ANGOLA GROWING

E agora pergunto eu...

12 Jan. 2022 Geralda Embaló Opinião

Seja bem-vindo, querido leitor, a este seu espaço onde perguntar não ofende, nesta que é a primeira edição do novo ano de 2022. Um ano já cheio de perguntas, de incógnitas desde a primeira semana...

E agora pergunto eu...
D.R

A pergunta costumeira de início do ano é o que nos reserva o ano que temos pela frente, quer a título pessoal, familiar, quer a título colectivo, e a avaliar pelo que passámos no ano passado e no anterior, a pergunta que não pode faltar é “como vai evoluir a pandemia e como é que os governos vão responder aos variados desafios que coloca? ”No nosso caso, definitivamente, a questão é também quando é que o nosso Governo vai perceber o impacto directo das decisões que toma assim de improviso, ou para imitar, ou para impressionar outras realidades e que não se adequam, de forma nenhuma, à nossa realidade. O ano já começou torto, porque o Governo entendeu que, com uma taxa de vacinação completa a rondar os 12%, é boa altura para implementar medidas como o certificado de vacinação obrigatório para a entrada em transportes e para crianças nas escolas – aberrâncias autoritárias que nem em países com mais de 90% da população vacinada se implementaram.

No começo de ano, correu o vídeo do humorista Gilmário Vemba, que começou o ano a ser raptado com as suas crianças e a ver armas apontadas às suas cabeças (uma das quais com cinco anos), e, olhando para o outro vídeo que chocou o país e em que um policia levou uma arma à cabeça depois de matar dois colegas e balear um transeunte, este torna-se bem mais do que um começo torto, com uma chamada de atenção para a saúde mental que tem sempre pouco espaço de discussão pública, mas que precisa de ser mais cuidada, carece de uma atenção metódica e estratégica. Com as inseguranças que os angolanos vão amontoando, é quase um milagre que não vejamos mais tragédias como estas e tendo em conta a quantidade de armas, muitas de guerra, que circulam em mãos com níveis de stress elevados e carentes de cuidados urgentes e intensivos.

A propósito de carência de cuidados urgentes e intensivos, a pergunta no ar, também na primeira semana do ano, foi o que terá justificado aquela ‘coisa’ a que convencionou chamar-se “entrevista” em que se viu, mais uma vez, a montanha parir um rato?

O PR chamou jornalistas de cinco órgãos, a sua equipa verificou as perguntas de antemão e não se viram rebates às respostas duvidosas. O PR disse o que queria dizer, não foi questionado como seria numa entrevista, de facto. Mas o que é preocupante é que o homem que vai a eleições este ano, nem com essa vantagem de poder escolher ao que vai responder sem ser questionado conhecendo as perguntas, nem assim se sai bem. Não consegue, ou não quer mitigar, o estilo boiadeiro e trungungueiro que se vem tornando repelente para um eleitorado jovem e que não se identifica com o estilo general. E agora pergunto eu, isto não lembra os cabuladores que, mesmo com cábula, não passam nos testes? Será a ideia ainda demarcar-se do anterior residente do palácio que sofreu sempre de um mutismo crónico que o distanciava dos governados? É que nem tanto ao mar, nem tanto à terra certamente seria de bom-tom, de vez em quando, o provérbio dos mais velhos: “em boca fechada não entra mosca”. E, se a ideia for distanciar-se dos erros do passado, será que este ano veremos debates televisivos entre candidatos à Presidência? Debates que informem os eleitores sobre as diferentes propostas de governo e que sejam promotores da transparência? Que dêem a conhecer ao eleitorado as pessoas em que vão votar? Possivelmente, a oposição até beneficia de não ser exposta ao escrutínio público que estaria se a ouvíssemos falar.

