E agora pergunto eu...
Enquanto a nossa actualidade continua marcada por nomeia/exonera, num tira pôe tão banalizado nos últimos quatro anos que, para além de ter perdido o efeito novidade, só pode ser prova de que alguém não sabe muito bem o que anda a fazer... a actualidade mundial está a ser marcada por diferentes eventos de que podemos em Angola tirar também diferentes lições.
A China foi notícia do Financial Times pelo anúncio de que vai criar um novo mercado de acções para pequenas e médias empresas. A China é líder em soluções para a inclusão financeira de populações de baixa e média rendas e um exemplo na retirada de milhões da pobreza extrema para a classe média. E, olhando para o nosso demográfico, e para a pobreza de quase metade da população, devemos olhar para essas soluções técnicas e práticas com olhos de ver.
O serviço que a Unitel e a Huawei lançaram recentemente e que permite transferências de dinheiro via telefone é um exemplo desse aprendizado asiático muito útil para o nosso país ainda em vias de desenvolvimento. Na China, actualmente, mais de 90% das transacções e pagamentos são feitos por telefone e internet e, na rua, cada vez se usa menos moeda física, de modo que cada vez mais gente, nos sítios mais remotos, está incluída nas soluções financeiras sendo que todos os pagamentos se tornam mais seguros e taxáveis pelo Estado, lições valiosas a tirar e que iriam contribuir para diminuir as enchentes nos bancos.
Nos EUA, a saída do Afeganistão foi uma headline substituída no topo da agenda pelo rasto de destruição deixado pelo furação IDA, que submergiu Nova Iorque e que já conta mais de 40 mortos. Uma lembrança ríspida de que as alterações climáticas – que em países como o nosso, por exemplo, acentuam a seca e causam mortes por essa via – devem ser uma prioridade mundial. A lição a tirar desse evento é essencialmente a preparação de infra-estruturas de que falava o presidente norte-americano, Joe Biden, e que, no nosso caso, em que temos um saneamento e infra-estruturas evidentemente aquém das necessidades fez lembrar os engenheiros e técnicos que, em Angola, sistematicamente alertam para a necessidade de reformular as estruturas de saneamento, não só para a prevenção de desastres naturais que caminham para se tornarem mais frequentes, mas particularmente para evitar que se morra tanto de tanta doença evitável. O sistema de saúde não tem como se levantar do chão, apesar dos sorrisinhos da ministra, se continuar subterrado com tanta doença fruto da falta de saneamento.
Lembro-me de ter lido um texto penso, que do engenheiro António Venâncio que alertava para uma mistura de águas tratadas com águas por tratar vindas da morgue, como ele há mais técnicos formados com conhecimento da nossa realidade e com soluções, mas que parecem ser constantemente ignorados nos seus avisos à governação. Técnicos como o engenheiro Francisco dos Santos que, em entrevista ao Valor Económico recentemente afirmava que os esgotos estão a céu aberto, que a drenagem é feita aleatoriamente e defendia uma revolução sanitária para salvar o país. Essa teimosa ignorância votada aos técnicos tem um custo elevado em saúde, e em vidas perdidas para as malárias, para as doenças diarreicas e outras provocadas e pioradas pela falta de salubridade. A lição é prepararmo-nos para o pior.
Outra lição vinda da actualidade de fora é o julgamento mega mediático das dívidas ocultas em Moçambique, que tem o país parado a assistir tipo final do Mundial. Li online muitos comentários dizendo que é uma lição para Angola sobretudo porque é transmitido em directo pelo que o efeito de moralização da sociedade que se pretende com a feitura de justiça se torna mais eficiente.
A transmissão em directo, principalmente online é de facto um excelente recurso. Não é à toa que as nossas sessões do Parlamento, por exemplo, até agora não são transmitidas, pergunto-me se não simplesmente porque o poder não quer que a opinião pública saiba na integra o que se passa na Casa das Leis. E o mesmo acontece nos nossos julgamentos mediáticos, que são à porta fechada sem que os media possam gravar (senão em momentos permitidos para efeitos de ilustração de alguma campanha) e sem que a opinião pública tenha acesso sem filtros. À opinião pública resta apenas confiar no que dizem os nossos principais meios de comunicação, reféns também eles do poder governativo.
Mas a questão das transmissões em directo são excelentes moralizadores da sociedade não só porque expõem à opinião pública os “malandros” acusados, (e digo “malandro” usando a expressão do nosso Presidente sempre tão eloquente e elegante quando visitou Moçambique e se referia à Oposição). As transmissões em directo são óptimas também como prevenção das ordens superiores, porque, ao expor os acusados à opinião pública, expõem também quem acusa e os seus argumentos de acusação, bem como quem os avalia e a sua imparcialidade.
Entre nós seria de utilidade porque nos nossos tribunais temos malandros, mas também não nos faltam juízes que julgam sabendo de antemão qual será o veredicto de tal maneira que lhe incomoda visivelmente ver provas que contrariem essa ideia formada. Juízes que, muitas vezes, têm ordens superiores ou são tão imparciais ou ignorantes das matérias que julgam que o único julgamento que deveriam fazer seria mesmo com relação ao seu próprio almoço ou jantar. Juízes que mandam prender arbitrariamente por crimes que nem são susceptíveis de prisão, ou juízes que, por exemplo, são colocados a avaliar casos que dizem respeito à banca internacional e seus mecanismos, mas que os avaliam com sistemas tipo BPC, os tais que não têm backup e que são presa fácil de hackers (neste caso hackers políticos).
Julgamentos mediáticos como os dos jovens revús certamente teriam um acompanhamento diferente da parte da opinião pública se tivesse informada in loco, pelos seus olhos e ouvidos em vez de pelos dos nossos media públicos sobre os argumentos da acusação de rebelião. Assim como os acusados, advogados e juízes (mesmo aquela senhora que tapava a cara parecendo querer omitir a identidade) estariam sujeitos a um escrutínio público maior que faria toda a diferença na execução da justiça. O mesmo aconteceria com outros julgamentos que temos visto mais recentemente e em que a opinião pública é manipulada pelos media, por sua vez, manipulada pelo poder.
O caso das dívidas ocultas em Moçambique, por exemplo, está a fazer com que cada vez mais o nome do presidente Nyussi – que, na altura, era ministro da Defesa (tal como o nosso que coincidentemente também fez negócio com a Privinveste, uma das empresas envolvidas no escândalo) – seja mencionado constantemente e que, por isso, a opinião pública peça para que seja ouvido apesar de ser presidente. Um dos jornais daquela praça descrevia, na semana passada, o presidente moçambicano como “intocável chefe do grupo” no que parece cada vez mais uma luta intestina dentro do partido que pode acabar muito mal para todos, qual tiro no pé.
Durante o fim-de-semana, África brindou novamente o mundo com noticias de mais um golpe de Estado cujas lições sobre os males da fraqueza das instituições parecemos no continente recusar aprender... e agora pergunto eu, desde furações a soluções de saneamento a soluções financeiras e a transparência na justiça, as lições a tirar estão aí, quando vamos segui-las?
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