E agora pergunto eu...
A semana que passou foi marcada mais uma vez pela expectativa quanto à reacção do maior partido na oposição à escolha externa do seu líder interno. E, mais uma vez jornalistas de órgãos públicos foram maltratados, enxotados e impedidos de fazer o seu trabalho de cobertura de uma actividade. O secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas, Teixeira Cândido foi ao local, enfrentou a fúria popular e, mais uma vez, explicou que os jornalistas que vão cobrir estas actividades não têm qualquer poder decisório sobre a linha editorial dos órgãos em que trabalham e por isso não merecem ser maltratados. Os ataques de grupos a indivíduos isolados nunca passam de cobardia de mentalidade de grupo, de hooliganismo, mas, neste caso, é pior, porque esses jornalistas atacados são muitas vezes vítimas da censura nos órgãos onde trabalham. Os jornalistas não têm culpa e esta é uma mensagem que, volto a repetir, as lideranças na oposição, que quer ter uma imagem positiva, de unidade nacional, de futuro, têm de passar com mais veemência do que têm feito até agora.
A linha editorial dos órgãos em que mandam as ordens superiores, longe do controle de jornalistas, é controlada pelos mesmos confusos que nos querem convencer agora, como se fossemos todos amnésicos, de que o chefe actual e o anterior são amigos e falam... Na semana que passou o chefe de Estado esteve de novo em viagem e de novo em exonerações – as duas preferências da governação – e, concedeu uma entrevista ao Financial Times, coisa que faz sentido por causa do imperativo governamental de atracção de investimento apesar das queixas dos jornalistas em Angola da tradição presidencial de se ignorar os media locais. É claro que a entrevista (que continua a dar vontade de rir pela falta de questionamento com conhecimento de causa e a motivar memes online) foi algo ofuscada no quesito de atracção de investimento por causa essencialmente da tal declaração de que a “briga” com o predecessor será coisa da imaginação dos fomentadores de intrigas...
Então nesta lógica de 'jogador de xadrez' deve ser mais ou menos assim: – “eu finjo que morro de amores pelo pai grande até que ele me passe a batuta; assim que a tenho trato de correr com ele do partido. Digo em entrevista aos estrangeiros que o pai grande é afinal é insecto; ponho na prisão um filho e tento por mais uns quantos acusados de qualquer coisa que nem precisa de ser credível e uso essas acusações que não preciso de confirmar como prova de que sou o tal. Pressiono a olhos vistos a justiça para que os condene ditando sentenças para quem quiser ouvir. Dou corrida a todos os próximos e quem se recusa a atirar pedras no pai grande (antigo) vai para a lista negra de ameaças de investigação, enquanto ando pelo mundo a dizer que o que o tal insecto andava a fazer era só roubalheira. Destruo o império empresarial da filha preferida, mesmo que para isso esse império seja entregue aos portugueses ou fique destruído. Emprego que destrua pelo caminho vale a pena. Dou cabo do partido com essas cisões e com a exposição da hipocrisia e fingimento que por lá andava e o veto ao ex-pai grande é tal que ele regressa ao país que governou quatro décadas e não pode sequer ser notícia nos media onde mando. Como seria expectável custa-me a olhos vistos encarar o ex-pai grande mais velho que rotulei de insecto – mas nada – somo amigos falamos – qualquer sugestão em contrário é intriga”... Pergunto-me o que dizer destas lógicas confusas? E qual será a imagem que os tais investidores podem ter dessa confusão mental? A política o que faz – não é “di bem”.
Mas a propósito de não ser de bem, de confusão que não atrai investimento e de imperativo de governo, pergunto-me o que explicará esta tendência para a aposta nos investidores estrangeiros em detrimento dos nacionais... Porque será que o governo orientou toda a sua estratégia para a atracção de investimento externo, parecendo esquecer os investidores nacionais? Tratar-se-á algum complexo que nos escapa? Porque é que o investimento estrangeiro foi privilegiado face ao nacional que tem vantagens óbvias por conhecer o terreno e por ser o que mais provavelmente tem vontade de fortalecer raízes e fazer pelo país? É que a experiência dos investidores nacionais é o oposto do que é vendido aos estrangeiros, é a de que lidar com instituições nacionais é geralmente um pesadelo, é lidar com instituições poderosas, mas infantis, imprevisíveis e que prometem e não cumprem.
Volta e meia os entrevistados do jornal Valor Económico mencionam alguma situação em que a interacção com o Estado foi penalizadora. Não falam só do pagamento de impostos de primeiro mundo com oferta de serviços de terceiro mundo – a electricidade e a água, que são a base da produção, falham e obrigam a gastos permanentes e proibitivos com geradores e combustível, as estradas para escoar produtos “são de manteiga” e destroem as frotas transportadoras encarecendo o transporte... No entanto, os empresários falam dos serviços e dos ‘kilápis’ do governo que são perfeitamente incapacitantes para a tesouraria das empresas. O Estado é sem qualquer concorrente o maior consumidor - mas não paga a tempo e por vezes, porque alguém está à espera de ‘micha’, não paga de todo (a tal infantilidade e imprevisibilidade que os estrangeiros não têm como ter vontade de aturar num país que não é deles). Mas mais do que que destes factores vitais para o ambiente de negócios, os investidores queixam-se com muita frequência de que os seus projectos e ideias são roubados pelo Estado, pelas pessoas no aparelho de Estado.
Na semana passada em entrevista ao Valor, Pedro Godinho dizia o seguinte – “tinha uma empresa americana que quis fazer exploração de descobertas de um campo que a Total abandonou e daí que peço audiência com Manuel Vicente. Pedem-me as razões da audiência e eu – burro – explico isso. Poucos dias depois o presidente da empresa americana pergunta-me se eu tinha um problema dentro da Sonangol e uma semana depois os homens vieram sem o meu conhecimento foram postos na Sonangol e foram lhes apresentadas outras empresas dizendo-lhe que eu só vendia cervejas e gelados lá na ilha”. Como este relato há muitos de pessoas que foram apresentar projectos aos ministérios ou a influentes do Estado e que viram os seus projectos roubados por instituições públicas que agem não como parceiros, mas como competidores ferozes dos privados. E competidores com o incentivo claro – não de ver esses projectos acontecer – mas de tirar comissões do financiamento público que poderão receber se submetidos ao Orçamento Geral do Estado.
A energia, o tempo e a paixão que um privado que idealizou um projecto pode por nesse projecto para o ver sair do papel é tantas vezes frustrada por essa sabotagem em vez de apoio do estado, que frequentemente o projecto que poderia beneficiar o país com a criação de empregos e de valor – morre – é uma pena. É por estas lógicas que não é surpresa que Angola tenha de facto, como dizem alguns economistas, a mais elevada taxa de mortalidade empresarial do mundo. E são todas estas lógicas pervertidas e confusas que afastam os investidores por mais que o chefe de Estado viaje todas as semanas e se desdobre em discursos de atracção de investimento. Qualquer investidor que ouça a experiência dos investidores locais, os que conhecem o terreno, ‘foge a sete pernas’ a menos que o incentivo que o traz seja várias vezes superior aos riscos de lidar com a instabilidade e imprevisibilidade das nossas instituições. Às vezes, esse incentivo é tão forçado para se mostrar que temos investimento estrangeiro, que prejudica ainda mais o ambiente de negócios e cria mais desequilíbrios porque passa por cima e inutiliza investimento que empresas locais já fizeram muitas vezes a favor de outras que vão expatriar lucros. E era isto também muito do que estava mal e era preciso corrigir...
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