E agora pergunto eu...
Bem-vindo, querido ouvinte, a este seu espaço de perguntas numa semana em que a actualidade mundial está a ser marcada pela continuidade da saga covid, com países como a França a considerarem novos confinamentos enquanto outros desconfinam, e outros ainda a descobrirem novas estirpes do vírus (incluindo uma angolana que a ministra da Saúde já veio renegar), e a maioria continua refém das guerras comerciais em torno das vacinas. Bem a propósito das guerras comerciais, a Oxfam fez um relatório sugestivo dizendo que a riqueza acumulada desde que iniciou a pandemia pelos mais ricos do planeta, menos de 4 mil pessoas, seria mais do que suficiente para pagar vacinas gratuitas para o mundo inteiro.
Angola, pode ler no Valor Económico da semana passada, longe de ponderar taxar os mais ricos como está a fazer a administração dos EUA ou o governo inglês, conseguiu comprar vacinas ao dobro do preço que está tabelado e limitado precisamente para prevenir especulação pelos russos... Somos um povo especial.
E tão especial que passámos a semana preocupados com os convites para almoçaradas para comemorar a paz quando, cada vez mais, as lixeiras que rodeiam a capital se tornaram campos de batalha pelo lixo em que pessoas, muitas crianças, lutam para comer restos de comida estragada. Os vídeos são dilacerantes... e colocados ao lado de almoçaradas de comemoração daquilo que se vai tornando cada vez mais uma paz podre e faminta, o choque ilustra o cenário dantesco das lideranças falhadas e completamente alheias ao sofrimento que causam à sua volta. Só Sérgio Piçarra para conseguir ilustrar esse choque absurdo com a angolanidade dos seus cartoons geniais.
O comentário mais avisado que li sobre a almoçarada, e que resume a repulsa pelo absurdo desse contraste, foi o de Sizaltina Cutaia, umas das jovens que traz esperança no panorama político do país, e que dizia e, subscrevo aqui inteiramente, o seguinte:
“Haverá um banquete no palácio presidencial para homens ricos e barrigudos tratados como individualidades nacionais. Enquanto uns estão preocupados por este ou aquele não ter sido convidado e outros elogiam a iniciativa do reformador, eu estou a pensar nos que morrerão hoje, amanhã e no dia da paz por falta de um prato de comida. Não sei se haverá morte mais indigna que aquela provocada pela fome.”
Disse tudo. Mais mulheres como esta precisam-se, não só porque morrem duas crianças a cada hora de fome na mesma Angola das almoçaradas e dos luxos palacianos, mas porque esta semana também fomos lembrados de que a ignobilidade não é restrita ao partido no poder que anda sempre entretido em campanhas para sujar opositores. E fomos lembrados disso através do recurso desesperado à vida pessoal de uma opositora com argumentos atrasados e mentecaptos de roubo de homem como se fosse este um argumento político minimamente aceitável. Homem pode ser roubado como se rouba um sambapito ou como se rouba dinheiro aos cofres públicos, como se um homem fosse uma coisa sem vontade e sem arbítrio? Com tanto argumento com cabeça tronco e membros, e agora pergunto eu, porquê ir buscar este que é atestado de um retardamento irrecuperável? E é preciso mais provas que de MPLA e UNITA são mais parecidos do que outra coisa? Uns chamam “estrangeiro, pedófilo” os outros respondem com “gatuna de marido”, até onde é que vão descer o nível? Francamente...
O episódio, que mais uma vez mostrou como ficam parecidas as formações políticas quando resolvem todas chafurdar na lama em que é impossível distingui-las, teve pelo menos o mérito de vermos mulheres da UNITA demarcarem-se do discurso imbecil, a favor da ofendida do MPLA e a mostrarem que, independentemente da filiação partidária, pensam pela própria cabeça.
Coisa que, mais uma vez, vem dar alguma esperança na nova geração do panorama político nacional.
Felizmente, há mais exemplos... O jovem mentor do projecto Camunda News lembrou-me algo que faz todo o sentido, a propósito de uma live que estava a preparar acerca da situação que se vive na região de Cabo Delgado em Moçambique.
Dizia então o jovem com nome de revu francês, Herlander Napoleão, que em Angola não se está a dar atenção ao que se está a passar em Moçambique e que isso é um erro. E está coberto de razão, porque, não só Moçambique tem laços de proximidade históricos com Angola, e laços económicos também (o nosso presidente, por exemplo, tem ou tinha lá negócios alegadamente de vulto), mas sobretudo porque Angola tem, regiões do território, com as mesmas condições socioeconómicas que potenciaram o tipo de terrorismo difícil de combater na região de Cabo Delgado e que já matou centenas de pessoas e deslocou perto de um milhão, sendo que meio milhão são crianças. Esses mortos e deslocados não seriam grande noticia se não tivessem agora morrido estrangeiros e se Cabo Delgado não fosse a base do maior investimento estrangeiro em África com a extracção de gás feita pela francesa Total num investimento de 16 mil milhões de USD, que está suspenso por causa do terrorismo e da insegurança na região.
A pobreza extrema confrontada com a extracção de recursos preciosos e a continuidade da privatização dos lucros desses recursos, conjugada com o abandono das comunidades de onde esses recursos saem, são condições ideais para que se criem bolsas de terrorismo e, querido leitor, em Angola, não faltam recursos minerais preciosos a serem arrancados da terra com pouca partilha com as comunidades locais.
Acontece em Cabinda, acontece nas Lundas, onde vimos episódios negros como o de Cafunfo, e pode acontecer em qualquer zona em que exista muita pobreza e poucos ricos a sugarem riquezas sem se preocuparem com a vida das comunidades à volta...
Em Moçambique, são os jovens pobres miseráveis sem perspectivas que se juntam aos ideais e à violência terrorista e que matam os seus conterrâneos e, por isso, é difícil combater a insurgência porque ela brota da terra entre os nativos, não é apenas importada. Se esses jovens tivessem perspectivas de vida, de futuro, um lugar, o terrorismo não teria como se instalar como fez.
Temos em Angola as mesmas condições para o desespero que leva ao aumento do terrorismo, temos de corrigir o curso. Com esperança de que, depois do almoço e do bucho cheio, os nossos dirigentes já consigam pensar em soluções que melhorem as condições de vida dos angolanos que os elegeram, marcamos aqui encontro e na sua Rádio, Essencial.
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