E agora pergunto eu...
A actualidade mundial foi marcada na semana que passou pela morte do príncipe Philip, o monarca, marido da Rainha de Inglaterra, aos 99 anos. Ia fazer 100 anos em Junho. Contou quase um século de vida...
Em Angola, a esperança média de vida era em 2018 de 60 anos, quase menos 40 anos do que viveu o príncipe Philip, sendo que a média mundial é de 78 anos. Os angolanos vivem, em média, menos 18 anos do que o resto do mundo... Mas esses 60 anos de esperança média de vida era número de 2018, querido leitor, e, de lá para cá, as condições de vida mudaram e contamos mais três anos da “competência governativa” a que o partido no poder há quase meio século já nos habituou, em cima disso temos uma pandemia mundial desde o ano passado e factores concretos, como por exemplo, a nota de 100 dólares ter passado de cerca de 40 mil kwanzas para perto de 80 mil este ano, num país que importa a grande maioria do que consome. E agora pergunto eu, será que a esperança de vida se aguenta nos 60 anos?
Os indicadores que influenciam a esperança média de vida são indicadores socioeconómicos como a educação e o bem-estar económico; o acesso ao emprego, a qualidade do sistema de saúde e o acesso a esse sistema; comportamentos sociais como o consumo de álcool, a nutrição, exercício; depois factores genéticos e ambientais como a sobrepopulação, saneamento e qualidade de água para consumo...
Olhando para estes indicadores, a esperança média de vida em Angola, cada vez encontra mais obstáculos, mais do que esperança, vai-se tornando cada vez mais uma verdadeira e penosa maratona. É preciso sobreviver à falta de educação, à falta de hospitais em condições de operar, ao consumo de álcool generalizado num país em que é mais barato comprar uísque nos saquinhos do que água e em que as estradas matam mais do que a guerra; é preciso sobreviver a factores ambientais, que vão desde a sobrepopulação ao saneamento débil, e à qualidade duvidosa da água que jorra frequentemente numa cor acastanhada, é preciso sobreviver a dias e noites de arrelias, preocupações e doenças, tudo factores que impactam a esperança média de vida em Angola. Numa Luanda, atulhada de lixo, a afogar-se a cada chuva, a amontoar população desempregada e sem perspectivas de vida, qual será a real esperança média de vida hoje, em face dos exércitos de moscas e mosquitos recheados de doenças que tomaram conta do ar que se respira?
E a cesta básica que continua a encarecer colocando-se cada vez mais como outro obstáculo à esperança média de vida dos angolanos? Na semana passada, o Valor Económico citava um estudo do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado que indicava um aumento de 5,5% do preço dos produtos vigiados nos supermercados. E a fome que o Presidente dizia, numa entrevista no primeiro ano do mandato, que “não se podia dizer que existia em Angola”? Essa cresceu de tal maneira que é impossível continuar a fingir que não existe, para se continuar a gastar em supérfluos ridículos como a remodelação de gabinetes com cadeiras enormes “para dar dignidade” aos governantes (uma ladainha particularmente irritante e também ela prejudicial à esperança de vida num país em que crianças morrem de fome a cada hora que passa).
E agora pergunto eu, que soluções o Governo apresenta para o aumento da esperança de vida?
Tivemos esta semana a visita dos investidores espanhóis que deixam a esperança de investir um bocadinho... Talvez tenham vindo um pouco também à laia de aviso aos portugueses ‘indisciplinados’ que, volta e meia, deixam os seus jornalistas (fazer o seu trabalho e) falar de temas como o da alegada corrupção do braço direito da presidência, que ao contrário da corrupção dos Dos Santos, é tabu absoluto para o Governo de Angola.
Temos o FMI que nos vem emprestar outro bocado e obrigar a que se façam cortes em áreas como subsídios a combustíveis... Isto num país que pouco tem transportes públicos, em que se vive de gerador, e em que o fornecimento eléctrico desaparece por qualquer chuva e sem qualquer satisfação volta sobrecarregado para queimar os electrodomésticos que sobram e apodrecer comida nos frigoríficos?
Soluções concretas para aumentar a esperança de vida dos angolanos onde estão?
Este exercício cansativo de gestão pública por experimentação e adivinhação a que assistimos há tantos anos é mais um desafio à esperança média de vida, quanto mais não seja porque desafia a saúde mental de qualquer um.
A saga da lixeira em que está mergulhada a capital é exemplo, com todos ‘os experimenta assim, experimenta assado’, que ignoram completamente qualquer estudo de gestão municipal com lógica. Ora corta contratos sem um plano que assegure a recolha do lixo depois do corte, ora faz concurso público depois em vez de o fazer antes de cortar os contratos, ora apela à cidadania para ir limpar, quando essa fica atulhada, ora então accionam-se os militares, quando isso não resulta, corre-se com o tal concurso público de tal ordem que nem se verifica a capacidade dos vencedores de fazerem o trabalho... enfim. Enquanto isso chove em cima das toneladas de lixo e os exércitos de moscas e mosquitos gordos de doenças vão se multiplicando à velocidade da luz, sem um plano de saúde capaz se prevenir a mortandade anunciada.
Mas não é só a governadora, coitada, que experimenta... O chefe anda há três anos a experimentar, nomeia, exonera, nomeia, exonera... O governo provincial, onde está a governadora, por exemplo, tem um histórico de ser um verdadeiro laboratório de experiências. E já correm mujimbos de que “através do lixo” vem aí mais uma.
As milhentas exonerações e nomeações do chefe são atestado que as experiências continuam a não acertar. Tanto que ultimamente vão buscar as mesmas caras do passado, de que o chefe se queria tanto distanciar.
Mas o grave mesmo é que os exercícios de experimentação da chefia infelizmente não ficam só pela equipa governativa e estendem-se a todas as áreas onde a chefia governativa interfere: como a média, em que interfere nomeando as lideranças dos órgãos públicos e dando poderes de limitação ao governo. O mesmo acontece na justiça, em que o PR, para além de nomear órgãos de soberania (num contrassenso absurdo e subjugador), ainda vem comentar processos em investigação volta e meia, inevitavelmente influenciando-os para que sirvam de marketing politico pessoal. E ficámos a saber, na semana passada, que até nos poucos centros de produção de conhecimento que o país tem, os Centros de Estudo e Investigação Científica da universidade pública, os Ceic, o dedo da adivinhação aponta. Até esses se tornam o alvo da experimentação governativa. A extinção dessas unidades orgânicas, a perda da sua autonomia como alertam docentes que fazem parte dessas unidades, é mais uma experiência infeliz das muitas que o Governo vai somando e que vão contribuindo quanto mais não seja com a tristeza para deprimir mais a esperança média de vida. Quando precisamos de informação e de investimento no saber, o desinvestimento nos poucos pólos que contribuem para a elevação científica nacional só pode ser sintomático da inversão de valores que começa a sair da esfera da adivinhação para, talvez, entrar na da bruxaria ou algo tão sinistro quanto...
Em Angola, quem chega aos 100 como o príncipe Philip já fintou tanta dificuldade, tanto obstáculo, tanta decepção, que merece, de facto, um troféu, querido leitor. Se tem alguém na família, é de cuidar, que essa não é uma maratona fácil.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...