E agora pergunto eu...
A actualidade desta semana foi marcada pelo que o presidente russo Vladimir Putin explicou como “intervenção para a defesa da integridade do território russo dos avanços sistemáticos da NATO”- o mesmo que o ocidente, inspirado pela narrativa dos EUA, classificaram como ‘indiscutível e insana invasão a um país soberano’... Como as narrativas diferem consoante as perspectivas e como é fácil extremar posições que se apressam a expressar apoios a uma ou a outra parte como se de contenda futebolística se pudesse tratar uma guerra que mata e separa famílias (geralmente as mais vulneráveis), e que não pode ser ganha por só se traduzir em perdas para todos.
Mais motivos para um certo conservadorismo opinativo não faltam. O facto de, na Rússia, terem sido detidos milhares de manifestantes que não concordam com a guerra iniciada pelo seu governo, apesar de se terem tornado todos alvo do ódio mundial, quebra a ideia de que os ‘russos são o papão, o eixo do mal’. O facto de nas fronteiras ucranianas os africanos, maioritariamente estudantes e onde se contavam angolanos, terem sido vítimas de racismo, claro, quando foram impedidos durante dias de embarcar em transportes para fora do país porque as peles claras passavam primeiro, levou o apoio incondicional africano à Ucrânia a dar dois passos atrás e a lembrar-se de que o continente tem demasiadas ‘malambas’ para que a prioridade na agenda seja a Ucrânia. O facto de a desinformação e o uso de imagens antigas ou deturpadas para alimentar mitos (como o tanque que se viu esmagar um carro, mas que, em vez de russo, era ucraniano, ou como as fotos de um presidente em farda militar serem do ano passado aquando de uma visita) mostram que a manipulação da opinião pública é facilitada particularmente num cenário em que meios de comunicação russos foram bloqueados de modo a que só a narrativa ocidental possa ter voz sem contraditório. Tudo factos que lembram que as ‘aparências aparudem’ e que a escolha de lados por emoção pode bem levar a enganos.
Uma das abordagens mais imprevisíveis, mas simultaneamente inteligentes e mais bem conseguidas que vi sobre esse tema foi a do sul-africano Trevor Noah, que apresenta o Daily Show nos EUA, e que antes da intervenção/invasão brincava com as palavras de Putin acerca da presença de tropas na fronteira com a Ucrânia e que, de forma cómica, conseguia colocar em cima da mesa as perspectivas de um e do outro lado (isto num país habituado à narrativa de que a Rússia é o mal e em que qualquer outra perspectiva é um acto de coragem). Porque a verdade estará provavelmente algures pelo meio.
O que é facto indiscutível é que a nova guerra, que se junta a outras menos mediáticas, porque não são do interesse de quem comanda os meios de comunicação de massas a nível internacional, é fruto, mais uma vez, da falta de entendimento entre líderes políticos, é fruto da intolerância, da falta de diálogo, da prepotência de que menospreza as vidas que se vão perder nesses conflitos. O ataque começou e, no dia seguinte, já havia relatos de mais de 100 mortos que incluíam civis.
Outro facto indiscutível é que os ataques de umas nações a outras são fruto de interesses económicos que estão sempre por detrás das intervenções militares e que rendem biliões a alguns que beneficiam das vendas de armas e dos recursos naturais que os territórios intervencionados têm, e que, como sabemos pela nossa própria história de guerra, rapidamente passam de ‘recursos bênção’ para ‘recursos maldição’.
Os EUA, na guerra que Biden se esforçou tanto por terminar depois de mais de 20 anos no Afeganistão, gastaram 14 triliões de dólares, um número superior à divida soberana dos EUA com estrangeiros que não chega aos 10 triliões de dólares e que em cerca de metade, segundo alguns estudos, foi para as mãos de produtores de armas e de tecnologias de guerra. Há sempre quem facture das misérias de guerra e uma Ucrânia que fornece gás à Europa e que é uma das referências mundiais da produção de uranio, é certamente um activo geopolítico apetecível para potências permanentemente em disputa como os EUA e a Rússia.
Depois da entrada de tropas russas em solo ucraniano, as bolsas mundiais entraram em pânico. O gás e o petróleo dispararam, o gás cerca de 25% e o petróleo para mais de 105 USD por barril.
Em Angola, antes de ‘começarmos a rir’, porque somos produtores de petróleo e o nosso brent valorizou lá fora, é bom ouvir as vozes que aconselham cautela – e cautela porque estes aumentos têm claros e brutais efeitos colaterais inflacionários.
Tudo sobe de preço quando a energia aumenta de preço, a comida, sobretudo os grãos de que todos tendem a aumentar os stocks, sobe tudo de preço, sobretudo quando estão envolvidos produtores e produtos agrícolas essenciais, que, como tudo, precisam de energia para serem produzidos. A Ucrânia e a Rússia são, ambas, produtoras-chave que vão certamente levar a que a demanda dispare e com ela mais ainda a pressão sobre os preços.
Para países como o nosso, este disparo no preço do petróleo e gás tem o condão de tirar com uma mão o que dá com a outra, produzimos por um lado o petróleo que valorizou, mas como não produzimos mais nada de relevo e vivemos de importação, vamos provavelmente gastar o que ganhamos a mais a comprar trigo ou arroz que não produzimos e que vão encarecer. Dores de um mundo globalizado, que doem mais para países que não conseguem passar de consumidores a produtores do que consomem e se habituaram a importar. No nosso caso, essas dores são acirradas porque, para além de precisarmos de importar a maioria da comida que consumimos, continuando a comprometer a segurança alimentar do país, até mesmo o combustível temos de importar porque, apesar de produtores de petróleo pouco sabemos refinar. Um quadro que só foi diferente quando era o colono a mandar numa altura em que Angola produzia muita coisa com mão-de-obra semi-escrava, produção a que ‘os libertadores’ não conseguiram dar continuidade com a liberdade essencial da independência.
A propósito de libertadores, e agora pergunto eu, depois da tomada de posição da União Africana contra a invasão, depois da condenação inequivoca vinda de várias frentes, do aviso dos EUA de que países que não condenam a acção militar da Rússia poderão entrar na lista negra, o que fará o Governo de Angola, composto pelo partido com laços estreitos ao antigo bloco da União Soviética?
REFINARIAS ENCALHADAS