Comboios em ‘Stand by’
TRANSPORTES FERROVIÁRIOS. Implementação de plano de modernização dos caminhos-de-ferro consome avultadas somas do Estado. Rentabilização do sector continua, no entanto, a ser ‘utopia’. Em 14 anos, o comboio dedica-se essencialmente ao transporte de passageiros, em detrimento das mercadorias.
Durante a primeira década de paz (2002-2012), em Angola, a rede nacional de infraestruturas de transportes ‘assumiu’ um lugar de destaque na agenda governamental, face à importância que o sector representa para o desenvolvimento económico do país.
Desde então, fortes investimentos públicos têm sido aplicados no sector, particularmente no segmento ferroviário, com vista a dotá-lo de maior dinamização (ver página 07). No entanto, apesar dos esforços engendrados, os resultados alcançados, do ponto de vista da rentabilização, continuam longe de corresponder as expectativas.
Em países de dimensões continentais, como Canadá, Estados Unidos, Rússia e China, as linhas ferroviárias têm uma participação de entre 40% e 60% na matriz de transportes.
Em Angola, ao contrário, os dados oficiais atestam que a participação do transporte sobre trilhos ainda é insignificante, sendo que as estradas movimentam cerca de 80% de todas as cargas no território nacional.
Os gestores das três empresas de caminhos-de-ferro existentes em Angola, nomeadamente o Caminho-de-Ferro de Luanda (CFL), de Benguela (CFB) e de Moçâmedes (CFM), já várias vezes reconheceram, a situação deficitária por que passam as empresas que têm em mãos.
No geral, o serviço prestado por qualquer uma das três empresas ferroviárias limita-se, sobretudo, à transportação de passageiros, em detrimento das mercadorias. Mas os problemas não ficam por aí, sendo que todas as linhas se debatem também com inúmeros constrangimentos de ordem técnica, nomeadamente no capítulo da manutenção das locomotivas (ver página 09).
Embora não tenha revelado o valor das receitas arrecadadas, o presidente do conselho de administração do CFM,Daniel Quipaxe, disse ao VE que, em 2015, a empesa realizou 1.198 viagens, resultando no transporte de 358.571 passageiros e de 54.344 toneladas de mercadorias diversas. Outros dados oficiais – embora referentes ao primeiro semestre de 2014 – revelam que o CFM, no período em referência, transportou mais pessoas (52.105) do que mercadorias (3.259 toneladas), permitindo a arrecadação de receitas, só com passageiros, na ordem dos 38,4 milhões de kwanzas, enquanto a nível do transporte de cargas foram acumuladas receitas brutas de cerca de 13 milhões kwanzas.
O mesmo quadro se repete nas demais empresas do sector. Em Maio último, o VE publicou um artigo, dando conta de que as infra-estruturas do CFB se estão a degradar por falta de uso, sendo que a linha ferroviária estaria somente a ser explorada a 10% da sua real capacidade.
A situação terá forçado o Ministério das Finanças e as autoridades ferroviárias a entabular negociações, com vista a encontrar a melhor estratégia para colmatar o défice entre os custos operacionais da empresa – calculado em 225 milhões de kwanzas/mês – e a dotação orçamental, que são apenas de 157 milhões de kwanzas, já que a empresa ainda não é rentável.
Para além de problemas relacionados com as infraestruturas ferroviárias, sendo que alguns troços continuam a ser reabilitados por empreiteiros chineses, o CFB enfrenta o mesmo problema que a sua congénere de Moçâmedes. Ou seja, tem estado a transportar mais passageiros do que mercadorias, sendo que, no último caso, o serviço se limita ao transporte de cerveja, cimento e combustível do Lobito para Luena (Moxico) e madeira, do Luena para o Lobito.
Numa recente entrevista ao VE, o director do gabinete de intercâmbio, comunicação, marketing e serviços do CFL, Augusto Osório, reconheceu igualmente que a empresa que opera as linhas ferroviárias de Luanda, não é rentável, devido, ao que considera, a função específica que lhe é acometida pelo Executivo, a de transporte de pessoas.
Diariamente mais de 15 mil pessoas são transportadas do troço da estação do Bungo até Catete, sendo que as receitas arrecadadas na venda de bilhetes não cobrem com os custos para manter a circulação diária da locomotiva, apesar do subsídio operacional por parte do Executivo, garante o porta-voz do CFL.
No que respeita a transportação de carga, a empresa tem tentado estabelecer parcerias com produtores nacionais, no sentido de potencializar o segmento. No entanto, os resultados, até aqui alcançados continuam aquém das expectativas.
Recentemente, a empresa anunciou que a falta de vagões de transporte inviabilizou a pretensão do CFL de transportar gás butano para a província de Malanje, por via de um acordo que aquela empresa pretendia estabelecer com a Sonagás, no ano passado. Para além do transporte regular de passageiros, a empresa transporta, quatro vezes na semana, combustível para Malanje, através da Sonangol logística, além das cargas ligeiras (pequenos embrulhos e quindas dos passageiros).
Os dados oficiais indicam que o CFL arrecada,mensalmente, 42 milhões de kwanzas, fruto da transportação, arrendamento de bens imobiliários e parques de estacionamento, sendo que “50% do valor provém fundamentalmente dos transportes de passageiros, 35% de cargas transportadas e 15% dos arrendamentos imobiliários”.
