E agora pergunto eu...
Enquanto nos EUA as viagens comerciais ao espaço se vão banalizando pela mão de multimilionários como Jeff Bezos; enquanto a China, apesar das chuvas torrenciais, celebra a erradicação da málaria depois de se tornar, no final do mês passado, o quadragésimo território a vencer a doença (QUEM NOS DERA!); enquanto os ministros das Finanças dos G20 discutiam um acordo global que vai taxar os gigantes digitais como a Google e o Facebook para que paguem mais impostos que vão servir, por exemplo, para acautelar situações e ajudar a mitigar situações como a pandemia do covid-19; enquanto isto tudo se passa lá fora, a nossa actualidade continua a ser marcada por compras e vendas de ‘militontos’ (essa expressão tão brilhante do F8). Por militontos e por ex-ministros que, acusados de corrupção até em países como Espanha, não se coíbem de vir falar a publico de “perseguição pessoal” – não devem dormir sossegados os espanhóis intentos em perseguir o governador do Namibe...
Mas a marcar a nossa actualidade tem estado ultimamente uma mensagem mais sub-reptícia do que esta (dos governantes na mó de cima serem vítimas perseguidas versos os antigos que se tornaram super-vilões), uma mensagem que insiste num futuro próximo cheio de promessas como as que vimos nas últimas eleições. Só que esta mensagem nos ensina que é a partir de 2023 que Angola vai colher os resultados ‘espectaculares’ do trabalho do Governo... Então, as narrativas e as manchetes, sobretudo nos media públicos, andam todas a virar-se para 2023, assim de ‘caxexe’, devagarinho, e enquanto andamos distraídos, vamos interiorizando que, “em 2023, vai ser!”.
“Dois novos hospitais de referência serão construídos no próximo ano na Lunda-Norte” anunciou o governador provincial – se vão ser contruídos em 2022, em 2023 temos mais dois hospitais (mesmo que não tenhamos médicos ou medicamentos que os possibilitem funcionar). As minas de cobre no Uíge, que estão paralisadas há 49 anos, apresentam estudos preliminares animadores para voltar a extrair cobre em... 2023, isto sendo que o ministério já se havia proposto tornar-se o terceiro maior produtor de diamantes do mundo até, querido leitor, 2023. Obras do aeroporto serão retomadas dentro de seis meses para concluir em 2023; a primeira fase do metro de Luanda, esse projecto fantástico que vai revolucionar a transportação na capital, vai arrancar em 2022 para assegurar que se conclua a primeira fase até 2023. A ministra das Finanças anunciou também o Quadro de Despesa de Médio Prazo um novo documento que vai fornecer instruções aos órgãos do sistema orçamental para a preparação das estimativas de despesa, diz a ministra que “uma gestão prudente de finanças públicas carece de um documento mais abrangente” – sabe Deus e o Governo como tem sido a programação orçamental até aqui, mas o novo documento vai cobrir o orçamento de 2023 ate 2025. Ah, e não está esquecida a promessa de que, até ao fim de 2023, o stock da divida pública há-de ficar abaixo dos 100%.
Outra “notícia” recente anunciava que, “em virtude dos esforços do executivo, Angola poderá contar, a partir de 2023, com televisão digital terrestre”, diz o ministro da Comunicação Social, “esforços do executivo”, estas frases tão giras, tão pitorescas.
O Presidente João Lourenço anunciou o arranque das obras dos dois projectos de combate à seca no Cunene, a barragem de Calucuve e a barragem do Ndue, que começam a obra em Outubro e que o ‘Jornal de Angola’ diz que “vão mudar o quadro resultante da seca de forma radical em 2023”... E agora pergunto eu, o que diabo se passa com 2023 que anda tanto na berra governamental? Porque é que os projectos que supostamente vão mudar o país para melhor desembocam tanto em 2023? Será que é para nos fazer esquecer que temos escolha em 2022?
Esta narrativa faz lembrar aquela cenoura que se poe à frente do burro pendurada numa cana, e que o coitado do burro, que só vê mesmo essa cenoura à frente porque usa cilha que o impede de olhar de lado, na esperança de a apanhar, lá vai andando e carregando a carga que lhe puserem em cima.
O burro somos nós eleitores que, como diz o lema do partido no poder: “vamos assustar, já está”, e que, como asnos, vamos perseguindo a tal cenoura que agora parece ser 2023, e que vai balançando devagar à nossa frente para nos fazer andar no sentido que o dono manda sem emburrar. É que, se não olharmos para as cenouras futuristas e olharmos em volta agora, certamente não vamos a lugar nenhum...
A cenoura que o Presidente apresentou recentemente, a das barragens que “vão mudar radicalmente o quadro resultante da seca em 2023”, leva a perguntar mais uma vez, o que raio esteve o Governo a fazer até agora que vem insultar a inteligência dos eleitores com projectos revolucionários e que vão mudar tudo o que está mal em um ano, sendo esse ano, por coincidência, o ano a seguir ao das eleições... O que é que estiveram a fazer nos quatro anos que passaram que não implementaram esses projectos revolucionários? Onde estavam os projectos fantásticos que, em pouco mais de um ano, conseguem mudar radicalmente o cenário de seca e da fome?
Tirando a cilha, a Amnistia Internacional voltou, na semana que passou, a alertar para o facto de que estão milhões de vidas em risco no Sul de Angola devido à pior seca em 40 anos. Milhões à beira da fome uma crise humana gigantesca que já levou a incontáveis (até porque não estão registadas) mortes por fome e malnutrição. Seis milhões de pessoas em Angola com alimentos insuficientes, segundo o Programa Alimentar Mundial, e o Governo a brincar com cenouras à frente dos burros que entende ter pela frente...
Vamos assustar, já está... só pode ser por via de algum susto mesmo.
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