E agora pergunto eu...
O presidente brasileiro Jair Bolsonaro que, nos seus eventos, apesar de ter já ter apanhado covid-19, não se coíbe de pegar crianças ao colo, levantou do chão um senhor anão, pensando que era uma criança. Depois de alertado, largou rapidamente o homem e afastou-se ainda mais rápido. A cena tornou-se viral e lembrou-me outra que presenciei em Londres quando o meu irmão, que tem autismo, ai com 9 anos e já muito alto, pegou nas mãos de uma senhora anã que vinha a descer as escadas do prédio, assim do nada, sem a conhecer e desatou a dançar com ela, a dar voltas com a senhora em mãos como se fosse uma boneca grande para brincar. A minha mãe ia morrendo de vergonha, mudou de cor, e quanto mais tentava fazer com que o meu irmão largasse a senhora, mais ele a chocalhava e fazia girar. Uma situação que só vista mesmo, mas que me leva a questionar se terá Bolsonaro alguma ponta de autismo também. Sendo que uma das características da síndrome é a dificuldade extrema, não só em comunicar, mas em perceber e adaptar-se a regras e contextos sociais, autismo poderia explicar muita coisa no comportamento errático do senhor.
Um presidente sem nenhuma dificuldade de se adaptar a contextos (que o diga Isabel dos Santos que tão rápido o viu a aconselhar a venda da Portugal Telecom à empresária, como o viu a declarar a nacionalização da Efacec) é o português Marcelo Rebelo de Sousa. O ‘Ti Celito’ estava na semana passada na praia e entrou no mar para salvar duas jovens que precisaram de assistência dos nadadores salvadores e foi notícia a nível internacional pelo dito salvamento.
Em necessidade de salvamento está mesmo o nosso continente que se perpetua instável e errático, sempre a autocorrigir-se, a tentar refundar-se a lutar consigo próprio dividido entre facções que vão trocando de lugar como numa brincadeira de crianças interminável, hoje o bandido sou eu amanhã és tu. E deixando milhões de deslocados e refugiados e miseráveis pelo caminho. Do Mali correram esta semana pelo mundo imagens de mais uma dessas trocas na forma dos muitos golpes de estado que acontecem neste continente. Viram-se imagens de ministros sitiados a tentarem fugir da fúria popular trepando muros e portões, imagens de aglomerados e tiros na rua, de presidente e primeiro ministro acossados, presos... O costume.
Há uma anedota que diz que um pescador vindo do mar trazia um balde de caranguejos que não se dava ao trabalho de tapar com a rede. Quando questionado sobre se não receava que os caranguejos saíssem, o pescador tranquilo respondeu que não porque os caranguejos são portugueses, quando um tenta sair do balde os outros todos puxam no para baixo. A origem dos caranguejos muda consoante quem conta, ouvi assim, mas certamente que a metáfora se aplica aos africanos, muito mais até, considerando o nível de desenvolvimento do continente. E agora pergunto eu, como é que o resto do mundo nos pode levar a sério, se nós passamos a vida a matarmo-nos uns aos outros, a rebelarmos a constantemente e a fazer questão de puxar para baixo os que tentam sair do fundo do balde? Se são estas as nossas imagens de marca?
Há exemplos a todos os níveis.
Toda a confusão que se está a fazer para puxar para baixo o homem da Karga, por exemplo, por causa do hino, terá mesmo razão de ser? É lógico que é um gasto público que não é minimamente prioritário, particularmente no contexto de aperto que vivemos. Mas será que se justificam todos os ataques por causa de um valor que chega para pagar um só dos milhares de Lexus que o governo compra para a classe governativa, constantemente, há anos? É que esses 148 milhões, que parece muito, são em kwanzas e querido leitor, e a nossa moeda não vale quase nada e todos os dias desvaloriza, com projecções de que ainda vá perder mais 50% do pouco que vale actualmente. Coitado do Big que supostamente ainda não recebeu e já avançou dinheiro para o projecto, que, até à altura de receber os 148 milhões vão valer ainda menos que um Lexus por este andar. Estas confusões de proporcionalidade fazem-nos distrairmo-nos com muita facilidade. O Valor económico reportou na semana passada a indignação da empresária Filomena Oliveira com 40 milhões de USD (isso sim dinheiro porque vale a pena discutir) para fazer campanhas de publicidade na cadeia internacional Bloomberg. Há uma outra a decorrer na Euronews e foi feita outra no passado, na CNN, sem que se vissem resultados a nível de retorno do investimento para qualquer uma delas. A Umape, a nova unidade que o PR arranjou para controlar a execução dos projectos, tem já 8 milhões também de dólares e não kwanzas aprovados, mais do que o orçamento do ensino especial, dos bombeiros e de vários outros essenciais públicos, mas não se viu comoção por isso. Os caranguejos não sabem bem o que devem puxar então puxam de acordo com critérios esquisitos. O Big é rapper, se calhar por isso não pode receber dinheiro público, será? É um projecto supérfluo mas temos muitos mais, bem mais caros, como a construção de um edifício para a CNE orçada em 44 milhões, também USD. Porque é que não nos preocupamos com os gastos mais aberrantes?
Outra de caranguejo que puxa com base na fama é a confusão criada à volta da nomeação da filha do presidente para a BODIVA, essencialmente porque a imprensa portuguesa publicou um texto que diz que a nomeação fragiliza o PR. É ponto assente que a nomeação de Isabel dos Santos para a Sonangol provocou à nossa memória colectiva um trauma que ninguém quer voltar a repetir, e que o mesmo hábito de enaltecer qualidades extensivas à prole pode bem estar na lógica desta nomeação, que como no passado não é feita pelo PR, mas pergunto-me se agora a regra é, nenhum dos filhos dos governantes pode ser nomeado? Mesmo que tenha estudado e trabalho mais do que a maioria? Têm de ser todos penalizados por causa da filiação para evitar acusações de nepotismo? Onde é que isso nos vai levar? Temos demasiados quadros, pessoas que estudaram cá e fora do país e que são filhos e sobrinhos e irmãos de governantes, temos que os afastar a todos por via da mesma regra? Vamos ficar sem ninguém para levar o país à frente e governados por gente que não estudou e não tem competências, mas cujos pais não são governantes. É justo que a sra. que trabalha na área e que segundo os seus colegas é competente, seja penalizada e que a instituição tenha de abrir mão das suas competências, só porque é filha do PR?
Precisamos de meritocracia. Sabe, estudou, tem experiência, tem competências em determinada área, fica. Essa deve ser a métrica, não o pai ou a mãe. Tirar a sra. da BODIVA por causa de críticas vazias é ceder a popularismo demagogo. A meritocracia é a métrica que vai funcionar para eliminar o nepotismo naturalmente. Se não sabe, não tem experiência, não tem competências numa área, não é por ser filho do chefe que deve ser nomeado. Temos de deixar essa lógica de caranguejo que norteia a vasta maioria dos julgamentos populares que vemos por aí massificados, e ser mais construtivos, entender variáveis do tema antes de criticar. Para podermos ir para a frente.
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