E agora pergunto eu...
Imagine o querido leitor que é acusado de um roubo. Acusado publicamente e, que o chefe, em alto e bom som, professa a sua culpa em todas a oportunidades, antes mesmo de ser julgado, apresenta-o como o ladrão. Só que você não roubou. Mais, o dinheiro nem nunca saiu do domínio absoluto do cofre, mas, como o chefe continua a acusá-lo, toda a gente se perfila contra o ladrão que tem de ser punido. Não há coisa roubada, a tentativa de roubo sequer existiu, porque foi o anterior chefe que mandou levar o dinheiro emprestado para ir buscar mais, mas a narrativa da ladroagem está instalada e não há como desinstalar. "Um exímo case study the marketing político a trabalhar". Todos o condenam inclusive a justiça que devia ser cega e surda e atender a factos.
A nossa justiça já cometeu tantas vezes impropérios. Prende advogados no exercício das funções de defesa, prende por política disso então não faltam exemplos, como prender jovens que no uso dos seus direitos se manifestavam. Prende inocentes, a nossa justiça até já prendeu pessoas por matarem outras que estão vivas e que apareceram depois espantadas pelos boatos da sua morte. São tantas as falhas que se percebe que o caso dos 500 milhões não reúna simpatia, essencialmente porque se trata do filho do ex-chefe. A justiça cheia de deficiências que se verga ao poder político é a mesma que ele mesmo deixou como legado em quatro décadas de poder.
Mas aconteceu muito mais esta semana. Lá fora a Rússia anunciou uma vacina contra o covid 19, praga que anda a destruir vidas e estruturas económicas por todo o mundo. O reino unido anunciou que, para alem de quase 47 mil mortos, está a braços com uma recessão de 20%. 20% do PIB de um dos países mais ricos do mundo, esfumou-se em 8 meses, na pior crise económica de que há registo e que ainda não acabou. Mas, se não ouviu falar muito na vacina não se surpreenda, a primeira vacina contra o covid 19 é russa, se fosse americana ou britânica estaria a ser anunciado o fim do covid19 e poderíamos todos voltar à nossa vida.
Muito mais noticiada do que a vacina, foi a escolha do candidato à presidência dos EUA para vice-presidente da nação mais poderosa do mundo. Uma mulher, uma senadora respeitada, negra, por isso uma escolha acertada do ponto de vista do marketing político numa altura em que a América ainda se debate com divisões profundas, com o racismo, e mortes por covid, que se amontoaram essencialmente nas comunidades das minorias étnicas mais pobres e vulneráveis.
Nas eleições americanas passadas os democratas cometeram a gaffe de subestimar Donald Trump, e de acreditar nas sondagens que sempre, até à contagem dos votos, teimosamente lhe davam vantagem. Quando contaram os votos foi o choque.
A candidata da lógica perdeu, tentou até gritar fraude, mas perdeu. De resto, gritar fraude é em África é o pão nosso de cada dia. Já se vai para eleições contando com as alegadas fraudes e a única coisa a esperar, é saber de que forma é que que
se diz que ela vai acontecer, se através de roubos de urnas, de sobre ou sub-contagens, se através de votos inválidos, votos de estrangeiros ou afins. Só na semana passada ouviu-se entre nós ‘gritar fraude’ nas eleições da ala feminina da UNITA, fraude numa sondagem online em que venceu o partido no poder, e preparação de fraude com a aprovação da obtenção do BI através do cartão de eleitor. Já se está em plena campanha eleitoral, já se veem as t-shirts com a cara do PR nas diferentes doações, e, já é evidente a redução drástica do espaço que a oposição teve na media pública. O online parece ser a arena a que a oposição recorre para tentar equilibrar as contas. Recentemente começou a correr o que apelidaram de febre online “Jlo em 2022 vais gostar”, mas o marketing político do MPLA, que anda por aí a distribuir computadores e a arregimentar camaradas, respondeu prontamente, sequestrando a campanha com uma contra-campanha, que toma como certa a vitória em 2022. Uma rápida passagem pelas redes hoje em dia pode levar a acreditar que uma alternância politica não só é possível, como é provável, tal é o desgaste que os internautas revelam com o MPLA. Mas se a oposição se fiar nisso, vai ficar mais uma vez apeada, a gritar fraude a partir da bancada. Isto porque uma vitória online ou aqui ou ali não equivale, nem por sombras, a resultados nas urnas, por mais que o eleitorado esteja cansado de ver a mesmas caras no poder. Os facebooks, whatsapps, instagrams e afins não são representativos do eleitorado, principalmente aqui, em que o uso de internet se cinge a 22% da população. E a sugestão de “fecharmos os avós em casa no dia do voto que também vi por online, teria expressão, se o problema fossem mesmo só os avós. O problema maior parece ser mesmo a falta de uma opção viável, por falta de marketing político da oposição. Falta à oposição dar-se a conhecer mais, de forma estruturada para pelar a mais públicos diversos. Falta aproximar-se de facto com soluções, mais do que se apresentar como “não somos o MPLA” e confiar no dito cansaço. E agora pergunto eu, qual é a tendência de governação da oposição em Angola? De esquerda, defendendo mais intervenção do Estado ou de direita defendendo menos? Qual é o programa de governo? Quais são os objectivos as bandeiras, as metas? Quem são os quadros, o que pensam, estudaram, trabalham, que experiência de vida têm? Uma critica recorrente do MPLA à oposição é precisamente a falta de gente para levar a bom porto, o barco gigantesco que é o Estado pesadíssimo que temos. Se a oposição fosse diminuir o tamanho do barco ia começar por onde? Com que benefícios? O que aconteceria aos milhões que sempre dependeram do Estado para pagar as contas? Estas perguntas têm poucas respostas e são elas que podem solidificar bases de eleitorado.
No quadro do marketing politico o MPLA perdeu um argumento de peso para a UNITA, nomeadamente a vantagem estética que sempre colocou Samakuva em desvantagem contra JES. Mas isso está longe de ser o suficiente particularmente quando o actual líder da UNITA é combatido dentro de casa, precisamente pela sua imagem.
Mas pergunto-me se a oposição já estudou o perfil do seu eleitor. E se ele é de facto maioria, apesar do cansaço que até o MPLA já demonstra consigo próprio.
Recentemente a Rádio Despertar, o braço mediático do maior partido da oposição, deu um passo de gigante no sentido do pluralismo político ao convidar para um debate o director da Radio Essencial, também historiador e que escreveu um livro sobre Savimbi, em que descreve o líder do Galo Negro nas suas várias facetas, incluindo as incendiárias que o endeusamento da figura teima em ignorar. Apesar de a tolerância parecer estar a aumentar no seio dos ‘maninhos’, há muito que andar. Os comentários alguns cheios de ódios, de ouvintes, que como a grande parte dos camaradas não entende a nocão de apartidarismo, denotam ainda muita dificuldade em lidar com a critica ao líder. A mesma dificuldade que têm os camaradas. E, isso distancia eleitores que não se identificam com endeusamentos de qualquer espécie, que estão cansados de enaltecimentos que obrigam a fechar os olhos às falhas, por vezes muito graves, que os líderes têm. E talvez esses eleitores cansados de enaltecimentos cegos, sejam a maioria.
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