E agora pergunto eu
Numa semana em que me calharam mil perguntas em torno da tentativa de golpe de Estado na Guiné-Bissau porque o meu sobrenome é o mesmo do presidente daquele país, (não conheço o presidente que poderá ser ou não família, perdi o meu pai muito cedo e com ele o contacto com a família paterna), coincidentemente também a família materna, de sangue mucubal, fez marca na actualidade depois de circular bastante um vídeo feito no Virei, precisamente o município onde nasceu a minha mãe. No vídeo, uma Sra. com a cara do Presidente da República esticada na barriga dizia que ‘representava uma nova direcção que queria ter proximidade com as populações e entender os seus problemas’. Antes tarde que nunca... mesmo que, depois de quatro anos, e a meses de eleições – política a quanto obrigas...
Porque políticos são políticos (independentemente de partilharem o meu sobrenome), a tentativa de golpe de Estado na Guiné teria sempre possibilidade de se tratar de uma operação de falsa bandeira como aquelas que eu descrevia neste espaço recentemente a propósito da vandalização da sede o MPLA em Benfica que foi considerada terrorismo. Mas francamente, e depois de se confirmarem 11 mortos, só posso esperar que não seja esse o caso porque não há manipulação política que valha vidas humanas que vão fazer falta às suas famílias e criar mais passivo de violência que uma Guiné, que, desde a independência, já viu quatro golpes de Estado consumados e muitas mais tentativas falhadas com muitos mortos à mistura, certamente não precisa. Esta será também uma prova séria à liderança do meu possível parente porque, tanto a nível interno como externo, todos os olhos estarão postos no que faz a seguir, e se aproveita, como fazem frequentemente os autores das operações de falsa bandeira, para perseguir opositores e aumentar poderes. As instituições internacionais foram peremptórias a condenar a tentativa de golpe que, depois de três golpes de Estado em África nos últimos 18 meses, se torna mais uma a demonstrar a fragilidade das democracias africanas.
A propósito de perseguir opositores e aumentar poderes – os hábitos feios das lideranças viciadas no poder - e voltando ao país que celebrou mais um aniversário do início da luta para a Independência, no vídeo a Sra. com a cara do Presidente na barriga dizia que “o camarada João Lourenço mandou um recado para o povo do Virei, estamos a tentar, como vocês estão a ver, o Kwenda já chegou aqui e como chegou o Kwenda, outras coisas mais vão chegar para ajudar o povo do Virei”.
Mas e agora pergunto eu, o camarada esticado na barriga da senhora quando pediu ao Parlamento que reapreciasse a Lei Orgânica sobre as Eleições, não disse que era para, passo a citar, “reforçar a lisura e verdade eleitorais no quadro da concretização do Estado democrático de direito, garantindo igualdade entre concorrentes, sã concorrência?” É claro que depois contratou a mesma empresa espanhola acusada de corrupção e que participou nas eleições passadas, mas não foi este o recado do camarada para o país? Ora, como é que andam por aí os cabos eleitorais a dizer que o camarada mandou dizer que o Kwenda já chegou e que vão chegar outras ajudas? É que o Kwenda, que é ali apresentado como projecto, nem do governo, mas do MPLA, tem um ‘projecto sósia’ no Banco Mundial, que põe em causa o seu mentor.
No website do Banco Mundial, podem encontrar-se 13 projectos activos para Angola, sendo que um deles se intitula: “fortalecendo o sistema de protecção social – transferências de dinheiro”. O projecto explica que visa “ser um precursor de um sistema nacional de segurança social que apoie directamente as populações mais vulneráveis”, que o projecto foi aprovado em Julho de 2019 e que aloca 320 milhões de dólares até Outubro de 2023.
O website do Governo de Angola, por sua vez, diz que o Kwenda é um projecto do Governo de Angola que (coincidentemente) tem a duração de três anos e que foi publicado depois de aprovado em Maio no Diário da República com a denominação ‘Programa de fortalecimento da protecção social de transferências sociais monetárias’. Um nome que, coincidência ou não, parece pouco mais do que uma tradução do programa do nome do projecto do Banco Mundial. Há outras coincidências tanto o Kwenda como o projecto do Banco Mundial serem operacionalizados pelo Fundo de Apoio Social de acordo com o que dizem os dois websites...
Para além de ser feio vir o partido reclamar crédito pelo trabalho que parece ser alheio, o próprio camarada chefe disse que era para promover a lisura e a sã concorrência. É para cumprir ou não?
É compreensível que o partido no poder tenha dificuldade de ter programas positivos e funcionais para elencar como seus no fim do mandato, porque passou quatro anos dedicado a fechar e a confiscar empresas numa substituição frenética de uma elite por outra. É compreensível que, em virtude disso mesmo, se insista na narrativa de que o camarada nas barrigas mandou recado a prometer que vai fazer mais... Mas será sã concorrência e lisura o Kwenda ser mencionado como uma ajuda, nem do Governo, mas do MPLA, porque era na capacidade de representante do partido e com o lenço amarelo na cabeça que a sra. com o presidente na barriga lá estava, no Virei a falar para alguns mukubais (que podem bem ser meus tios que tenho por lá muitos)?
Estas misturas que atropelam funções, juntam em saladas indigestas instituições que se querem independentes para que exista responsabilização e profissionalismo são marca da partidarização do Estado que se tornou normativa.
É claro que fica a pergunta do que terão para dizer os cabos às populações, ao fim de décadas de governo MPLA em que mais de metade da população vive em pobreza extrema? Em que a pobreza multidimensional na área rural é de 87.8%? Mas melhor pergunta será “quando é que o Governo se vai capacitar de que o trabalho que faz para as populações não é ajuda nem favor – mas apenas a sua função?”
Temos ainda meses de malabarismos políticos pela frente, por isso, com votos de que tenhamos todos suficiente barriga para aturar tanta politiquice, querido leitor, marcamos aqui encontro para a próxima e na sua Rádio Essencial.
UIF, ENTRE MENTIRAS E A IGNORÂNCIA