ANGOLA GROWING

E agora pergunto eu...

23 Sep. 2020 Geralda Embaló Opinião

Por mais que nós, jornalistas, tentemos resistir ao domínio das redes sociais a verdade é que é impossível negar o seu poder. Com todas as falhas que têm, com todas a facilidades de induzir a opinião publica a erro, de manipular (apesar de ser verdade que que isso os nossos órgãos públicos também fazem sem qualquer vergonha), há que reconhecer que o registo de imagens e a rapidez da partilha de informação é monumental. Os meios de comunicação clássicos face às redes sociais só se podem adaptar para as usar a seu favor, e chamar a si a responsabilidade dos meios sérios (como tenho orgulho de poder dizer que são a rádio Essencial e o jornais Valor económico e Nova Gazeta) que se torna cada vez mais a de ajudar as pessoas a perspectivar, a analisar os temas que correm como o vento online em posse do máximo de informação possível para que tenhamos uma sociedade menos suscetível a manipulações de qualquer espécie, menos dominada pela ignorância e cada vez mais consciente dos seus direitos e deveres.

Aqui há umas semanas, a propósito da confusão sobre os milhões para o hino do Big Nelo (que eram milhões de kwanzas), eu falava de coisas que podem ser mal feitas, mas que são menos graves e que levam a imensa comoção e coisas muito mais sérias nem por isso. Temos mais exemplos a diferentes níveis da semana que passou. Fomos de mão estendida ao FMI pedir mais dinheiro e aceitaram emprestar-nos mais mil milhões, e o governo vem dizer que é sinal de aumento da confiança internacional em Angola, mas temos um cidadão com uma só conta corrente, querido leitor, com o que se diz ser mais de mil e duzentos milhões de USD. Como é que temos cara para pedir aos estrangeiros? O pessoal do Fundo só se deve rir com a nossa pouca vergonha...

A recuperação coerciva é evidentemente só para os Dos Santos e para pessoas na mesma lista negra, porque se o combate à corrupção tivesse como objectivo melhorar as condições económicas do país (essa é devia ser a missão do governo), tinham ido reclamar o dinheiro nessa conta, que sabiam que estava congelada pelo menos desde o ano passado quando os suíços pediram ajuda às nossas autoridades para esclarecer o caso. Daqui nem um pio desde o ano passado. Se fosse uma conta de um Dos Santos? Como dizem os Kalibrados ‘telefone ia tocar desligado’, TV e rádio iam ligar sozinhas para poderem ‘estender’ mesmo bem. Mas como se trata de um cidadão que não da lista negra, das nossas autoridades e da nossa media pública não se ouviu nada até que, arrastados pela pressão das redes sociais lá foram também “a arrastar os pés” levar o senhor para questionar, constituir qualquer coisa e confiscar prédios, alguns que ele até já tinha vendido ao próprio Estado. Mas até nesta questão temos problemas de percepção. Em vez de estarmos mais incomodados com o facto de que se há mais de mil milhões numa conta certamente haverá muito mais noutras, e haverá pessoas com mais, numa altura em que vamos pedir batatitas ao FMI e endividarmos mais o país para isso, não, ouve-se é falar da cor de pele do senhor, como sendo o que justifica que não tenha sido preso como foi o ex-vice da Lunda Sul.

Estamos sempre a focarmo-nos em não assuntos... E agora pergunto eu, a dificuldade de irem buscar o homem dos 900 milhões já depois da Suíça lhe congelar as contas e pedir ajuda às autoridades angolanas em 2018 é por causa da cor da pele do senhor ou por causa do sítio de onde sai o dinheiro que ele levou para fora do país?

Qual é o denominador comum entre aquelas que são apontadas como as maiores fortunas de angolanos no exterior fora da família proscrita Dos Santos? Aqui o que impede que São Vicente seja preso não serão as amizades dele da Sonangol? Não está evidente para todos que os dinheiros a sério deste país se fizeram à custa da Sonangol? Todas as mães já sabem e por isso é que o sonho de tantas crianças é estudar e ir trabalhar na Sonangol, quando não é simplesmente sair de Angola e ficar no estrangeiro...

Isabel dos Santos (IS) que tem a mesma cor do homem do lacinho se aqui pisa o pé, provavelmente é presa rápido, não é a cor de pele que a vai salvar. Essas são distracçõezinhas mesquinhas mas que preocupam principalmente quando saem da boca de intelectuais. O tema aí é dinheiro e muito dinheiro mesmo e proteger uns e esmagar outros de acordo com a agenda do poder. O tema não é a cor de pele. IS que só não esta presa porque se pôs bem longe da justiça à comboy que temos, falou sobre esses dinheiros que ditam quem vai preso e quem não vai para além das listas negras do poder. 10 anos de AAA no domínio dos seguros petrolíferos significaram perdas de quatro ou cinco mil milhões de dólares só com um contrato, isso é quase a totalidade do dinheiro que o FMI nos está a emprestar e sobre o qual vamos ter de pagar juros. O nosso governo também deve ter o tal problema de proporção porque a ‘corrida que dá’ à IS que esteve lá 18 meses não tem paralelo no outros que lá andaram muitos anos e de não se ouve falar. Mas IS ainda disse pior, havia mais contratos lesivos como o das AAA e mais de 800 milhões de dólares pagos por contratos que nem estavam nos registos das empresas 9 ou 10 aviões com custos de cerca de 60 milhões de dólares desaparecidos.  E grave é que nada disto causa a celeuma que causa o hino dos milhões de kwanzas ou a cor do senhor que não foi preso. Essas cores todas são mesmo nossas. Temos de as assumir porque temos angolanos de corpo e alma de todas as cores.

A propósito de cores e de redes sociais não podia deixar de mencionar esta semana a vergonha se torna a nossa cor às vezes e que é uma vergonha, como tudo o resto, maximizada pelas redes sociais. Não é uma vergonha que venha dos tons diferentes da pele mas uma vergonha profunda que vem da crueldade e da maldade desenfreada que os africanos conseguem demonstrar uns com os outros. E da incompetência horrorosa das suas lideranças para lidar com isso. O vídeo de uma senhora completamente nua a fugir de soldados que filmando lhe batem até se cansarem e depois metralham o seu corpo nu e desgraçado, é uma vergonha tão profunda tão chocante que não há palavras. Diz um texto que o seu filho de 12 anos foi morto e que ela foi violada. Ouve-se se os solados chamarem-lhe bruxa antes de a assassinarem. Como é que temos coragem de pedir respeito do resto do mundo quando ainda convivemos com as mais profundas trevas. Com a ignorância e brutalidade? Como é que temos cara para pedir seja o que for aos estrangeiros?

Geralda Embaló

Geralda Embaló

Directora-geral adjunta do Valor Económico