O presidente do conselho de administração do CFL, Celso Rosa, disse, em recentes declarações à imprensa, que o total do valor arrecadado corresponde apenas a cerca de 38% das necessidades mensais da empresa ferroviária, sendo que os custos operacionais estão estimados, mensalmente, em cerca de 288 milhões de kwanzas.
OS CAMINHOS DA RENTABILIZAÇÃO
Um estudo sobre o sector elaborado pela Ceso Development Consultants, uma empresa internacional de consultoria, revela que o sector ferroviário nacional tem ainda muita margem para crescimento.
Os gestores ligados às empresas ferroviárias defendem que o preço do bilhete de viagem – que custa em média entre 30 e 500 kwanzas, dependendo da distância do troço – é desproporcional em relação aos custos operacionais e muitos sugerem mesmo soluções em que o preço seja variável atrelado à carga do passageiro. No entanto a consultora sugere soluções diferentes. Segundo a análise uma nova estratégia de rentabilização do sector teria de ter como ponto de partida a existência de um plano nacional de plataforma logística que, de resto, iria impulsionar a extensão do desenvolvimento da rede ferroviária nacional.
O estudo destaca dois grandes corredores existentes no país, que deveriam ser mais explorados, no sentido norte-sul, onde se encontra a maior concentração de população e onde se concentra também o principal sustentáculo da actividade económica na actualidade.
“Estes eixos interceptam as principais cidades e que são simultaneamente capitais de província, com excepção do Lobito”, consideram os pesquisadores da Ceso Consultant, realçando que “os dois eixos verticais - corredor litoral e central orientados no sentido norte-sul -, quando considerados globalmente e na sua maior extensão, desde as províncias de Cabinda, Zaire, Uíge, Malanje até ao Cunene, elevam a população para um total de 13,4 milhões de habitantes, o que passa a representar uma percentagem de mais de 70% na população do país”.
Para além deste aspecto, a pesquisa ressalta igualmente “a existência de um corredor-este no sentido longitudinal, com grande carga populacional e actividade económica, que se estende de Lobito/Benguela até, pelo menos, ao Kuito, passando pelo Huambo”, onde a actividade ferroviária poderia igualmente tirar maior proveito.
“Tanto o primeiro como o segundo caso, estão no eixo de simetria das linhas férreas do Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB) e do Caminho-de-Ferro de Luanda (CFL), respectivamente, o que evidencia a importância da rede ferroviária na estruturação do território e na fixação das populações”, destaca o estudo.
O corredor litoral, onde se encontram os principais portos do país, nomeadamente de Luanda, Lobito e, futuramente, o do Amboim, permite, segundo a consultora, uma articulação perfeita com a rede de cabotagem prevista para o Norte de Angola (Cabinda Soyo e NZeto).
O Estado, entretanto, tem alocado recursos a um sistema integrado de transporte, que tem como espinha dorsal a construção de ferrovias estruturantes, como o que já implantou a Norte (que permite a conexão entre as regiões de Luanda a Malanje em 427 km de extensão), a Oeste-Leste (ligando Benguela ao Moxico com 1340 km de linha) e a Sul (da cidade de Moçâmedes até Menongue 842 km de malha).
Apesar de terem sido já repostas as linhas ferroviárias nacionais, uma fonte conhecedora dos meandros da actividade ferroviária lamentou, em declarações ao VE, o facto de se estar ainda hoje a verificar uma maior concentração do investimento industrial na capital do país e nas cidades provinciais, em detrimento das regiões por onde passa a malha ferroviária nacional.
“Do ponto de vista da reposição da circulação ferroviária deveríamos começar já a assistir a uma maior tendência dos industriais em se ir posicionando ao longo da via. Mas o que assistimos é que todo o investidor continua ainda interessado em somente instalar indústria nas cidades das províncias. O país não cresce assim. Continuamos a sobrecarregar as cidades, quando a guerra já não existe; as estradas já estão boas e as linhas férreas foram repostas”, desabafou.
Um outro industrial contacto por este jornal, que preferiu falar sob anonimato, considera que a falta de energia eléctrica e de água nalguns pontos da malha ferroviária tem constituído as principais barreiras para a presença mais significativa de pequenos empresários e empreendedores nas zonas em referência.
“Para instalarmos uma pequena empresa, precisamos, regra geral, de ter corrente eléctrica próxima do local onde efectuamos o investimento. Na verdade, este é um dos maiores handicaps que alguns empreendedores enfrentam para se instalar ao longo do traçado ferroviário nacional”, avançou.
Como resposta à falta de energia nalguns pontos por onde passa a malha ferroviária, a fonte que vimos citando é de opinião de que a existência de bombas de combustíveis em contentores móveis poderia cosntituir alternativa.
Já o economista António da Conceição considera que, com a conclusão das obras de reabilitação e modernização das linhas férreas nacionais, o sector está revitalizado e opera hoje com excelentes níveis de segurança e eficiência”.
No entanto, o especialista alerta que, de momento, “o país precisa olhar para a frente”. ”Todos sabemos que o desenvolvimento do país, nas próximas décadas, depende essencialmente de investimentos maciços na infraestrutura, inclusive na logística de transporte de cargas. Estes investimentos precisam acontecer desde já, para que tenhamos condições de atender plenamente às demandas da competitividade no cenário internacional”, considera.
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