela alteração do regime jurídico do projeto Angola LNG. Os colossais aumentos nos preços do gás explicam a evolução tanto dos números como das alterações jurídicas.
Um dos motivos pelo desaproveitamento da capacidade instalada tinha relação com os gasodutos, vistos como de utilidade muito acima do transporte em metaneiros. Até que se instalou a guerra da Ucrânia e a Europa passou a viver no susto de crise energética.
Nós cometemos repetidamente o erro da hiper dependência de um produto e a União Europeia comete o erro de igual situação na dependência de um super fornecedor.
Neste momento regressa o interesse pelo LNG e outros relacionados, como butano, propano e condensado. Não é só o produto em si que conhece reanimação, são também readaptações nos terminais e construção de novos metaneiros.
Estamos perante um imperativo de guerra económica à escala mundial, vantajoso para os países produtores capazes de otimizar a sua produção, flexibilizar a legislação e manter corretamente as infraestruturas. Esta guerra pode durar e vai durar junto com a do petróleo, produto que abrirá tanto mercado quanto mais atuar nas duas vertentes: crude e refinado até aos níveis mais sofisticados.
Mas não vai ser ganha com concentração nesses produtos. Ganhará quem conseguir expandir exponencialmente a área das renováveis, implicando força de investimentos no material e, sobretudo, na pesquisa cientifica.
Além do mercado internacional, temos aqui o imperativo do mercado interno. Defice energético que condiciona a vida das empresas e das famílias, o acesso ao óleo, ao gás e à eletricidade são obrigações elementares, só suplantadas pelo impacto da água, não desperdiçando ‘matérias primas’ grátis como o Vento e o Sol.
Na verdade, qualquer economia tem de estar sempre prevenida para cenários de guerra económica e Angola tem, nesse pormenor central, uma grande experiência. Há séculos que vivemos em guerra económica. Bastaria dizer que o sistema colonial foi todo ele um sistema de guerra económica, pois consistia em ocupações territoriais e imposições de condições à população objetivando captura de recursos lucrativos.
A escravatura foi o ponto mais alto dessa guerra, ao visar o próprio ser humano nessa captura e em seguida o trabalho compulsório, fosse em benefício do estado colonial ou orientado para setores extrativistas privados. No caso angolano, as produções de café e diamantes foram maximizadas com esta política de mão de obra.
No final do período colonial, com a insurreição pela independência, a guerra económica misturou-se – como acontece frequentemente – com a guerra militar, uma alimentando a outra. Em vários pontos do país, o contingente militar português suscitou mercado comercial, enquanto o mercado agrícola e os dispositivos fiscais foram objeto de reformas para reforçar a capacidade de distribuição e os meios financeiros da autoridade colonial.
Por outro lado, o setor exportador angolano continuou a contribuir para o equilíbrio da balança de pagamentos portuguesa.
O período pós colonial, marcado mais de um quarto de século por ações bélicas de envergadura, conduziu a enfraquecimento económico do país na produção de bens de alto consumo e no estado das infraestruturas, algumas delas perdendo o alcance internacional, como é o caso do CFB, ou perdendo oportunidades de expansão nacional e sub-continental, como é o caso da energia hidroelétrica e da água.
Desde finais do século passado e começo deste, assistiu-se ao desencadear de uma guerra económica interna com o crescimento de métodos de acumulação de riquezas ligados a uma outra captura – a do próprio Estado – como aconteceu ao longo da História de todos os continentes. O Estado como criador de oportunidades para quem lhe estiver ligado, como fator de desigualdades sociais e, nuns casos, como alavanca de investimentos, em outros como estratégias de enriquecimentos individuais ou de grupo. Angola situada neste segundo cenário.
As guerras económicas internas não são coisa recente no que hoje é Angola. Uma das principais versões sobre a formação do Kongo - inicialmente com autoridade específica local, transformado em reino por efeito da primeira globalização – aponta uma ação de guerra económica muito simples mas que, na época, era de alto efeito para os habitantes: pagamento de direitos de passagens num vau de rio.
Os séculos de escravatura colonial também revelaram atos de guerra económica interna às sociedades africanas.
Neste momento, Angola está perante dois tipos de guerra económica. Uma, internacional, onde a opção é jogar no tabuleiro dos preços para captar recursos a orientar no sentido de maior autonomização produtiva. Outra, interna, para garantir funcionamento de um Estado não capturável por interesses ilegais e, ao mesmo tempo, criador de oportunidades no aproveitamento dos diferentes potenciais, tornando a sociedade angolana mais resistente a situações como as que o mundo vive hoje.
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