Crescimento inclusivo ou outro crescimento
Os participantes, na reunião do Fórum Económico Mundial deste ano, em Davos, na Suíça, não colocaram em questão os fundamentos básicos para o crescimento da economia global de hoje: mercados livres, boa governança e investimento em capital humano e infra-estruturas. Mas criticaram a forma injusta como os benefícios do crescimento estão a ser distribuídos. E com razão: sem uma forte resposta política para construir um modelo de crescimento mais inclusivo, o crescente populismo e o nacionalismo económico vão prejudicar o funcionamento dos mercados e a estabilidade macroeconómica no geral - reduzindo potencialmente a actual recuperação global.
Praticamente, todas as políticas económicas têm impacto tanto nos rendimentos como na sua distribuição. Algumas reformas - como as que promovem a imparcialidade e a eficiência das instituições jurídicas - são boas para o crescimento e a equidade (neste caso, apenas em relação à igualdade de oportunidades). Os resultados de incidência para a desregulamentação dos mercados do produto e do trabalho são mais variáveis, possivelmente como resultado das limitações de dados e das circunstâncias específicas de cada reforma.
Em contrapartida, na desregulamentação financeira e na liberalização dos fluxos de capital internacionais, existem compensações claras de equidade e eficiência: impulsionam o crescimento, mas também tendem a aumentar a desigualdade. A evidência aponta numa direcção similar para algumas medidas destinadas a liberalizar transacções por conta corrente (comércio de bens e serviços).
Essas descobertas não são surpresas: é bem sabido que a rápida mudança tecnológica e a globalização contribuíram brutalmente para a criação de economias vencedoras, que acumulam uma parcela desproporcional dos benefícios do crescimento.
A tarefa dos políticos é garantir que os mais desfavorecidos também tenham oportunidades de sucesso numa economia moderna, projectando todas as reformas com o objectivo de melhorar a distribuição dos benefícios. Caso contrário, as reformas pró-crescimento perderão legitimidade política, permitindo que forças destrutivas nacionalistas, nativistas e proteccionistas continuem a ganhar força e assim prejudiquem o crescimento a médio e longo prazos.
A chave para o sucesso passa por tomar medidas preventivas, ao invés de se aplicarem apenas medidas para melhorar. Isso significa projectar pacotes de políticas coerentes que incorporem os efeitos distributivos das medidas da oferta e que visem criar um melhor equilíbrio entre vencedores e perdedores. No nosso trabalho para o Conselho Mundial de Futuro Global sobre Progresso Económico, produzimos uma lista de acções concretas.
A primeira área crítica é a criação de capacidades, a actualização dessas capacidades e a deslocalização do trabalho. A globalização e a chamada Quarta Revolução Industrial aumentaram o ritmo de mudanças nos mercados de trabalho, contribuindo para a mobilidade. As políticas públicas têm um papel a desempenhar, não só no fornecimento de uma ‘almofada’ para os trabalhadores em transição, através dos rendimentos, mas também na criação de incentivos e oportunidades de aquisição de capacidades.
Para o efeito, os governos devem impulsionar o investimento na aprendizagem ao longo da vida com a reciclagem de conhecimentos, tanto no uso de instrumentos de trabalho, como na formação profissional. Por exemplo, os governos podem usar as bases de dados individuais para fornecer bolsas de aprendizagem ao longo da vida profissional dos trabalhadores, condicionados a um envolvimento mais forte do sector privado na formação e desenvolvimento de capacidades. Os governos também devem reforçar o fornecimento de aptidões, fortalecendo os incentivos para as instituições educativas para aproveitar o poder da tecnologia digital e dos novos modelos de negócios.
Uma segunda área crítica é a tributação e protecção social. Embora as políticas específicas variem de acordo com os contratos sociais nacionais, a redistribuição - a menos que seja extrema - não traz perdas significativas de eficiência. Além disso, a maior equidade que transporta serve para tornar o crescimento económico mais sustentável, com a redução das fragilidades sistémicas.
Quando se trata de impostos, é fundamental salvaguardar a legitimidade política do modelo de crescimento garantindo que o sistema não seja desviado apenas a favor dos ricos. Além do aumento da tributação de rendimentos e de imóveis, os responsáveis políticos devem prosseguir os esforços de cooperação para impedir a evasão fiscal por parte de empresas, as inversões fiscais e o uso de ‘offshores’. As transferências fiscais também devem ser mais bem orientadas, a fim de proteger os grupos mais vulneráveis.
Da mesma forma - e esta é a terceira prioridade crítica da reforma - é necessária uma acção mais agressiva para regular os mercados financeiros, especialmente para evitar o abuso de informações e o branqueamento de capitais e para fechar os centros financeiros ilegais. Também são necessários regulamentos e medidas transfronteiriços para garantir que quem quer correr riscos tenha um custo apropriadamente alto por imprudência. De um modo mais geral, os países precisam de aproveitar as ferramentas à disposição para criar fluxos de capital transfronteiriços, com o objectivo de mitigar o risco de crises financeiras e os seus custos fiscais associados.
A quarta e última prioridade é um esforço mais concertado para assegurar uma concorrência leal e evitar o capitalismo do ‘amiguismo’. Garantir um campo de jogo nacional nivelado e uma ordem internacional baseada em regulamentos requer políticas de concorrência efectivas e a aplicação de regras de comércio justo. Seja na indústria, nos serviços ou nos média, as acções ‘anti-trust’ para evitar a captura de instituições ou indústrias - por alguém poderoso ou pelo Estado - são vitais para apoiar a inclusão.
A reacção contra a globalização - e, em alguns casos, contra o próprio capitalismo - exige políticas económicas que não só tratam de efeitos distributivos problemáticos, como também os antecipam. Isso exigirá uma mudança fundamental na mentalidade, com as empresas e os governos a reconhecerem, finalmente, que o crescimento pode ser sustentável somente se os seus benefícios forem amplamente partilhados.
A decisão de colocar a desigualdade no centro da discussão em Davos foi um desenvolvimento promissor. Mas as soluções reais ainda não são desenvolvidas. Apesar das expressões de angústia sobre o aumento das disparidades económicas em muitos países, as políticas para as enfrentar continuam inadequadas. Isso deve mudar se a recuperação económica actual - a fonte de tanto alívio e esperança em todo o mundo - for para continuar.
Sergei Guriev, economista-chefe do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento.
Jonathan D. Ostry vice-director do departamento de pesquisa do FMI.
Danny Leipziger, professor de Relações Internacionais da Universidade George Washington, EUA.
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