E agora pergunto eu...
Na sexta-feira que passou foi dia mundial do livro e coincidiu com os reportes dos estragos de um violento incêndio na Cidade do Cabo, África-do-Sul, que destruiu dezenas de milhares de livros de coleções absolutamente preciosas da literatura africana. Colecções que não podem ser substituídas.
Aconteceu numa biblioteca que é considerada das melhores do continente e que serviu de centro intelectual que formou mentes que mais tarde fomentaram o combate ao Apartheid, por exemplo. Uma lembrança do porquê que os livros são tão importantes para abrir mentes, para nos ajudar a livrarmo-nos do que atrasa o nosso desenvolvimento,
para nos ajudar a crescer e também para nos ajudar a reconhecer padrões perigosos como o sistemático encolher do espaço mediático que o nosso governo tem levado a cabo, e que conheceu, também no início da semana (como o incêndio) mais um episódio negro. Desapareceram canais de televisão das plataformas que os angolanos pagam, assim, sem aviso prévio, sem qui nem qua, sem preocupação com milhares de empregos que essas estruturas geram, com contratos que têm de honrar, enfim com pouco mais do que inconformidades administrativas para explicar, em mais uma macabra medida ao estilo Orwelliano e que ainda vai dar muito pano para mangas.
No dia mundial do livro, neste espaço que foi para o ar na Radio Essencial sexta-feira, valeu deixar a devida vénia a todos os que contribuem para o aumento da literacia, para espalhar livros onde podem, para incentivar os hábitos de leitura num país em que basta olhar para o Orçamento Geral do Estado e para a fatia que a educação deveria receber que é de 6,8% (e que tendo em conta as taxas de execução miseráveis que o OGE regista será certamente muito menos), que dá para se perceber que o livro não é prioridade na agenda. Estes 6,8% equivalem a um bilião nove mil milhões de kwanzas. Um número curiosamente tão próximo de grafia, quanto é longínquo em valor monetário do orçamento dedicado à defesa, que segundo a consultora de analise económica GlobalData citada esta semana pela Voz da América vai saltar de 900 milhões não de kwanzas mas de USD para 1,9 mil milhões de USD até 2026 com um aumento anual de 3,2% “mantendo Angola como um dos países que mais gasta com a defesa”. O orçamento da cultura executado, esse então, dizem organismos como a União dos Escritores Angolanos, que não recebem apoio do Estado que chegue sequer para manter a velha sede que tem de alugar espaços para poder manter as paredes de pé.
As prioridades do governo veem-se assim. E agora pergunto eu que seria se esse investimento na defesa nos defendesse das múltiplas pragas que nos afligem... Das 10 pragas do Egipto temos: as temos pragas de gafanhotos; não temos chuvas de granizo ainda, mas temos pragas de dilúvios, porque uma chuva que mata mais de 24 pessoas, só pode ter a categoria de praga; não temos rio de sangue mas temos praga de água suja, temos praga de moscas, graças ao lixo que motivou na semana passada a criação de mais uma comissão; temos moscas que até ganharam a categoria de animais domésticos, de tal ordem grandes e gordas que são; temos as pragas das doenças que elas trazem e das outras que sempre nos afligiram sem melhorias. Temos a praga de ter tantas pragas que a compra de livros é relegada para fora das prioridades da maioria e com isso a falta de cultura vai-se tornando também ela cultural.
E temos uma praga mais desgraçada que são dirigentes que fingem que não vêm essas pragas. Fingem que não veem a fome e desespero à sua volta, e andam cegos à procura de vingar passados que não interessam nada aos seus governados e em nada contribuem para que se melhore.
Aos escritores angolanos, os que o são já e os que hão de ser no futuro, há que lhes deixar a devida vénia de encorajamento, porque num país assolado por pragas não é fácil sequer sobreviver, menos será sobreviver produzindo obras, ainda que algumas se sirvam da realidade perturbadora à volta e a transformem em inspiração, continua a não ser fácil. A escrita das obras, a impressão, a venda, o próprio consumo é neste quadro de tanta praga um acto de coragem que vale bem mais do que uma humilde vénia no dia mundial do livro.
Mas como em tudo o que está mau consegue haver sempre alguma luz há iniciativas especiais que merecem menção incentivo e ajuda. Uma é UM LIVRO UMA CRIANÇA MUITAS LEITURAS do jornalista Rui Ramos, que já criou 133 bibliotecas e já espalhou mais de 33 mil livros pelas 18 províncias do país. Estas sementes que permitem germinar um futuro em que as nossas crianças se apaixonam por livros, podem através deles viajar, sonhar, e aprender merecem todo o apoio, são um lavar de alma, e por isso aproveito aqui querido leitor este espaço, para também pedir apoio para este projecto que tem página no Facebook que pode encontrar procurando por um livro, uma criança, muitos hospitais e que aceita doações em livros. Pense que o livro que doar vai fazer as maravilhas de uma criança algures em Angola.
JLo do lado errado da história