E agora pergunto eu...
Bem-vindo, querido leitor, ao primeiro e agora pergunto eu do ano 2021, e... sabe bem estar num novo ano com expectativas renovadas, particularmente depois de um 2020 tenebroso e simultaneamente teve o condão de nos fazer questionar muitos adquiridos. O exercício de questionar o que pensamos adquirido tem sempre o mérito de flexibilizar, de quase obrigar a exercícios mentais equiparáveis a uma limpeza de poeiras de pensamento. De nos obrigar a focar em básicos que muitas vezes no afã do dia-a-dia vão ficando relegados e esquecidos, como a importância da saúde dos nossos, ou dos almoços de família, o tempo com os amigos, a simples liberdade de respirar sem máscara.
No início de cada ano são costume as previsões, resoluções e expectativas para o ano que começa e nessa senda ia este espaço, quando a minha filha me perguntou o que eu estava a escrever e ela, teenager da era tecnológica, me respondeu a rir dizendo que, depois de 2020 “mombehumble” traduzindo o slogan de um famoso rapper americano, depois do ano que fechámos, quanto a previsões e prognósticos, há que ser humilde e reconhecer que ninguém sabe o que reserva 2021 e que mesmo os melhor preparados para imprevistos, à luz do que aconteceu no ano passado, podem ser surpreendidos. Talvez a lição no reconhecimento dessa ignorância do que pode ou vai acontecer seja a de viver um dia de cada vez malembe, malembe... E, dito isto, o novo ano já começou a dar sinais de que 2020 pode não ser o único com surpresas sinistras e a desafiar prognósticos.
Na semana passada o Capitólio, (a Assembleia Nacional americana), símbolo da democracia americana por excelência, foi invadido e vandalizado (porque vandalismo é partir janelas, destruir escadas, assaltar escritórios para tentar queimar votos, não é o que por aqui se chama de vandalismo). E, este vandalismo, que levou a 5 mortes (um polícia e 4 manifestantes), foi às mãos de apoiantes de um presidente que se recusou a reconhecer os resultados eleitorais. Tudo isto no país símbolo de democracia mundial. Se aquelas imagens e a censura ao presidente mais poderoso do mundo pelos gigantes da comunicação tecnológica dos nossos dias (Trump ser banido do Twitter não é senão uma forma de censura), não nos põem a pensar no quanto os sistemas que nos governam são frágeis, se não nos levam a questionar adquiridos, pergunto-me o que levará? Mas, 2019 teve já outras demonstrações de que o pesadelo 2020 ainda não terminou com um começo agitado também a nível social. Na sexta-feira o Reino Unido proibiu a entrada de viajantes de uma série de países, incluindo Angola, por causa da variante da covid-19 que surgiu na África do Sul e que parece ser bem mais contagiosa e perigosa do que a primeira, com um número de contágios e de mortos que rapidamente já ultrapassou os da primeira vaga. Na Europa, não só o Reino Unido e a Escócia voltaram ao confinamento e aos estados de emergência, mas muitos outros países como a França e a Alemanha estão a impor restrições e a fechar fronteiras. Portugal viveu hoje o pior dia da pandemia com 122 mortos mais de 10 mil infectados e o sistema de saúde a entrar em colapso e isto enquanto a OMS vem lembrar que o facto de já haver vacinas não significa que a pandemia acabou e que o mundo pode voltar ao normal.
A nível económico as implicações da continuidade da pandemia, para além de testarem a resiliência das empresas até a limites que ainda não tinham experimentado e que lhes anunciam o cimitério, fazem com que as ditas previsões económicas sejam titubeantes e cautelosas. Essas previsões apesar da necessidade de humildade e de reconhecimento de que todas as previsões para 2020 falharam rotundamente, continuam a ser instrumentais para regular a actividade dos actores económicos e para guiar as decisões dos governantes. No caso da nossa economia as previsões não são só cautelosas e titubeantes, mas são deprimentes, porque o crescimento económico, está dependente de um aumento significativo do investimento quer estrangeiro quer público. Investimento esse que não se vislumbra este ano, que vai ser de transição para uma economia pós-pandemia, um ano em que têm todos feridas económicas e sociais para sarar e numa economia que a nível mundial está em recuperação e que tudo o que desavisa são “aventuras investidoras” (como sabemos ser o investimento em ambientes de negócio como o nosso). Neste cenário em Angola vai no quinto ano consecutivo de crescimento abaixo de zero e que por isso temos muito mais terreno para recuperar, a perspectiva de atrair investimento diminui substancialmente.
As previsões dos economistas para a nossa economia apontam para uma retoma lenta, tímida, dependente de um aumento do preço do petróleo. O FMI prevê crescimento só para 2023 ou 2024, aponta também para um aumento da inflação para a continuidade de perda de valor do kwanza e com ele do poder de compra dos angolanos e a continuidade da quebra do consumo. Um ambiente económico que, com pouco investimento, vai continuar a perder os poucos empregos que acumulou e a manter o problemático desemprego acima de um terço da população.
No entanto, a par destas previsões económicas deprimentes, vamos ter um ano pré-eleitoral, e que leva a perguntas essenciais. E agora pergunto eu, como vai o governo comportar-se face à proximidade de eleições? Vamos ver mais investimento público contrariando a receita do FMI que nos emprestou dinheiro? Ou vai o governo limitar a contratação pública e o aumento da despesa do Estado para cumprir com o acordado com o FMI pondo em risco, ainda mais, uma popularidade que já anda de rastos? O que é habitual é assistirmos em qualquer proximidade de eleições, à tentativa cosmética de melhoria da percepção do ambiente económico, que se reflecte no ambiente social. O problema é que a situação económica e social está tão longe de ser aceitável, visivelmente com tanta falta de básicos, que malabarismos para parecer ser o que se não é de todo, vão ser cada vez mais difíceis, mais dispendiosos e simultaneamente mais inúteis. Que resposta irá o governo de João Lourenço dar? Continuar a tentar cumprir com a receita de contenção ou gastar para animar o voto? Este é um ano de decisões e de escolhas difíceis para o governo e um ano em que se espera que a media faça cada vez mais o seu trabalho de fiscalizar e de focar as prioridades públicas, não se deixando distrair com operações cosméticas que põem maquilhagem nas realidades mais feias e que perpetuam o famoso motor a babar óleo por debaixo da chaparia bala.
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