E agora pergunto eu...

19 Dec. 2024 Geralda Embaló Opinião

Seja bem-vindo querido leitor a este seu espaço onde perguntar não ofende numa semana em que as redes e as novas tecnologias de informação voltaram a demonstrar um poder sem paralelo face aos meios de informação clássicos que apesar de se distinguirem, pelo menos alguns como este, pela verificação da informação e pelo tratamento jornalístico, claramente não competem no campo de alcance de audiência instantânea e de uma liberdade de expressão bidireccional poderosíssima. Isabel dos Santos deu uma entrevista que é um sucesso de visualizações e em Moçambique um blogger filmou em directo a sua morte às mãos da polícia moçambicana que continua a matar indiscriminadamente os seus cidadãos. O número de mortos que já ronda uma centena, já inclui mais de uma dezena de crianças apanhadas na repressão às manifestações contra a fraude eleitoral no país.

E agora pergunto eu...

Entre nós, e preocupado com o que se passa em Moçambique, o chefe de Estado e do estado de coisas viajou, para discutir com o homólogo sul africano, entre outros temas, a crise em Moçambique... Mas assentada a poeira deixada pelo Air Forçe One, a pergunta é: e agora? Tivemos a visita americana, a que parecia ser a resposta para todos os nossos males, a que iria trazer o almejado desenvolvimento, veio a visita, depois da visita do nosso PR à Casa Branca que era outro marco digno do investimento de todo o tempo, energia e milhões de dólares... e agora? A visita foi, e agora pergunto eu, será que agora nos podemos focar em resolver os problemas do país? 
Na semana que passou o jornal Valor Económico trazia uma reportagem, parte de um observatório sobre a pobreza, feita no aterro sanitário dos Mulevos, uma reportagem brilhante, mas muito dura de ler. Uma descrição de como homens e mulheres, jovens e até crianças, esgravatam nas montanhas de lixo do aterro sanitário por qualquer pedaço de cobre que depois de vendido aos malianos sirva para dar de comer à família ou por comida expirada ou estragada. Esgravatam por sobrevivência no meio de um cheiro nauseabundo a putrefacção, no meio de lixo perigoso como o que é recolhido em clínicas e não chega a ser incinerado podendo ser fonte de todo o tipo de contágios, no meio dos piores atentados à saúde humana...  Todos os que falaram com a equipa de reportagem estavam cientes dos perigos para a saúde, mas “a necessidade de ter o que comer fala mais alto”. - A necessidade é maior do que a moral já dizia o pensador... Procuram o que chamam de “lixo bom” o que vale uma refeição. E é tanta gente que tiveram de ser organizados em turnos para pôr fim às lutas violentas que se verificavam no passado entre os buscadores. Os seguranças abrem as portas do aterro, mas o preço da abertura são kwanzas por cada saco de “lixo bom” cheio ou os enlatados que é possível revender nos mercados apesar das datas expiradas. Uma criança com 12 anos transportava um saco de 25kg de mentol expirado, que certamente voltará ao mercado. 
Será que agora que o presidente cumpriu o seu sonho de ser recebido e de ser anfitrião dos americanos podemos ter atenção governativa para o que se passa no país? 
A reportagem cita o relatório do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola que tem a assinatura do professor Manuel Alves da Rocha ele que marcou a actualidade da semana pelo recebimento do mais do que merecido título Honoris Causa devido ao contributo prestado não apenas à academia, mas ao país em meio século de docência e investigação que é tão preciosa em meio a tanto indicador económico persistentemente falho. Ele que lembra que um dos nossos maiores problemas não é a falta de quadros de qualidade, mas a qualidade dos ouvidos mocos que se fazem aos quadros com competência que temos. Alves da Rocha confere a respeitabilidade ao relatório que vem avisando do aumento da pobreza e que projecta isso mesmo para o 2025 que se avizinha. Angola, descreve o relatório do CEIC “é dos países mais desiguais do mundo, em que as bases da sustentabilidade, do crescimento e da diversificação económica não chegam a ser construídas” o governo é “promotor da pobreza sistemática porque a sobrevivência de quem detém o poder de governar e decidir passa pela criação de grupos de apoio a todos os níveis exigentes na distribuição de benesses e privilégios.” Um excerto do relatório do CEIC que encerra toda a tragédia governativa deste governo e do que o antecedeu a sobrevivência de quem detém o poder é cara e consome aridamente todos os recursos que deveriam ser aplicados para o desenvolvimento e crescimento económico do país. 
A receita também está no relatório que não se coíbe de apontar soluções: o combate à pobreza passa pelo crescimento económico, pela geração de emprego que vai evitar que estejam famílias inteiras a esgravatar no aterro, pela valorização do capital social na posse dos pobres com investimento sério em pogramas de combate à pobreza, que como também lembra a edição do Valor Económico são dos programas com menos execução orçamental. Um exemplo é o Programa Integrado de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza cuja execução se ficou abaixo dos 15% da intenção, longe de programas como o de Redimensionamento e Reequipamento da Defesa Nacional, que apesar de ter quase o triplo da intenção de investimento público do programa direccionado ao combate à pobreza registou uma execução de quase três vezes o valor orçamentado. Um testamento claro do direccionamento governativo e da obsessão belicista de quem governa incapaz de sair do registo de defesa para um de desenvolvimento social que é evidentemente prioritário no nosso contexto. 
Não há falta de avisos, não há falta de quadros competentes há falta é de interesse em combater a pobreza, porque parece ser preferível, na óptica de quem governa, combater pessoas que se elegeu como inimigas, combater críticos, combater concorrentes... 
Enquanto o Venâncio dos moçambicanos continua como dizem por aquelas bandas firmemente “agarrado à cauda do leão” em referência à palavras de Samora Machel que avisava que se agarrada nunca se larga a cauda do leão senão ele vai matar, o nosso Venâncio viu a sua oportunidade de agarrar a cauda do nosso leão, sacudida pelo Tribunal Constitucional que não suspendeu o congresso dos anseios do líder que se desdobra em manobras para continuar no poder. O problema é que essa continuidade vai custar muito caro e vai continuar a sugar todos os recursos do país para a sua manutenção. Porque é que tudo isto vale a pena? 
Com perguntas, mas esperança sempre querido leitor, marcamos aqui encontro e até à próxima, na sua Rádio Essencial. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Geralda Embaló

Geralda Embaló

Directora-geral adjunta do Valor Económico