E agora pergunto eu...
Enquanto o nosso viajante em chefe continua a voar pelos ares num quase ritual migratório que recomeçou com a visita ao Kwanza-Norte, sendo que esta semana saiu dos EUA para Espanha, enquanto se entretém (e à sua entourage que se diz de várias dezenas), a receber prémios pelo seu destacado serviço, desta feita, em prol do ambiente, depois de ser condecorado (pelo seu excelente trabalho, imagino), por um presidente, entretanto, deposto num golpe de Estado, no país que devia ser a prioridade na agenda, a criminalidade parece ter soltado completamente a franga... E os nossos polícias, coitados, não têm mãos a medir, sendo que também eles têm de lutar com a cesta básica, que, apesar dos decretos e ordens administrativas, continua a evoluir na direcção diametralmente oposta à do crescimento dos salários.
É neste quadro, inflacionário e de crise económica e social, que os prémios que o Presidente João Lourenço vai recebendo levantam questionamentos variados.
Se muita gente se perguntava qual seria o serviço merecedor de condecorações, sendo que a ausência de indicadores sociais ou económicos que tenham melhorado durante os quatro anos de governo lourencista é evidente, no caso do prémio pelo ambiente, a coisa tornou-se de tal ordem motivo de chacota, que, francamente, a pergunta que fica no ar é “para quê expor a Presidência a tanto ridículo?”
Não só não faltam perguntas (e afirmações) sobre a relação contratual entre o Governo e uma empresa ligada à fundação que lhe deu o prémio, sugerindo uma troca contratual para “inglês ver”, mais do que isso, um prémio ambiental torna-se absurdo para quem conhece a capital onde o Presidente reside e sabe que até na Cidade Alta a falta de saneamento grosseira assalta os sentidos. Numa capital onde o lixo ainda há pouco cobria os passeios com larvas, onde crianças mergulham em valas imundas a céu aberto em busca de sustento, prémio para o mais alto mandatário receber é mesmo o de ambiente? E agora pergunto eu, não havia mesmo mais nada? O PR diz que ser homem do campo, não podiam ter encontrado um prémio de produção agrícola presidencial, ou um prémio de exonerações, ou de horas de voo, que fosse? Prémio do ambiente? É que, para além de se fartar de voar em grandes (e privados) aviões, e com isso contribuir para o aumento do dióxido de carbono que destrói a atmosfera, para além de, pelos vistos, ter apreço por sapatos de pele de crocodilo que lhe colocariam na lista negra de qualquer ambientalista ou vegan, ainda se trata do mesmo presidente que autorizou exploração petrolífera em zonas que deviam ser protegidas... e foi o ambiente o melhor que se lembraram?
É talvez por isso que o discurso do PR na tribuna das Nações Unidas se focava na pandemia, na covid-19, nas vacinas e nos golpes nos países dos outros... É que pouco haverá para mostrar de trabalho feito por uma Angola onde os indicadores da qualidade de vida se vão deteriorando a cada dia.
E um desses indicadores é, sem dúvida, a segurança que se vai esvaindo à medida que a pobreza, a falta de emprego, o custo de vida e a falta de perspectivas vão empurrando cada vez mais angolanos para o crime. Alguns até para o suicídio, cujos relatos vão aumentando substancialmente nos últimos tempos. Dados do Serviço de Investigação Criminal revelados recentemente davam conta de 2.500 notificações de suicídio nos últimos quatro anos, mas os especialistas temem que o número seja bastante mais elevado, segundo a DW, à medida que mais gente vai sucumbindo às pressões psicológicas da miséria e da falta de perspectivas.
Esta semana, as redes sociais andaram repletas de vídeos de violentos assaltos à mão armada que contribuem para que o sentimento de insegurança aumente, mas também se tornou viral um vídeo de um dos muitos camiões de comida a serem assaltados à luz do dia, mas não por bandidos – por pessoas com famílias para dar de comer, que descem do táxi e dos carros para tentar apanhar sacos de comida enquanto a policia não chega, um sintoma de que a crise já é de tal ordem severa que os riscos para a integridade e estabilidade do tecido social se vão tornando proibitivos. E o maior problema desta insegurança que vem do aumento da criminalidade, e que se junta a outras inseguranças graves como é a insegurança alimentar e a insegurança de saúde – o problema é que se trata de inseguranças continuadas, sem qualquer perspectiva de fim à vista. E, por sua vez, o resultado dessas inseguranças continuadas sem perspectivas de fim à vista – é o morrer da esperança que termina, por sua vez, em mais desespero, mais crime e mais desgraça.
É vital para a saúde do dito tecido social que exista esperança e que a liderança tenha a capacidade e responsabilidade de a inspirar. Pergunto-me se os nossos líderes terão, sequer, consciência dessa responsabilidade...
A propósito de inspiração, em Portugal, as eleições autárquicas elegeram os primeiros angolanos para cargos de administração local, tanto em terras lusas, como em terras angolanas, já que as prometidas autárquicas em Angola foram varridas do programa de Governo – passando a engrossar a longa lista de promessas por cumprir.
JLo do lado errado da história