E agora pergunto eu...
Na semana que passou, o Presidente da República fez o primeiro discurso que pareceu, de facto, sentido ao falar das feridas profundas que o massacre do 27 de Maio deixou nos corações dos angolanos, e, pediu desculpa pela acção desproporcional do Estado. Teve de concorrer, em termos de mediatismo, com a ‘Operação Caranguejo’, que, nesta fase, deixa mais perguntas do que respostas (como se o dinheiro desaparece assim ainda em caixas do Banco Nacional de Angola, que fará o resto? O petróleo, os diamantes e demais fontes de dinheiro vivo que ninguém tem a certeza de que está de facto sob algum controlo sério), mas o Chefe de Estado esteve à altura da disputa.
É verdade que as feridas do 27 de Maio não vão sarar com facilidade e que um pedido de perdão pode sempre parecer pouco para quem perdeu entes queridos, quem foi preso, torturado de forma bárbara porque o Estado decidiu despir as suas vestes de defensor do cidadão, passando a promover execuções sumárias que abriram as portas à chacina que levou grande parte da massa cinzenta do país e o deixou traumatizado até aos dias de hoje. No entanto, o PR fez o que já devia ter sido feito há muito tempo e humildemente pediu desculpa em nome do Estado. E pareceu sentido. É claro que depois voltou à velha (e desnecessária) forma e manchou um pouco o momento com alfinetadas desnecessárias à oposição (e que os militontos, essa expressão tão genial do Folha 8, vão repetir como papagaios ligados à electricidade), mas o pedido de desculpas em nome do Estado, por este ter falhado tão miseravelmente e com consequências tão trágicas, tem mérito, quando mais não seja por ser um primeiro passo.
Um primeiro passo que andava adiado pela fuga à página mais negra da história do partido no poder e do fundador da nação, que o anterior presidente sempre promoveu, porque estava consciente de que muitos dedos seriam apontados a muita gente que por aí anda e a muito histórico do partido. Há positivos vindos do descaso que o Presidente João Lourenço faz da imagem do partido, e um deles é o reconhecimento de imperfeições e de que aquela matança foi permitida e levada a cabo pelo MPLA e que as feridas dessa tragédia doem até hoje, mais de quatro décadas depois. Falta muita coisa, há muita história viva para ajustar, muita injustiça que, para se refazer, precisa de ser, primeiro, reconhecida, mas o PR deu um primeiro passo, esteve bem.
Poder-se-ia questionar se este reconhecimento se deve ao seu novamente comprovado amor pela História, a que anda sempre tão agarrado que parece esquecer o presente. Poder-se-ia questionar se, em vez de estar focado nas desproporcionalidades do passado, não devia estar atento para as que o Estado comete agora, sob a sua alçada, como as mortes em Cafunfo, que continuam sem que inquérito nenhum produza resultados. Poder-se-ia questionar porque é que a fome que continua a matar pelo país fora, sobretudo no sul, não merece o mesmo sentimento evidente da parte do Presidente (e a este propósito lembro a campanha de recolha de comida não perecível que a Rádio Essencial e o VE estão a apoiar, procure detalhes online na página do Facebook S.O.S Angola Sul). Mas é preciso não pôr em causa o mérito desse pedido de perdão visivelmente sentido. Até porque essa elevação de Estado acima das mesquinharias políticas não acontece com tanta frequência quanto seria desejável, há que incentivar para que aconteça mais vezes.
É que há poucas coisas piores dos que Estados a assumirem mesquinharias políticas e com isso a arrastarem os seus cidadãos para a desgraça.
Um exemplo de um Estado literalmente a usar as suas pessoas como arma de arremesso, de vingança mesquinha, foi o que se viu acontecer quando em apenas dois dias mais de seis mil africanos deram à costa espanhola de Ceuta, porque o governo de Marrocos se irritou com o governo espanhol que tinha deixado um opositor do governo marroquino (e que Marrocos considera terrorista), internar-se numa clinica em Espanha. Como se irritou, não foi de modas, e abriu as fronteiras sempre apinhadas de africanos desesperados por fugir do continente berço... Fotografia, prova viva e constante do falhanço das lideranças africanas. Aquilo foi um claro “contrariam-nos? Abrimos as comportas e inundamos-vos com hordas de africanos desesperados aos milhares. Pessoas, crianças, bebés usados como vingança diplomática e que podem morrer afogadas, podem ser presas e deportadas, como a aconteceu a muitas, porque o importante era dar uma lição ao governo espanhol...
Outro exemplo da falta de limites dos Estados com tendências mesquinhas foi o do presidente de Belarus, Alenxander Lukashenko, dizer que os críticos deviam estar agradecidos pelo facto de ele não ter abatido o avião comercial que transportava 122 pessoas e um crítico político, que o governo de Belarus usou um caça para obrigar a aterrar. O avião que ia a caminho da Lituânia foi obrigado a desviar rota e aterrar em Belarus com o tal dissidente político que tem26 anos e organiza manifestações contra o governo. E ele e a namorada foram presos assim que o avião aterrou.Depois o governo de Belarus justificou o recurso ao caça com uma ameaça de bomba no avião...
O resultado é que não só os aviões europeus se recusam a passar pelos céus de Belarus como as companhias aéreas do país também estão proibidas de usar o espaço aéreo europeu, o que vai prejudicar, sobretudo, a população. Tudo porque o líder não suporta críticos... E agora pergunto eu, porque é que assumem cargos públicos, de representação de nações inteiras, pessoas que não convivem bem com a critica que acreditam que a sua aprovação tem de ser inânime? E que não se coíbem de usar e abusar dos recursos do Estado para calar esmagar, ou se vingar de opositores? Líderes que não pensam país, só pensam poder?
“Não se pode fazer política com o fígado, conservando o rancor e ressentimentos. A pátria não é capanga de idiossincrasias pessoais” - já dizia um político brasileiro... Com esperança de que as lideranças africanas aprendam com melhores exemplos a deixar o fígado e os seus venenos de fora da sua governação marcamos aqui encontro e na sua Rádio Essencial.
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