“Se eu gostasse de bajulação, a minha cara estaria no dinheiro,” Além da deselegância que é a ameaça velada de que a sua cara poderia estar no dinheiro, e de nos levar a perguntar ‘quem foi a alminha assombrada que fez tal proposta que o general que não gosta de bajulação, felizmente, recusou’ – além disso, fica atestado o “não o fiz porque não quis”, como o subjacente “faço o que quero” que caracteriza cada vez mais esta governação e de eco indiscutivelmente autoritário. Do mesmo modo que, na declaração de que os gestores públicos não têm de divulgar os seus bens porque têm direito ao bom nome, fica subjacente a mensagem inadvertida de que se divulgassem os bens perderiam o bom nome...

A comunicação do Presidente é, de resto, um problema de marketing político que deve causar rotineiramente contorções dolorosas à sua equipa provavelmente antes de falar (tendo em conta a experiência dos últimos quatro anos), mas certamente depois, para tentar reparar os danos das falas do PR. O comentário da ‘fome relativa’, além de ofensivo para a generalidade da população, seria sempre absolutamente desnecessário do ponto de vista da comunicação política, do marketing político, num país que enfrenta seca e pragas. Esse comentário e inúmeros outros (a “oposição malandra” em Moçambique, o famoso “não gostei”, os bons jovens vs os maus jovens) que pouco de positivo agregam, carregam uma carga antagonizadora de opinião pública, evidente para qualquer político sensível. 

Na dita ‘coisa’ que levou o rótulo de ‘entrevista’, as grandes questões que apoquentam o eleitorado permaneceram incógnitas. Não sabemos como o acesso a direitos humanos básicos vai ser assegurado. Até aqui, não foi. Não sabemos, por exemplo, se vamos ter algum resultado do inquérito oficial aos acontecimentos de Cafunfo. Há uma ONG a denunciar a morte de uma centena de cidadãos que saíram às ruas para reclamar direitos de cidadania. A mesma ONG denunciou a morte sob custódia da justiça de detidos nesse processo sem acusação formada. Mas não ficámos a saber como é que a segurança social dos angolanos vai ser melhorada, sendo que são quase inexistentes as estruturas para o efeito. Não se percebem metas concretas para o aumento do emprego que devia ser o maior desafio da governação que tem mais de metade dos jovens no desemprego.

Não ficámos a saber o que o Governo vai fazer para dar resposta à fome, mesmo a chamada relativa. Ficámos a saber pelo jornal The Namibian que a fome matou 18 bebés na Namíbia, que quando chegaram ao campo de refugiados que acolhem angolanos, já estavam tão severamente malnutridos que morreram na mesma. Vamos continuar a ver a atitude do Governo a continuar a ser a mesma de pouco fazer para resolver o problema da fome, porque nega a sua existência e andar a ver se essas pessoas e essas crianças morrem sem que ninguém veja, sem alarido sem entrarem para estatísticas, porque a imagem continua a ser o que mais conta?

Viu-se pouco nas respostas do Presidente, senão uma continuada atitude que não separa o partidarismo da instituição Presidência numa República diversa, com várias correntes de pensamento e que precisa urgentemente de despartidarizar as instituições para as fortalecer.

O que era para ser um ataque à coligação de partidos com o argumento de que “precisam de se juntar para bater o MPLA", mais uma vez, deixou a nu a infantilidade da discussão política do partido no Governo. Será para os eleitores relevante avaliar os partidos que se coligam do ponto de vista da sua fraqueza ou força individual? Ou para efeitos de voto pesa mais a performance do partido no poder até agora vs uma alternativa que nunca governou? Vs a identificação dos eleitores com os líderes que vão eleger? O argumento “tiveram de se juntar” face ao cansaço de quase meio século de MPLA com promessas por cumprir vale alguma coisa? Valerá alguma coisa para eleitores maioritariamente jovens que já não estão amarrados aos partidarismos do passado, às marcas da guerra que são evocadas sistematicamente para justificar um poder decano e que deixa tanto a desejar?

Perguntas não faltam para 2022, mas aqui ficam os desejos de um excelente ano novo para si, querido leitor, na companhia do Valor Económico e da sua Rádio Essencial.

Geralda Embaló

Geralda Embaló

Directora-geral adjunta do Valor Económico